É dos regressos televisivos mais aliciantes deste verão, mesmo que ainda não seja das séries mais populares da Max. Mas "Industry" já esteve mais longe desse patamar, sobretudo devido à presença de Kit Harington entre os novos nomes do elenco da terceira temporada, estreada a 12 de agosto. O ator que foi Jon Snow em "A Guerra dos Tronos", outra aposta da plataforma de streaming, tem ajudado a despertar mais atenções em torno deste retrato do mundo da alta finança com créditos da HBO e da BBC. E talvez possa contribuir para que o quotidiano do escritório do banco internacional Pierpoint & Co, em Londres, continue a inspirar mais episódios.

É essa a vontade dos criadores da série, que não esconderam o entusiasmo pelo seu mergulho no caos financeiro durante uma mesa-redonda virtual com a imprensa que contou com o SAPO Mag. "Eu e o Mickey ainda nos sentimos muito estimulados criativamente. Não temos qualquer ideia ou controlo sobre se teremos outra temporada. A única coisa que sabemos é que temos uma ideia para a quarta temporada. Será que podemos vender a ideia à HBO?", interroga-se Konrad Kay.

Mickey Down e Konrad Kay com o elenco de
Mickey Down e Konrad Kay com o elenco de Mickey Down e Konrad Kay com o elenco de "Industry" créditos: AFP

Enquanto não há resposta, a dupla britânica tem sido prudente. "Desde o início que abordamos cada temporada como se fosse a última. Quer dizer, a segunda temporada termina com um pequeno suspense, por isso é um pouco contraditório com o que acabei de dizer", explica. "Mas, de certa forma, eu e o Mickey sempre pensámos que se a Harper fosse despedida e esse fosse o último episódio da série, isso seria narrativamente satisfatório. Se o que quer que aconteça no final da terceira temporada fosse o último episódio da série, seria narrativamente satisfatório. Como se estivéssemos a pôr uma espécie de ponto final. Ou uma espécie de travessões dos quais se pode sair, mas pôr um ponto final no fim faz-nos sentir que podemos ver a temporada e é uma história completa. Dito isto, a HBO é uma parceira incrível com quem trabalhar. Estivemos com eles durante sete anos. Eles são são os melhores executivos do mundo", elogia.

"Temos uma relação enorme, extremamente gratificante em termos da latitude que nos dão, ao mesmo tempo que melhoram subtilmente o que estamos a fazer. E empurram-nos para termos a melhor versão da série. Sempre a pressionar. Nunca lêem nada e dizem 'Tira isto ou outra coisa qualquer'. É sempre: 'Podem ir mais longe? Como é que se pode melhorar? Como é que se pode aprofundar? Como é que se pode tornar mais excitante?' Eles são ótimos parceiros", garante.

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Pierpoint & Co, "um lugar onde não é permitido ter vulnerabilidade"

"Continuo a pensar que a série, na sua essência, é sobre as relações que temos com as pessoas com quem trabalhamos e como essas relações são por vezes estranhas, porque passamos o tempo num sítio onde a nossa vida é muito desgastada", descreve Mickey Down. "É muito difícil ter um equilíbrio entre vida profissional e pessoal num lugar como este. Quando olhas para as pessoas com quem escolheste passar 100 horas por semana, o que é que isso diz sobre ti? No fundo, continua a ser um drama no local de trabalho", acrescenta.

Mas não perdendo de vista esse ponto de partida, a terceira temporada também leva os protagonistas para caminhos menos reconhecíveis. "Todas as personagens desta temporada, penso eu, estão a ir mais longe na sua busca sobre se realmente se permitem ser vulneráveis num lugar como este, um lugar onde não é permitido ter vulnerabilidade", aponta. "Mas a história do Robert [Lawtey, interpretado por Robert Spearing] é a que mais se destaca, porque ele é de facto alguém muito vulnerável. E ele mostra essa vulnerabilidade de forma aguda no primeiro episódio. E é-lhe atirada de volta à cara imediatamente com muita agressividade, uma grande demonstração de machismo. Ele apercebe-se, durante o resto da temporada, que se quiser ser a pessoa que quer ser ou a pessoa que sente que é, provavelmente não vai estar no sítio certo para ele."

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Os criadores sabem do que falam, uma vez que ambos tiveram experiência nos corredores do universo financeiro. "O aspeto autobiográfico para mim e para o Mickey era muito elevado na primeira temporada. Tínhamos sido cuspidos por esse mundo", recorda Konrad Kay. "Queríamos representá-lo da forma mais autêntica possível no ecrã. Quisemos escolher um grupo de atores que as pessoas nunca tinham visto antes. Queríamos que fosse sentida. A forma como apresentámos a série à HBO foi a de que, quando se está a começar uma carreira, os riscos dramáticos de nos enganarmos numa encomenda de almoço podem parecer os de que nos enganámos nos códigos nucleares. Pode parecer que estes dramas, que, à superfície, são muito pequenos e superficiais, podem de facto mudar a vida. E nós queríamos fazer com que isso acontecesse. Queríamos transmitir isso ao espectador, uma vez que não havia qualquer garantia de que iríamos ter uma segunda temporada", sublinha.

"Depois, a nossa ambição para a série mudou ligeiramente. Sentimos que a primeira temporada era mais uma espécie de vibração do que um drama televisivo sério. Era mais um tipo de sentimento que estávamos a tentar transmitir, transportado pela música e pela representação. E sentimos que a nossa escrita precisava de alcançar o nível da HBO. Por isso, profissionalizámos um pouco mais a sala dos guionistas. Contámos, talvez, uma história mais tradicional em termos da forma como dividimos as horas de televisão. E depois tivemos o privilégio de conseguir uma terceira temporada."

