Foi no mítico bairro de Camden Town, em Londres, que o grupo portuguès teve o lançamento do livro, que sai juntamente com a biografia de outra banda de metal com uma trajetória semelhante, os gregos Rotting Christ. No dia 31 os dois grupos tocaram na cidade.
Esta é a segunda internacionalização da obra que, em Portugal, vai na sua segunda edição. Conforme lembra Ricardo S. Amorim, no ano passado, “Lobos que Foram Homens” conheceu uma edição espanhola lançada no México, país onde o grupo é popular e foi um dos representantes lusitanos da Feira do Livro de Guadalajara, que homenageva Portugal. “Foi um grande evento, vieram excursões de diversas cidades e houve pessoas a dormir na rua para conseguir um lugar para assistir o concerto”.
Da periferia para o mundo
Dani Filth é o autor do prefácio do livro, demonstrando as trajetórias paralelas entre os Moonspell e os Cradle of Filth. Conforme conta Amorim, o grupo britânico fez a sua primeira apresentação fora da Inglaterra em solo português, num longínquo concerto em Penafiel. Por esta altura, os membros dos Moonspell deslocaram-se ao norte para assistir o espetáculo.
A relação de amizade aprofundou-se: em outro momento, os membros dos Cradle of Filth ainda longe do sucesso, ficaram nas casas dos pais dos membros do grupo português na periferia de Lisboa, a Brandoa.
O universo do “metal” é dos mais “democráticos” no sentido de acolher artistas que venham de fora do âmbito anglo-saxão. No início dos anos 90, por exemplo, os brasileiros dos Sepultura assinaram com a Roadrunner e passaram da fase inicial de estranhamento e de algo “exótico” para uma convivência pacífica e de sucesso no cenário internacional.
Também os Moonspell saíram de um país periférico e assinaram com a Century Media, atualmente subsidiária da Sony, para lançar fora o seu primeiro álbum, em 1994, e começar a estabelecer o caminho para a internacionalização.
“Mas há uma diferença substancial”, observa o biógrafo. “Enquanto os Sepultura conseguiram primeiro criar um público local no seu país de origem, os Moonspell não foram aceites em Portugal e tiveram que primeiro ter sucesso lá fora para ser reconhecido aqui. O que diz muito do nosso país”, lamenta Amorim.
Altos e baixos
Com um livro surgido ele próprio da convivência entre o jornalista e a banda, “Lobos que Foram Homens” terminou por ser mais do que uma mera biografia cronológica, tornando-se antes um registo muito mais pessoal sobre o grupo. Num destes momentos dois processos criativos uniram-se: o da elaboração do próprio livro mais os bastidores da composição de um dos álbuns dos Moonspell. Segundo Amorim, não houve restrições entre o que poderia ou não ser mostrado e uma ampla liberdade norteou o trabalho.
E quais os altos e baixos inevitáveis deste percurso? “Penso que o momento mais baixo foi a saída de um dos fundadores, o baixista Aires Pereira, que gerou sete anos de batalhas jurídicas prejudiciais à banda. O ponto alto e definidor na carreira dos Moonspell foi a assinatura do contrato com a Century Media, no final de 1994, que veio a ser a grande oportunidade que eles conquistaram”.
"Black Metal" e Satanismo
Em termos musicais os Moonspell surgem na segunda vaga do movimento do “black metal” norueguês lançado por bandas como Mayhem nos anos 80. Segundo Amorim, o movimento era uma reação ao “death metal”, subgénero veiculado por bandas norte-americanas que levou as tendências mais extremas do “metal” ao “mainstream”.
“A estas alturas grupos como os Morbid Angel e os Deicide assinavam pelas ‘majors’. Na Noruega houve então essa abordagem de tentar trazer essa música novamente para o ‘underground’ numa procura de uma certa ingenuidade”, disse o autor.
Alguns extremistas mais entusiasmados foram longe e Varg Vikernes, dos Mayhem, liderou uma onde de incêndio a igrejas no pacífico país escandinavo. Obviamente aqui em Portugal a rebeldia ficou-se pela música. “Bom, isso não poderia ter acontecido em Portugal, até porque as igrejas são de pedra…”, brinca.
A associação entre “metal” e satanismo é tão antiga quanto o género e foram os Black Sabbath de Ozzy Osbourne e introduzir esse imaginário. Segundo Ricardo Amorim o baixista do grupo, Geezer Butler, revela que uma certa casualidade está na raiz do primeiro álbum homónimo da banda de Birmingham, a pedra filosofal do género.
Num dia, quando circulava pela rua, viu uma enorme fila para assistir um filme de terror e Butler e os seus camaradas acharam que era uma boa ideia abandonar as suas raízes mais “blues” para produzir uma “música assustadora”. “À medida que o ‘heavy metal’ vai se desenvolvendo, manteve-se essa fonte de inspiração lírica do ‘terror satânico’, que casa bem com um estilo de música mais agressivo, mais fantástico, mais negro”.
O último álbum dos Moonspell saiu em novembro de 2017 e, em mais assomos experimentais do grupo, “1755” era inteiramente cantado em português.
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