Coube à capit ãMaría Nieves Rebolledo Vila, artisticamente conhecida apenas como Bebe, levar a bom porto o início do último dia festival.
Diz-se que de Espanha não vem bom vento, nem bom casamento. Para compensar, da parte da cantora, chegou-nos muita provocação, em trajes reduzidos, muita sensualidade e, acima de tudo, muita desinibição discursiva.
Bebe tentou dirigir-se ao público em português, mas acabou por desistir, devido aos "muitos nervos". Nervos é mesmo coisa que não se lhe adivinhava, na pose de mulher sem papas na língua, como nos garantiu o seu pop-rock tão despudorado e tão cheio de salero quanto a própria, munida de canções atrevidas, à sua imagem e feitio.
“Um Pokito deRokanrol”, trabalho lançado este ano, foi o mote para esta introdução algo kitsch ao dia do adeus ao Super Bock Super Rock, por entre os votos muitos repetidos de que o público tivesse uma boa vida, muito amor e, sobretudo... muito sexo!
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Coube ao norte-americano Perfume Genius abrir as hostes do palco secundário no terceiro e último dia da 18ª edição do festival Super Bock Super Rock. Ao piano, num final de tarde mais concorrido do que aqueles que lhe antecederam, debitou com ternura e intimismo os temas de “Put Your Back N2 It”, segundo álbum de uma discografia que só conta ainda com dois exemplares.
Por entre Awol Marina, tema inaugural da segunda aventura discográfica, No Tear, All Waters, Hood, Dark Parts, Perry, Look Out, Look Out, Mr. Peterson e Learning – as quatro últimas resgatadas do disco de estreia -, Mike Hadreas brindou ainda os presentes com uma versão de Helpless, de Neil Young, interpretada com uma fragilidade enternecedora, e, quase no final, com Oh Father, de Madonna, à qual roubou alguns versos.
Dado a poucas conversas – a timidez assenta-lhe bem, na verdade – convenceu com a sua extrema delicadeza e profundidade os que não esperam, dum concerto de final de tarde, um aquecimento para o que vem aí a seguir.
Aloe Blacc, o nome que se seguiu no palco Super Bock, manteve a aura de positivismo com que a espanholita Bebe já havia brindado os presentes, ao fim da tarde. Atitude que é já do seu apanágio, contida nos apelos frequentes à paz e ao amor, surgidos logo ao primeiro tema, Polititians, marcado por uma curta coreografia gestual de corações formados com as mãos e sinais da paz.
Ao longo destes três dias de festa na aldeia do Meco, muitos foram os bailarinos de alta estripe que subiram ao palco principal. De memória, refira-se Owen Clark, teclista dos Hot Chip, que até tem uma página de facebook criada emhomenagem aos seus rebuscados passos de dança; o bambolear incontrolável de Ed Macfarlane, o rechonchudo vocalista dos Friendly Fires; e, a tom mais profissional, a elasticidade surpreendente do bailarino que acompanhou M.I.A. em palco. Por sua vez, o autor de Loving You Is Killing Me também não quis destoar, desdobrado em moonwalks sofisticados ao logo de Downtown Tonight, e tantos outros movimentos gingões, ao longo da atuação.
O maior trunfo, I Need a Dollar, ficou, claro está, guardado para o final, no término de um concerto que o cantor disse esperar ter sido visto em boa companhia. Caso contrário, ficou o voto ou a sugestão para que esta fosse encontrada pelo festival.
Com a noite a cair sobre o Meco, os suecos Little Dragon arrancaram dos presentes os primeiros passos de dança do dia. Uma excêntrica Yukimi Nagano, que se apresentou em palco de óculos de sol e chapéu de palha, que lhe tapavam o rosto miúdo, ofereceu aos que no palco secundário se concentravam um alinhamento onde a eletrónica foi rainha e senhora, com o mais recente disco, “Little Union”, de 2011, a receber grande parte da atenção do grupo, ainda composto por Erik Bodin, Frederik Källgren Wallin, Arild Werling e Haka Wirenstrand, ao serviço dos sintetizadores, bateria e cowbell.
Uma quebra de energia em pleno palco EDP, logo ao segundo tema, obrigou o coletivo a ausentar-se do palco por breves minutos, mas nem por isso assombrou a atuação do quinteto, que se mostrou dominante até perto das 22h30 – altura em que abandonou o palco, onde, uma hora depois, St. Vincent faria festa da grossa.
Indubitavelmente, a este terceiro dia da 18ª edição do Super Bock Super Rock correspondeu a maior contagem de cabeças – 21 mil, de acordo com os dados oficiais fornecidos pela organização.Os evidentes responsáveis por este acréscimo de público foram dois, cada um lançado ao coração de gerações distintas: enquanto os mais jovens fizeram questão de,ainda cedo, marcar lugar junto ao Palco EDP (chegando mesmo a importunar quem aí se tinha deslocado com outras motivações), para assistirem à prestação de Skrillex, com subida (re)marcada para as 2h30, Peter Gabriel foi capaz de aglomerar, junto ao Palco SuperBock, os visitantes mais maduros da Herdade do Cabeço da Flauta e os curiosos mais jovens, cientes da oportunidade que lhes foi dada.
Cedendo ao chamamento em forma de palmas, a voz de Peter Gabriel fez-se ecoar, ainda oculta pela cortina digital onde foram sendo exibidas composições videográficas alusivas às canções que compuseram o alinhamento, através duma versão riquíssima de Heroes, de David Bowie, numa orquestração desempenhada pela New Blood Orchestra. Imediatamente depois, a primeira saudação, “boa noite”, em português, num esforço que se foi repercutindo, na leitura introdutória a alguns temas, na língua de Camões.
Ao “segundo take” de Aprés Moi, da autoria de Regina Spektor - que o cantor gravou para “Scratch My Back”, disco de versões com vista a ser espelhado pelos artistas cantados, mas com o repertório de Gabriel, num difícil de concluir “I'll Scratch Yours” -, a também pianista soviética entrou em cena, envergonhada, para um dueto bilingue em russo e inglês, correspondente a um momento único, de grande cumplicidade, que por certo será guardado a sete chaves na memória de todos os privilegiados que o presenciaram. Também a duas vozes, executaram-se Downside Up, com as atenções repartidas com Melanie Gabriel, e Don't Give Up, a fechar, com Rosie Doonan (que em conjunto com a filha do músico compunha o coro) a assumir a parte originalmente cantada por Kate Bush.
Pelo meio desta magnífica atuação,na qual se integrou o muito cuidado espetáculo visual em tons devermelho, Peter Gabriel guiou-nos pela viagem onírica de Red Rain, juntou-nos à homenagem a Biko, e apontou o microfone para a assistência no decorrer da simulação dos batimentos cardíacos de Solsbury Hill.
Inicialmente, o poderio rockeiro de St.Vincent viu-se esmorecido por alguns constrangimentos técnicos, que a tornaram pouco audível. Para desajudar à festa, os fãs do peculiar Skrillex estavam piores que criancinhas à espera da hora do banho num passeio de família até à praia, não se calando com o tempo que faltava para que oDJ subisse até à mesa de mistura, entre outros comentários mais ignorantes, que escusavam de terem sido tão sonoros, sobre as artistas que se viram no ingrato contexto de o antecederem. Para sorte de todos os outros, que gostam de fazer valero dinheiro investido na ida ao festival, Annie Clark é mulher de pêlo na venta: quem acaba o concerto com dois mergulhos para cima do público e se mantém a cantar durante o crowdsurfing, também há-de ter estofo para aguentar este tipo de chatices. Pela manutenção do nível de dedicação em palco, a cantora soube separar o trigo do joio; neste caso, os apreciadores do seu trabalho e os inconvenientesfãs de Skrillex.
Deste modo, não nos pôde soar maisque propositado o comentário que introduziu She Is Beyond Good and Evil, dos Pop Group. De acordo com a cantora, aquando de uma performance conjunta em Londres,Mark Stewart (vocalista) oferecera-lhe um esfregão da loiça, na forma de Sid Vicious, chamado “Sid Dishes”. Moral da história: "foi nisto que o punk se tornou”. Será que, horas mais tarde, houve quem indagasse o mesmo sobre o estado do hardcore?
