Como diz Rutherford na conclusão do seu livro, lançado em Portugal pela Desassossego, chancela da editora Saída de Emergência, “a nossa inteligência incomparavelmente desenvolvida levou-nos a sermos uma espécie tecnológica. Fazes todas essas coisas porque inventámos a ciência, a engenharia e a cultura, e esforçamo-nos por compreender o nosso mundo e a nós mesmos . Somos a espécie que se olhou ao espelho, mas não foi por vaidade... Foi a curiosidade”.
Cultura e ciência, genética e história: o que propõe Rutherford no seu livro é um cruzamento – de um lado apoiando-se nas estruturas de leitura do passado criadas pelas ciências humanas e de outro pelos novos e impressionantes desenvolvimentos da genética – que trouxe, através da análise do DNA dos fósseis, uma nova compreensão da misteriosa história da humanidade.
A árvore evolutiva e a “libertinagem sexual”
A genética e o projeto Genoma têm destruído teorias como a que mostra a cadeia evolutiva do Homem: primeiro um “austrolopithecus”, depois o “Homo habilis” etc. – começando do hominídeo meio encurvado até o “Homo sapiens” bípede. Tanto pela mistura de espécies ocorridas como pelo que Rutherford chama de uma “grande libertinagem sexual”, é impossível traçar uma linha tão pragmática.
“Segundo todas as evidências à nossa disposição”, descreve, “os sete mil milhões de humanos que vivem hoje em dia são o último grupo que resta de grandes símios humanos de um conjunto de pelo menos quatro que existiram há 50 mil anos”. Essas espécies acasalaram umas com as outras e, durante largas páginas, o autor explica como os achados referentes ao Homem de Neanderthal, por exemplo, demonstram que ele se cruzou com outra espécie de símio igualmente ancestral do homem.
“É agora evidente, mais do que nunca, que a antiga e simplista visão de como nos tornámos quem somos estava errada. Longe vão os tempos de árvores genealógicas organizadas ou do macaco curvado que, passo a passo, vai ficando ereto (...) somos (o resultado) de uma enorme trapalhada com um milhão de anos. Sempre que os humanos se encontraram (“sapiens”, neanderthal, denisovano) tiveram relações sexuais”. Por isso, Rutherford nomeia um dos seus capítulos, baseado nas características acima e na extrema itinerância dos povos pré-históricos, de “excitados e em movimento”.
A bizarrice etnocêntrica: conceito nacionalista de raça desmentido pela ciência
No século XXI, têm regressado algumas da mais mirabolantes interpretações da História e do que levou ao maior genocídio (bastante recente, em termos históricos) de todos os tempos: o Holocausto. Rutherford gasta um capítulo do seu livro a desmitificar de uma maneira pragmática a aberração do conceito de raça na forma como é compreendida culturalmente para demonstrar que, para a ciência, tal conceito simplesmente não tem fundamento.
Seria desejável que os apoiantes de conceitos como “raça superior” pudessem neste momento verificar o que a história da genética tem descoberto: um europeu branco nórdico pode ter (e frequentemente tem) raízes muito mais verificáveis numa comunidade eslava ou africana do que numa pura linhagem de evolução “ariana”.
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