SAPO On The Hop: Explica-nos a escolha da faixa “Killing Kind” como o single deste teu novo EP, uma vez que toda a letra é mais sombria, comparativamente àquilo que estamos acostumados vindo de ti.
Ana Free (AF): Acho que foi uma música que surgiu tão naturalmente como tantas outras. É uma música mais escura, e considerada por muitos como mais melancólica, mas é uma letra que eu só poderia ter escrito depois destas minhas aventuras. Desde que vim para Los Angeles, na Califórnia, passei por várias experiências e ainda continuo a passar por muitas coisas. A nível da carreira e do trabalho, de toda a indústria da música e das pessoas que vou conhecendo e me vão surpreendendo e desafiando, mas nem sempre de uma forma positiva. Aqui tudo é mais amplo do que nas outras partes do mundo. Eu sei como funciona em Portugal, e mesmo no Reino Unido, mas aqui estamos no centro da indústria, o coração do mundo da música onde se centralizam as paixões de tanta gente, e há muita concorrência por aqui. Coisas frias, relacionadas com vinganças, poder… Ficas muito exposta aqui! É muito fácil seres pisada. Existe muita falsidade e muita manipulação.
Estamos a falar daquelas situações em que as pessoas sorriem na tua frente quando te querem apunhalar pelas costas?
AF: Sim, completamente! E escrever esta música foi muito mais complicado, porque depois vem toda a emoção que ela carrega. Na música, em geral, existem muitas rejeições. Nas artes em geral, na verdade. E muitas dessas rejeições são brandas. As pessoas não te dizem diretamente que não, dão antes conselhos abstratos. As pessoas não te querem dizer que “não”, porque pode chegar o dia em que tu venhas a vingar na indústria, e eles têm sempre essa cartada para te apresentar. O típico “oh que bom, que sucesso! Eu sabia, eu sempre soube que ias ser uma estrela!” (risos) E estas coisas afetam-me especialmente, porque eu não sou assim, e foi neste sentido que a música surgiu, pela sensação de ser subestimada e de as pessoas estarem cegas pelo poder e pelo dinheiro. É uma música muito difícil de explicar, porque vem de tantas partes de mim, e sinto que só a poderia escrever cá, depois de tudo o que passei aqui.
De onde veio a inspiração para este novo EP?
AF: Acho que foram vários fatores que me influenciaram. As mudanças que eu vivi, desde que vim para a Califórnia, influenciaram-me bastante. No início vivi momentos bastante solitários, sem amigos ou conhecidos perto de mim. Não fui acolhida por ninguém, embora tenha vindo com o Rodrigo, não é? O meu namorado (risos). Depois desse choque inicial, passei por uma fase divertida e fresca, que se reflete na “Say It To Me”. Depois não só me sentia animada como mais inspirada, e dai veio a “City Lights” que fala de sonhar e de amar. Depois temos a “Killing Kind” que foi a fase mais escura, e por fim a “Remember Me”, a balada, que fala da saudade.
Então este EP funciona como uma passagem musical pela montanha-russa de emoções que sentiste desde que te mudaste para a Califórnia.
AF: Exatamente (risos) Emoções, experiências, e tudo o que me levou até este ponto. A “Califórnia” é a última faixa do meu EP, e é toda em acústico, até porque foi gravada num só take! Nós estávamos em estúdio e eu pensava que ia só gravar uma demo, mas eles enganaram-me! (risos) Disseram “Não, não, vamos mesmo ficar com isto que está brilhante!”. E eu fiquei a pensar “Está bem… mas não vamos ao menos fazer alguma produção?”. E a resposta foi, novamente “Não, não, fica assim” (risos). É muito especial por isso mesmo, e também por abordar a ideia das pessoas que vêm para cá com grandes sonhos, como eu, e caem! Caem na droga, caem na rua, sem casa, sem amigos, sem nada! Isso é algo frequente aqui, e foi algo que me chocou. Ena, esta foi a análise mais profunda que eu já dei do meu disco (risos).
Como tem sido o feedback às novas canções?
AF: O EP saiu em dezembro e teve uma receção muito boa. As pessoas sempre se relacionaram melhor com a sonoridade com a minha guitarra, e foi isso que procurámos manter. Não queríamos nada muito acústico ou super produzido, e acho que conseguimos alcançar esse equilíbrio. Eu estou muito feliz, mesmo! O single, “Killing Kind”, tem sido o favorito, e o videoclip na praia também puxou muito pelas pessoas.
Como já aqui falámos, atualmente vives em Los Angeles. Tendo em conta os recentes acontecimentos, especialmente no que diz respeito ao assassinato de Christina Grimmie, que tanto se poderia assemelhar a ti, como te sentes a viver aí? Foi algo que mexeu contigo?
AF: Muito! Muito e de uma forma mesmo perturbadora! Foi extremamente perturbador. Nunca a morte de qualquer artista, no meio do público e tudo o mais, tinha mexido tanto comigo. Acho que pelo facto de ela não ser uma figura tão conhecida assim, isso causou-me imensa ansiedade.
Porque te conseguias identificar?
