Não é preciso recuar muito no tempo para perceber as transformações que as redes sociais impuseram, nomeadamente no mundo da televisão. Nos anos de 1990, um episódio de uma série era visto por todos e ao mesmo tempo. Nos dias seguintes os comentários sobre a história podiam prolongar-se até à mesa do café, mas geralmente não dominavam os temas do dia.

Se a internet mudou a forma de consumir as séries, as redes sociais vieram prolongar os comentários sobre os enredos, o que nos leva até ao universo dos spoilers, que para Nelson Zagalo, professor de Ciências da Comunicação, existem desde sempre. “Já falávamos de spoilers antes de existir o termo, que apareceu com a internet. Mas antes de existir a discussão dos spoilers, as pessoas já não gostavam que lhes contassem os finais - portanto, não é uma coisa só de agora”, explica.

A GUERRA DOS TRONOS
A GUERRA DOS TRONOS créditos: HBO

"A Guerra dos Tronos" é uma das séries cujos spoilers chegam rápido, o que irrita muito fãs da série da HBO. Segundo Nelson Zagalo, o que cria tensão não é o facto de ficar a saber o que vai acontecer, mas sim o facto de haver diferentes níveis de informação: "A pessoa sente-se marginalizada porque não tinha conhecimento e isso provoca tensão e provoca todas aquelas discussões que vemos no Facebook. E, muitas vezes, as pessoas estão stressadas não com o spoiler, mas com tudo aquilo que esse spoiler acarreta”.

“A experiência não se estraga porque eu sei o spoiler”

Com as inúmeras partilhas, o risco de contar o que se passa no enredo aumenta. Para muitos fãs, um spoiler pode estragar a experiência de um episódio. Porém, segundo Nelson Zagalo, alguns investigadores defendem que o spoiler pode ser vantajoso porque “torna o objeto familiar”.

“Há muitos estudos que nos dão várias perspetivas sobre os spoilers e, aliás, do ponto de vista cultural, nós ocidentais temos uma tendência para evitar o spoiler porque queremos maximizar a experiência. Mas a nível asiático não há tanto stress com os spoilers. As pessoas até gostam de saber para ir ver o filme, para saber se vem ir ou não”, explica o professor de Ciências da Comunicação ao SAPO Mag.

Um spoiler estraga o efeito surpresa, o que pode ser frustrante. Mas para Nelson Zagalo, saber o que vai acontecer na série deixa-nos mais atentos: “Se sei o que vai acontecer na série, consigo estar muito mais focado em outros pormenores. Por exemplo, quando falamos de 'A Guerra dos Tronos', tudo aquilo está desenhado ao pormenor para agarrar a emocionalidade e, muitas vezes, as pessoas deixam-se sugar pelas emoções e quase não se apercebem dos detalhes”.

O professor da Universidade do Minho sublinha ainda que é “muito diferente a experiência de uma série como 'A Guerra dos Tronos' e a de um jogo de futebol em que sabemos o resultado, porque a série não se move apenas pelo resultado final, pela morte de A ou de B. Há toda uma quantidade de elementos que criam a experiência”.

As séries, como conteúdos mediáticos globais, são dos assuntos mais falados em todas as redes sociais, que geram um maior burburinho, o que potencia os spoilers, uma forma de nos ajudar a apreciar mais a série, segundo Zagalo. “A experiência não se estraga porque eu sei o spoiler. Saber o que vai acontecer pode ajudar-me a apreciar outras coisas além da história".