Findo o concerto de Peter Gabriel, a debandada foi assustadora. Pobres Shins, por quem algum público ainda aguardava, frente ao palco principal.
“The Shins Welcome”, assim se lia o cartaz amarelo na linha da frente do palco, a acalentar a esperança de que houvesse gente e vontade suficientes para que a remodelada banda de James Mercer se sentisse convenientemente aconchegada, e não defraudasse os seus seguidores. A julgar pela vontade em regressar expressa, dir-se-ia que, de facto, Mercer e os novos colegas sentiram-se, efectivamente, bem-vindos. Poucos mas bons (já diz o povo), dos quais fizeram parte uma camada mais recente de fãs, a assegurarem as atenções para “Port of Morrow”, com especial destaque para Simple Song, e a velha guarda indie, embevecida a cada canção mais antiguinha - New Slang em destaque -, puderam respirar de alívio. A mescla de conhecimento repartido entre mais novos e mais velhos garantiu o interesse equilibrado na atuação e, terminado o concerto, muitos foram vistos a abandonar as imediações do palco com um franco sorriso nos lábios. Para a despedida, Sleeping Lessons, numa bonita explosão de quem soube ao que veio e fez questão de estar presente na estreia dos Shins em Portugal.
Uma próxima visita urge e agradece-se em local e com audiência mais adequada. Se não for pedir muito, com Richard Swift na primeira parte, num idílio proveitoso do facto de se ter tornado no novo teclista da banda.
Regina Spektor teve uma multidão devota a recebê-la no palco secundário do Super Bock Super Rock, que muito deve ter roído de inveja os The Shins, que tocavam sensivelmente à mesma hora no palco principal do certame, perante uma assistência reduzida. Depois dum inesperado dueto com Peter Gabriel, no palco Super Bock, que muito e bom burburinho causou entre os milhares que assistiam ao regresso do mestre aos palcos nacionais, apresentou-se na ala poente do recinto de vermelho, entregue ao piano, de sorriso cândido na face.
Blue Lips e Patron Saint inauguraram o alinhamento, que também passou, entre outras, por Dance Anthem of 80’s, Firehood, Better, Ballad of a Politician, Samson, All the Rowboats, Two Birds, Us, Shaking Hands with the Man, The Party e,maispara ofinal e com participação massiva da assistência, Fidelity, com uma Regina emocionada, genuinamente surpreendida com o carinho do público, a agradecer música após música, de sorriso rasgado, num português esforçado mas muito bem conseguido.
“Isto por aqui é fantástico! Passei a tarde no castelo [de Sesimbra] e adorei! Estou muito contente por cá estar”, revelou, a dada altura, numa das poucas ocasiões em que se dirigiu, de forma menos subtil, ao público, que a contemplava, na sua simplicidade, embebecido. Um concerto doce, alegre, cúmplice, que certamente fez as delícias de todos, menos dos que àquela hora já guardavam o seu lugar em frente ao palco secundário, para o espetáculo que se seguiria, ao som de Skrillex, um dos cabeças de cartaz do dia, cuja atuação passou, por motivos logísticos, para o segundo palco do certame.
E ao fim do terceiro dia de festividades o pó voltou em força à Herdade do Cabeço da Flauta. E Skrillex foi o responsável. Com o seu dubstep hardcore, que fundiu com músicas bem conhecidas de todos, entre as quais Sabotage, dos Beastie Boys, em jeito de homenagem a Adam Yauch, recentemente falecido, saciou as gerações mais catraias do festival, ansiosas pela atuação do DJ, que não pararam de dançar, sobrevoadas por animais insufláveis que muito fizeram lembrar os recentes concertos de LMFAO em Portugal, até Skrillex se despedir, sem não antes recordar, pela milésima vez: “My name is Skrillex”.
Texto: Ariana Ferreira e Sara Novais
Fotografias: Filipa Oliveira
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