Kevin Spacey falou pela primeira vez sobre o impacto na sua vida e carreira das acusações de crimes sexuais feitas por si por várias pessoas no início do movimento #MeToo no último trimestre de 2017.
A entrevista foi dada à revista alemã ZEIT e está disponível na versão em inglês, com Von Khuê Phạm a ser a primeira jornalista a ter acesso ao ator em mais de cinco anos, sob uma condição: não falar sobre as acusações concretas que estão na justiça.
Apesar da vontade de contar a sua versão dos acontecimentos, os pedidos de todos os grandes jornais e canais de TV nos EUA foram rejeitados até agora, esclareceu o seu 'manager', porque "é demasiado grande o risco de que vá ser mal interpretado ou retratado de forma imprecisa".
Existe ainda o receio dos seus advogados do que as declarações possam ser usadas contra si no julgamento que irá começar no fim deste mês em Londres.
"Os dias em que tudo ficou fora do controlo" é como Spacey descreve o que se aconteceu após a publicação de um artigo num domingo no final de outubro de 2017 em que o ator Anthony Rapp o acusava de tentativa de abuso sexual em 1986, quando tinha 14 anos.
Um comunicado no dia a seguir a assumir a homossexualidade foi interpretado como uma tentativa de desviar as atenções do escândalo concreto e criticado por alegadamente estabelecer uma ligação entre a orientação sexual e a pedofilia.
Outras pessoas vieram a público com novas acusações e, como recorda a revista alemã, o vencedor de dois Óscares foi despedido da série "House of Cards", substituído no filme "Todo o Dinheiro do Mundo" e basicamente perdeu a carreira, a reputação, muito dinheiro e muitos amigos.
Questionado sobre como descreveria esses tempos, demora até responder: "Ainda estou a processá-lo. Não estou ainda preparado para falar sobre isso".
No verão de 2019, Specey começou a viajar, visitando cidades como Viena, Praga, Lisboa e Marraquexe. Em janeiro de 2023, recebeu um prémio cinematográfico na Itália, alguns meses após um júri o ter ilibado num julgamento civil de 40 milhões de dólares da acusação de Anthony Rapp.
Em todo o lado, os fãs foram ao seu encontro.
"A comunicação social fez o seu melhor para me transformar num mostro, mas não recebi nada a não ser afeição das pessoas", recorda na entrevista, dada a 6 de maio, o dia da coroação do Rei Carlos III em Inglaterra.
O ator sempre desmentiu quaisquer abusos e outros dois casos em Los Angeles e Nantucket ficaram pelo caminho, o primeiro porque a alegada vítima já morreu, o segundo porque a principal testemunha não quis testemunhar.
Faltam as 12 acusações de abuso sexual a três homens relacionadas com a época em que foi diretor artístico do teatro Old Vic em Londres entre 2004 e 2015, que enfrenta aparentemente sem receio: "No momento em que se aplica o escrutínio, essas coisas desmoronam. Foi o que aconteceu no julgamento de Rapp e é o que acontecerá neste caso".
Menos confiante está na reabilitação da reputação: trata-se de uma batalha perdida, pelo menos no que se refere à sua imagem na comunicação social.
O que é importante é o que lhe disseram realizadores e produtores: "Queremos trabalhar contigo, mas não podemos".
"É um momento em que imensas pessoas têm muito medo de serem canceladas se me apoiarem. Mas sei que existem pessoas neste momento que estão prontas para me contratar assim que for absolvido destas acusações em Londres. No momento em que isso acontecer, estão prontas para avançar", diz.
A entrevista revela que começou a escrever peças, curtas e argumentos. Não se espere é um relato sobre esta fase da sua vida: "Não estou a tentar acertar contas. Não tenho interesse em lutar contra uma coisa que não vale a pena".
E a entrevista conclui com uma convicção: "Dentro de dez anos, isto não vai significar nada. O meu trabalho irá viver mais do que eu e é isso que será recordado".
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