"Queríamos muito que a série fosse mais divertida nesta temporada"

Uma das mudanças na escrita dos novos episódios é o reforço do humor numa história de contornos tendencialmente dramáticos, ainda que nunca se tenha levado demasiado a sério. "As nossas séries preferidas de todos os tempos são 'Os Sopranos', 'Mad Men', todas essas nas quais pensamos como dramas, mas que na verdade são comédias. São mais engraçadas do que qualquer comédia de meia hora que esteja no ar", defende Konrad Kay.

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Mickey Down concorda e salienta a aproximação de "Industry" à comédia. "As personagens parecem um pouco mais vívidas do que na primeira e segunda temporadas, e eu e o Konrad queríamos muito que a série fosse mais divertida nesta temporada", revela, destacando um dos trunfos nesse caminho. "Os ctores que temos nesta temporada são realmente fenomenais. Estas personagens poderiam ser vistas como caricaturas, e é a interpretação que as eleva ao ponto de se sentirem totalmente vividas no realismo."

Um dos maiores exemplos dessa viragem (apesar de tudo, controlada) para o humor é Henry Muck, herdeiro milionário e diretor-executivo de uma empresa de energia de tecnologia sustentável, a personagem de Kit Harington. "O Kit é um ator fenomenal. Um ator cómico fenomenal. Um tipo muito, muito engraçado na vida real. Não foi autorizado a fazer piadas durante dez anos da maior série da televisão. Por isso, pensámos: vamos dar-lhes algumas piadas", conta Mickey Down.

O criador descreve um dos novos protagonistas como "o fundador de uma empresa de tecnologia bem cotada que nunca teve de lidar com nenhum problema na sua vida. Nunca teve de lidar com qualquer fracasso, teve o mundo entregue a ele, apoiado por privilégios o tempo todo, e basicamente trata a sua vida, como diz o Robert no episódio dois, como se tudo fosse um MBA. E se ele tiver sucesso, isso é excelente, ele fica com os louros todos. Se falhar, o problema será de outra pessoa".

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Kit Harington, fã de longa data de "Industry", trouxe para a série "quantidades maciças de humanidade, charme, vulnerabilidade, todas as coisas que os atores da série trazem em abundância porque é o que as nossas personagens são", considera Mickey Down. "Acho as personagens que têm nuances e refletem um certo tipo de pessoa. E, por vezes, essa pessoa é um bocado hedionda. São o reflexo de um tipo de pessoa real."

Uma estreia na realização com inspirações do grande ecrã

Além de se manterem interessados em perscrutar as contrariedades das suas personagens e em reforçar a escrita dos guiões, os criadores procuraram aperfeiçoar "Industry" a outros níveis. "Tentámos ser o mais ambiciosos possível para nos mantermos criativamente realizados", confessa Konrad Kay. E um dos passos nesse sentido foi a estreia de ambos como realizadores da série nesta temporada, ainda que não de todos os (oito) episódios.

"Finalmente conseguimos realizar nesta temporada, o que foi um pouco diferente para nós. Nós fazemos tudo, desde a escrita à edição. Escolhemos a música. É uma coisa muito nossa, apesar de ser uma coisa super colaborativa. E a realização fez-nos sentir que é isto mesmo que queremos", partilha. "Dirigir a nossa própria escrita foi uma sensação incrível. Foi uma experiência muito gratificante do ponto de vista criativo. Se houver uma quarta temporada, adoraríamos fazê-lo novamente."

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Konrad Kay indica algumas referências que ajudaram "Industry" a tornar-se uma das séries mais esteticamente singulares dos últimos anos. Curiosamente, são exemplos não do pequeno, mas do grande ecrã. "Em termos visuais, eu e o Mickey, quando começámos a vender a série e a pensar nela, falávamos sempre de Bennett Miller e de coisas como 'Moneyball - Jogada de Risco' e 'Foxcatcher' e todos esses filmes, e falávamos muito de Michael Mann [realizador de 'Heat - Cidade sob Pressão', 'Colateral' ou 'Ferrari'. Não tínhamos ilusões de que as duas primeiras temporadas se assemelhassem a eles", frisa. "Mas na terceira estávamos a tentar chegar a um ponto em que o estilo da câmara, os enquadramentos e todos esses elementos se movessem em direção a algo mais cinematográfico, que estávamos a tentar alcançar na primeira temporada, mas que nunca conseguimos."

A dupla apresenta a terceira temporada como a mais completa até agora, reunindo o melhor das anteriores enquanto aceita outros desafios. "Sentimos que todas as coisas que estavam na primeira temporada e toda a energia e a velocidade e a intensidade e as particularidades das personagens estão todas aqui. Mas quem ficou desmotivado com a forma hermética como a primeira temporada foi trabalhada, como era inacessível porque se tratava de finanças e estava basicamente numa língua estrangeira, pode chegar à terceira temporada sem nunca a ter seguido desde aí e pensar 'Bom, gosto deste tipo de mistério e do facto de estar escrito de uma forma que consigo compreender", contrasta Konrad Kay. "Portanto, sentimos que a série está mais densa na terceira temporada, mas de uma forma que também é mais leve, mais agradável e mais acessível a um público mais vasto."

TRAILER DA TERCEIRA TEMPORADA: