Palco Principal - É indiscutível que os Joy Division marcaram um período importante da música dita moderna do final dos 1970 e início dos 1980. Passadas três décadas, ainda sente o peso dessa influência?

Peter Hook – Sim, ainda hoje sinto a influência dos Joy Division, particularmente em bandas como os White Lies, Interpool, Editors… Penso que tanto eu como o Barney, o Steve e o próprio Ian, nos sentimos muito elogiados pelo facto de, 30 anos depois, a nossa música ainda inspirar muitas das grandes bandas da nova geração.

PP - Apesar dos arranjos musicais dos Joy Division serem uma das suas imagens mais fortes, muita da «verdade» da banda resultava das palavras de Ian. O que sente ao cantá-las?

PH - Bem, a ideia inicial era ter vários cantores no projeto, mas, devido aos comentários menos positivos sobre os nossos primeiros espetáculos no Reino Unido, decidimos abandonar esse plano. Assim, comecei eu a assumir o papel de cantor. A experiência acabou por resultar, até porque, assim, conseguimos ter um membro original dos Joy Division a cantar as palavras do Ian. No início, era estranho e até um pouco difícil fazê-lo, mas, com o passar do tempo, as coisas começaram a ser bem mais fáceis. Sinto-me muito bem a cantar as palavras do Ian, porque agora posso apreciar ainda mais o quão boa a sua poesia era. Algumas das canções têm muitas palavras e outras poucas, mas todas resultam de forma brilhante. O Ian era genial.

PP - Já muito se escreveu e falou sobre os Joy Division. Fizeram-se tributos, documentários e filmes, mas até que ponto os fãs têm conhecimento da verdadeira história dos quatro de Manchester?

PH - Penso que existe uma ideia errada de que os Joy Division eram sossegados, misteriosos e muito arty. Na realidade, nós éramos apenas um grupo de rapazes que tocava rock. Isso demonstra que as pessoas não conheciam, de facto, a verdadeira história dos Joy Division. Muitos livros foram publicados sobre nós e a grande maioria foi escrita por pessoas que não viveram a nossa história, que não sabiam quem somos nem de onde viemos. Penso que foi essa uma das principais razões que me levou a escrever o meu próprio livro (“Unknown Pleasures: Inside Joy Division”) sobre a banda: poder contar às pessoas como nós éramos realmente! Ainda assim, penso que o filme de Anton Corbijn, “Control”, foi a tentativa mais bem conseguida de nos retratar, e isso porque o Anton nos conhecia muito bem e viveu muito o final dos anos 70 connosco.

PP - “Unknown Pleasures: Inside Joy Division” ainda não tem edição em português…

PH - Ainda não há uma edição portuguesa, mas estamos confiantes que isso aconteça no futuro. O livro foi publicado em francês e japonês, e já falei com editores em Espanha e Itália para a tradução deste livro, por isso esperamos que seja possível uma edição em português - o que eu adoraria, porque os fãs que temos em Portugal e no Brasil são maravilhosos. Penso que este livro é uma boa forma de aprender a história dos Joy Division, pois é a primeira vez que um membro da banda escreve sobre o tema. Espero que as pessoas gostem de o ler. Contei a história de acordo com a verdade que retenho na minha memória.

PP - Para si, os Joy Division morreram com o suicídio de Ian Curtis?

PH - Quando o Ian morreu, nós formámos os New Order logo de seguida. Penso que o fizemos como uma forma de lidar com o suicídio dele. Mas não concordo com o facto dos Joy Division terem morrido com o desaparecimento do Ian, pois, na verdade, a banda é hoje maior do que era no seu tempo e o espírito de Ian vive através das suas canções, que todos nós ajudámos a criar. Isso não se reflete apenas através da nossa música, mas também graças às gerações de pessoas que estão sempre a descobri-la e às novas gerações de bandas que nos referem muitas vezes como uma das suas maiores influências. É por isso que digo que os Joy Division continuam muito vivos, independentemente de eu estar, ou não, a tocar a sua música de novo.

PP - A música e poesia patente nos discos dos Joy Division revelam-se muito introspetivas, sérias, depressivas. Era esse um sentimento presente nos quatro ou uma forma de catarse?

PH - Muita gente pergunta-nos: “Vocês não perceberam que o Ian estava infeliz através das letras dele?”. Não, não tínhamos essa consciência. Muitas vezes não conseguíamos sequer entender o que o Ian dizia, pois o equipamento sonoro nos nossos concertos era tão mau, que as letras eram impercetíveis! Hoje, que canto essas mesmas canções, percebo o dramatismo das mesmas… Mas, obviamente, é tarde demais. Não diria que, como pessoas, somos muito sérios e introspetivos. Nós éramos apenas rapazes normais. É claro que, com o passar do tempo, as pessoas mudam. Por exemplo, eu e o Barney acabámos por cortar relações… Mas a vida é mesmo assim.

PP - Pelo que sabemos, enquanto New Order, só tocaram as músicas dos Joy Division uma ou duas vezes e as coisas não resultaram muito bem. Porquê voltar a eles três décadas depois?

