“É um público muitíssimo bem trabalhado. O trabalho que aqui foi feito no Viriato é fantástico, com os vários diretores que foi tendo, e agora com a Paula [Garcia]. Está tudo muito bem feito e é muito agradável inaugurarmos temporadas aqui”, disse à agência Lusa Jorge Silva Melo.
O encenador, que já perdeu a conta às estreias feitas em Viseu, revelou que a companhia Artistas Unidos “precisa de um bocadinho de tempo para apresentar o espetáculo, uma semanita de ensaio, agradável, com calma, com profissionais muito competentes”, e isso consegue em Viseu.
“É um público que gosto muito de encontrar, é a atenção, a crítica, a capacidade, porque já viram muitas coisas, têm capacidade de ver, acolher, e isto é diferente das outras coisas, nós somos bastante diferentes do resto das companhias que costumam ser aqui apresentadas, digamos, mais experimentais, e isso eu gosto muito”, admitiu.
Apesar de nesta estreia, que abre a temporada da companhia, não estar programado nenhum encontro com o público no final do espetáculo, como tem sido habitual nas restantes estreias dos Artistas Unidos, na cidade, Jorge Silva Melo, apesar de lamentar o facto, não se deixa ficar, até porque sabe que, “certamente, numa ida ao café, eles vão lá estar”, e a oportunidade para conversar “acontece logo ali”.
Deste público de que gosta, o encenador disse esperar que “haja uma reação de calor, calor de coração, não deste calor alentejano, à peça” que, segundo disse, no entender do autor, é uma tragédia mas, para si, “é uma peça vibrante” e tem esperança de ver os viseenses deixarem-se contagiar pela “eletricidade que anda neste ar trágico”, ao longo do espetáculo.
“Tudo vibra na peça. As relações das várias personagens, o desejo sexual do Eddie Carbone pela sua sobrinha, que ele não sabe que é um desejo sexual, o crescimento da sobrinha atraída pelo jovem moderno, roqueiro antes do rock and roll, tudo isso está vibrante e aceso. Portanto, é uma peça, digamos, elétrica e é tão humana e tão simples”, apontou.
A obra levanta diversas questões: afinal, “que sociedade se consegue criar na América dos anos 50?", país e época onde se desenrola a história que envolve uma família siciliana, Itália, ou “na América de agora, em que as comunidades minoritárias, que não são tão minoritárias como isso, não têm leis, não podem respeitar os seus valores, têm que encontrar outros valores?”
E na atual sociedade portuguesa? Quer saber a agência Lusa.
“Hoje são muitas minorias, são muitas comunidades que estão atiradas para a margem, são reformados, são, no caso de Lisboa, os lisboetas atirados para fora de suas casas, atirados para a periferia, e, no Porto, imagino, também será a mesma coisa, porque já não é possível viver nas casas transformadas em hotéis que é toda a Lisboa”, apontou o encenador.
E Jorge Silva Melo continuou: “São aqueles que são expropriados da sua vida, porque tinham direito para a melhorar e não para a piorar e, neste momento, vê-se uma pioria da vida que não se percebe e a propósito de quê?”, questionou o encenador.
“Os famosos lucros que o turismo vem trazer a Lisboa serão tantos como isso? Para nós ou para que fundos imobiliários? Ou para que ricaços?”, acrescentou o encenador que olha para esta obra como um levantamento de “questões sempre atuais”, e que “o público poderá compreender”, nos dias 14 e 15 de setembro, às 21:30, no Teatro Viriato em Viseu.
“Gosto muito de poder fazer duas récitas, porque, na maior parte das cidades, fora de Lisboa, só conseguimos fazer uma e, aqui, conseguimos fazer duas. Portanto, isso é bom, porque é muito ingrato estrear-se um espetáculo e só fazer uma récita, só fazer uma é terrível, portanto fazer duas já dá alguma estabilidade ao elenco”, acrescentou o encenador ao rol das vantagens apresentadas de estrear o seu trabalho em Viseu.
“Do alto da ponte” é, para Jorge Silva Melo, um texto “lapidar” que consegue ser, em simultâneo, um drama passional e uma tragédia contemporânea.
O ciúme, a suspeição, a honra, a traição são alguns dos temas que passam por esta peça do dramaturgo norte-americano Arthur Miller (1915-2005), estreada em 1955, em plena “caça às bruxas” do macartismo, cuja ação decorre num bairro italo-americano nos portos de Brooklyn, Nova Iorque.
Baseada num incidente verídico, “Do alto da ponte" centra-se em Eddie Carbone, um estivador que vive com a sua mulher Beatrice e a sobrinha desta, Catherine. O conflito surge com a chegada dos sobrinhos de Beatrice, dois imigrantes clandestinos que acabarão denunciados por Eddie às autoridades.
"Do alto da ponte" estreia-se em Viseu na sexta-feira e andará em digressão até 16 de março, passando por Guarda (21 de setembro), Leiria (28), Cartaxo (06 de outubro), Vila Real (19 outubro), Bragança (27 outubro), Ponte de Lima (3 de novembro), Aveiro (01 de dezembro), Almada (9 a 11 de fevereiro de 2019), Setúbal (16 de fevereiro) e Viana do Castelo (16 de março).
De 8 a 25 de novembro, estará no Teatro Nacional S. João, no Porto, e, de 10 a 27 de janeiro de 2019, no municipal S. Luiz, em Lisboa.
São intérpretes Américo Silva, Joana Bárcia, Vânia Rodrigues, António Simão, Bruno Vicente, André Loubet, Tiago Matias, Hugo Tourita, Gonçalo Carvalho, João Estima, Inês Pereira, Sara Inês Gigante, Romeu Vala e Miguel Galamba.
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