AF: Sim, completamente. E depois com atentados como o de Orlando, uma pessoa fica mesmo paranóica! Eu agora estou a planear os meus anos e penso nisso. Faço no parque? Pode alguém chegar aqui e matar toda a gente? É horrível sentires esse medo na tua vida e o que aconteceu com a Christina marcou-nos especialmente. Eu e outros youtubers, pessoas que a conheciam. Todos falámos entre nós, sobre como era possível isto ter acontecido. O mais irritante ainda é que não há detalhes! Não se sabe se o rapaz a conhecia, se já tinha trocado mensagens com ela ou não… Eu também já fui vitima de stalking, não físico mas online, bastante grave há três anos. Mas normalmente há sinais, porque já me aconteceu a mim e também a amigas minhas, e isto são realmente assuntos muito perto do meu coração. Nos Estados Unidos existe muito esta falta de equilíbrio, mas não há acesso a ajuda, porque é tudo muito caro. A saúde mental não é levada a sério, e se quiseres ir a um psicólogo pagas uns 200 euros por hora. É ridículo! Há pessoas realmente muito doentes, e combinando isso com o fácil acesso a armas, é claro que vai dar porcaria! Por isso, sim, ando mesmo afetada com isto. Quando amigos meus vão aqui ou ali eu peço logo para ter cuidado e para não ir aqui ou ali, coisas marcantes, mas não pode ser assim! Temos de viver com os nossos medos, as nossas preocupações.
Começaste perto dos 20, agora está perto dos 30 anos. Qual a maior diferença que sentes em ti?
AF: Oh, que giro. (risos) Eu acho que há coisas boas e coisas más, mas acho que estou mais segura e confortável na minha pele. Tenho tido muitas lições de vida, e acho também que até estou a cantar melhor. O pior talvez seja o facto de eu me sentir menos focada naquilo que é mais importante, que é criar música. Contudo, eu acho que isso não sou só eu, porque toda a gente está a tentar entender para onde vai a indústria, e o que é que se tem de fazer para sobreviver. As pessoas do mundo da música estão a misturar-se com o mundo da moda, da maquilhagem, e tudo isto acaba por estar num grande pote misturado. O mundo da música não é fácil. Não é fácil viver da música, e por isso acabas por ter uma espécie de empresa à volta do teu trabalho. Basicamente trabaçhar na música é como ter 18 empregos, tá? (risos) Ah, e depois também convém ser pessoa, ser humano, e se eu quiser ir de férias? Olha vou, mas se parar se calhar perco o que fiz até agora… Eu tenho férias para setembro, e já estou a pensar no que vou levar comigo para gravar umas coisas.
E se calhar ainda gravas algumas coisas extra para o tempo em que estiveres fora.
AF: Exato, vês? (risos) E tudo isso requer planeamento extra.
Deixando as perguntas mais profundas de lado. Qual era o único item que trarias de Los Angeles para Portugal, e de Portugal para Los Angeles?
AF: Uau (risos). Ok, daqui para Portugal, eu levaria… Ok, deixa-me pensar. Acho que levava um paddleboard (risos) Eu gosto imenso de paddleboard! E acho que é mais barato comprar aqui do que em Portugal. Agora de Portugal para aqui eu acho que queria umas amêijoas à bulhão pato (risos). Claro que Portugal tinha de ser comida, não é? (risos) Meu deus, é tão bom! E uma boa sapateira…
Dando uso ao teu nome artístico, Ana Free, do que nos gostarias de libertar no mundo?
AF: Uau… Eu acho que nos gostava de libertar da intolerância. Gostava de abrir os olhos das pessoas sobre todos aqueles temas de discriminação de sexos, de raças, religiões ou política. Acho que aquilo que é realmente difícil é tentar entender aquilo que os outros fazem e que é tão diferente para ti, ou chocante, que tu não percebes as razões. Tentar entender antes de tomar decisões. Sei perfeitamente que o que eu estou a dizer é muito idealista, e que nunca vai acontecer, mas eu gostava que fosse possível…
Imagina que podes criar o teu próprio festival. Onde farias, quem trazias, diz-nos tudo.
AF: Se eu pudesse criar o meu próprio festival? (risos). E tenho todo o dinheiro que quiser?
Tens todo o dinheiro do mundo, podes fazer o que te apetecer! Toda a gente te financia, podes estar à vontade (risos)
AF: Eu acho que fazia um festival na Polinésia Francesa. Já querias vir, não era? (risos) Sabes que estás sempre convidada. Chamava os meus amigos para me ajudar, e era tudo grátis! Toda a comida, bebida, estadia… era uma ilha só para nós! Gostava que as pessoas pudessem simplesmente desligar-se do mundo e desfrutar da paz da natureza, sem a destruir, claro. Queria um festival mesmo informal, onde as pessoas pudessem ter contacto com a organização e tudo o mais.
E quem escolherias para atuar? Não te esqueças que o orçamento é ilimitado…
AF: Ai que boa pergunta, quem é que eu levava? Olha, eu levava o Frank Sinatra! Já que tenho esse orçamento todo, eu também podia trazer as pessoas dos mortos (risos). Adorava ter um ídolo por década, basicamente. Se fosse possível gostava também de fazer um teste de personalidade às pessoas (risos). Assim eu só teria lá as pessoas bem dispostas, nada de pessoas ruins! A ideia de um ídolo por década dava para falar da evolução da música ao longo do tempo e… meu deus, esta ideia é mesmo fantástica! (risos)
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