PH - Enquanto New Order, e antes da banda se separar em 2006, fizemos um concerto no âmbito da luta contra o Cancro em 2005 (“Manchester vs Cancer”), no qual tocámos muitas canções dos Joy Division, e eu lembro-me que foi fantástico poder tocar temas como “24 hours” e “Shes Lost Control” depois de tantos anos. Um ano mais tarde, em 2006, tocámos em Wembley um set com oito canções dos Joy Division e eu adorei, assim como os fãs (penso eu), mas o Barney não gostou! Em 2010, 30 anos depois da morte de Ian, surgiu a ideia de se fazer um tributo em forma de concerto na sua terra natal, Macclesfield, e eu e o Steven Morris, assim como outros cantores, concordámos em participar. Mas depois, infelizmente, a ideia não teve seguimento e eu achei uma pena não haver uma celebração dos trinta anos do falecimento do Ian, como agradecimento ao grande homem que ele foi e ao fantástico legado que nos deixou. Então decidimos juntar uma banda e tocar o “Unknown Pleasures” na íntegra, num concerto que apoiou duas causas – a Mente (no âmbito do Mental Health Charity) e também o apelo de Keith Bennett, que, sendo pai, me tocou muito. Este concerto único em Manchester rapidamente se transformou em dois, uma vez que a procura foi brutal e esgotou muito rapidamente. Depois disso, muita gente pelo mundo fora me pediu para fazer uma tour com este espetáculo, e foi no seguimento dessa ideia que chegamos agora a Portugal! Vai ser muito gratificante tocar em Lisboa, finalmente - tenho tentado fazê-lo desde o início. Gosto de pensar que levar este espetáculo em digressão é oferecer às pessoas a oportunidade de ouvirem estas músicas ao vivo e também a nossa forma de prestar homenagem ao Ian.

PP - Nos vossos espetáculos também tocam temas de “Closer” e alguns do tempo de “Warsaw”. Como é feita a escolha dos temas a tocar?

PH - Nós gostamos de tocar o alinhamento de forma cronológica – isso significa que vamos começar com o material mais antigo de “Warsaw” e depois tocamos o “Unkown Pleasures”, que representa grande parte do alinhamento. Depois de tocarmos o álbum completo, tocamos material de “Closer” e outras canções que são, de alguma forma, raridades. Gosto de mudar o alinhamento o mais possível, de forma a oferecer o maior conjunto de canções possível às pessoas, e também porque torna as nossas atuações mais «frescas» e entusiasmantes para mim e para o resto da banda. Já tocámos todas as canções dos Joy Division nos nossos concertos pelo mundo inteiro, o que representa um grande feito. Os rapazes da minha banda – Jack, Nat, Andy e o Paul – têm feito um trabalho notável e são todos muito empenhados.

PP - Quando está a tocar estas músicas com uma banda diferente, não sente que está a fazer um tributo a si mesmo?

PH - Por vezes, as pessoas criticam-me e dizem que estou numa banda de tributo a mim mesmo, mas eu não vejo as coisas assim. Fiz parte dos Joy Division e ajudei a criar e a escrever aquelas músicas, por isso penso que é normal tocar essas composições ao vivo. Mais: acho que o facto de tocar o álbum na íntegra significa que tudo isto é mais do que fazer um tributo. Se tocares apenas os maiores êxitos da banda todas as noites, como esta nova versão dos “New Order” tem feito, aí sim, corres o risco de parecer uma banda de tributo. Esta nova versão é um tributo sim - um tributo àquilo que os verdadeiros New Order foram.

PP - Como sente o panorama musical de Manchester hoje?

PH - Manchester produziu música fantástica ao longo dos anos... Talvez isso possa estar relacionado com a metereologia local. Chove muito e, por isso, as pessoas ficam em casa a fazer música (risos). Ainda existe música muito interessante em Manchester. Por exemplo, depois de tocarmos em Portugal, seguimos viagem para o Reino Unido e vamos atuar com duas novas bandas de Manchester: “The Shines” e Tiny Phillips”. São ambos projetos muito interessantes e, para mim, mostram que o futuro da música de Manchester está em boas mãos.

PP - Ainda consegue, hoje, escrever uma canção em duas horas, como fazia com os Joy Division?

PH - Os Joy Division eram muito prolíferos, pois a química entre os elementos da banda era absolutamente fantástica – sempre que ensaiávamos, nascia uma nova canção. Era um processo muito fácil. Quando fizemos os New Order, as coisas tornaram-se mais difíceis, pois alguns membros da banda insistiam em fazer pós-produção em todo o material, o que retirou algum gozo ao processo criativo… Pelo menos para mim. Isso fez com que cada disco fosse mais demorado a sair, além de que as relações entre nós, enquanto membros da banda, não eram as melhores. Enquanto Joy Division, a tecnologia não era óptima, então nós tínhamos realmente que nos sentar numa sala com os nossos instrumentos e tocar todos juntos para fazer a canção. Hoje em dia, temos tantos computadores e diferentes programas digitais que deixamos que as máquinas assumam o papel principal na criação, o que é uma pena.

PP - O que podem esperar os fãs de Joy Division do vosso espectáculo em Portugal, no âmbito do Misty Fest?

PH - Podem esperar ouvir o “Unknown Pleasures” completo, assim como muitas músicas do catálogo da banda – podem ter a certeza que todas as canções vão ser tocadas com muito respeito e fidelidade, uma vez que todos os membros da banda reconhecem o valor das músicas e respeitam a sua identidade e o que significam para os fãs. Estou ainda a decidir o alinhamento definitivo que vamos tocar em Portugal - é muito bom, pois as pessoas escrevem no nosso facebook o que gostariam de ouvir e eu dou bastante importância a isso. Até agora, temos pedidos para tocarmos o “Atmosphere” e o “Ceremony”, e vamos, decididamente, tocar essas duas. O resto vai ser surpresa! Tivemos um concerto fantástico no Porto em Fevereiro de 2011, na Casa da Música, e participámos no maravilhoso Festival Paredes de Coura em 2010. Em ambas as experiências, o público português foi do melhor que alguma vez já conhecemos e espero que no dia 8 de Novembro isso se repita. Estamos muito ansiosos por tocar para vocês.

Carlos Eugénio Augusto