Mesmocom "dores fechadas em caixinhas", o coletivo está de ótima saúde e continua a "ladrilhar com pedrinhas de rubi" os caminhos por onde passa. A transmissão de uma realidade portuguesa desconhecida por muitos é uma ode ao fado da Herminia Silva e de Alfredo Marceneiro. Paralelamente aos concertos, o grupo encontra-se a partilhar um novo sonho, com a ajuda de um farol. Sabe mais aqui!
Palco Principal – Andam na estrada desde 2002. Contudo, só em 2009 lançam o álbum de estreia, “Tasca Beat: O Sonho Português”. Porquê um compasso de espera tão grande entre as primeiras apresentações ao vivo e o lançamento do primeiro disco?
OqueStrada – Quando criámos o projeto, a nossa intenção era fazer apenas um espetáculo, sendo que durante sete anos trabalhámos no formato de um espetáculo musical portátil. Nós funcionamos melhor ao vivo e é isso que gostamos de fazer verdadeiramente. Como tal, acabámos por optar por trabalhar o nosso modelo de espetáculo e a nossa sonoridade de forma mais independente. Na verdade, também não arranjávamos parceiros artísticos, nem para promoção, nem para gravação do álbum. Foram sete anos orgulhosamente sós, mas partilhados com os nossos amigos. Sete anos muito bem vividos, sete anos de uma enorme aprendizagem. Entretanto, fomos conquistando o público e um mercado que, ao início, mostrava uma enorme resistência ao tipo de sonoridade que oferecemos. Lançámos um EP e, com ele, algumas sementes. Como somos um país pequenino, onde as coisas se propagam, correu bem.
P.P. – “Tasca Beat – Um Sonho Português” conquistou, não só o público, mas também a crítica, que lhe dirigiu elogios estrondosos. Na vossa opinião, quais os ingredientes presentes no álbum que resultaram em tamanho sucesso?
O – Quando começámos o projeto, procurámos uma sonoridade baseada em acústicos ritmados. Tínhamos vontade de trabalhar as violas, as cordas, e esquecer a bateria. Procurámos um lado acústico, mais quente e dançável, com uma linguagem que chegasse às pessoas – uma linguagem de rua, menos literária, que pudesse ter sido escrita pela cantora que não é poeta, com frases-chave que qualquer pessoa pudesse dizer e ouvir ao virar da esquina. Quando as pessoas ouvem o álbum, percebem que isso é verdade, que ele é um produto genuíno, para ser vivido intensamente.
P.P. – Abordam o fado, mas também o hip-hop. Revisitam Billy Idol. Cantam em português, francês e espanhol. Quais são, afinal, as vossas influências?
O – As influências? Vamos buscá-las ao país, às pessoas, aos dias de hoje, às fusões e periferias entre várias culturas. As músicas foram construídas como pequenas histórias ligadas ao fado vadio, aos bailaricos, ao fado puro lisboeta. Quando falamos de fado dos subúrbios e de fado dançado, fazêmo-lo com um imenso respeito, não como estratégia de marketing. Ambos são uma realidade do nosso país e, ao escutá-los, acabamos por revisitar pequenas coisas que foram esquecidas e maltratadas pela classe artística, como foi o caso da revista à portuguesa, por exemplo, que foi uma das artes que conseguiu sobreviver ao próprio regime, dizendo mal do mesmo. Devemos pensar na música e nas redes que a envolvem como meio de partilha e como forma de meio organizacional, não como meio de publicitar o que não existe, o que não é real. Quem cresceu a ouvir rádio portuguesa, cresceu a ouvir música estrangeira. Por isso, o Billy Idol é tão português como o Alfredo Marceneiro. (risos)
P.P. – Também podemos encontrar Almada – local onde vivem – nas vossas canções?
O – Quando o Pablo decidiu viver em Portugal, optámos por ir viver para Almada e, desde então, fomos aprendendo a gostar da cidade, sobretudo pela história pós-industrial. Também ela nos alimentou um imaginário artístico, também ela nos inspirou, tal como as filarmónicas, pois elas foram e continuam a ser as grandes escolas de música do país. Portugal ainda conhece pouco de si, das suas raízes, da sua cultura. Atualmente, o país está à procura de uma identidade. Gostávamos que a base dessa identidade fosse apoiada e nunca esquecida.
P.P. – Atualmente estão a trabalhar em novas canções. O sucesso conquistado com o primeiro álbum foi determinante para embarcarem em nova aventura?
O – O disco saiu em 2009 e em 2010 fizemos uma grande digressão pela Europa, com cerca de 80 datas. Tudo aconteceu de forma muito rápida! Temos tido, portanto, pouco tempo para pensar num novo disco, embora estejamos a trabalhar em músicas novas. Creio que não vamos demorar tanto tempo a lançar um novo trabalho, até porque já estamos embalados. O sistema onde nos enquadramos já compreende o nosso som e vice-versa. Quando decides fazer disto o teu trabalho, é inevitável que esta relação acabe por funcionar bem. Já existe, aliás, uma série de grupos coincidentes.
P.P. – As novas canções já podem ser escutadas nos vossos concertos?
O – Sim, já se podem escutar algumas dessas novas canções nos concertos. Aliás, estas canções só são novas, na medida em que não estão incluídas no álbum de estreia.
P.P. – Recentemente estiveram na Alemanha e na Rússia. Como tem corrido a apresentação do vosso trabalho além-fronteiras?
O – Tem sido fantástico, mas muito cansativo. Por vezes não tens tempo para respirar nem para analisar o que fizeste. Tens que poupar muitas energias para manter o espetáculo, que exige muito de ti fisicamente. Nós não paramos em palco! Por isso, andar em digressão é complicado. Mas, por incrível que pareça, nunca nos aconteceu não ter gostado de um público ou de um espetáculo. Creio que, em Portugal, o público é mais duro, na medida em que, se as pessoas não vêem os cantores na televisão ou nos jornais, tornam-se mais desconfiadas, menos recetivas. Lá fora isso não acontece. As pessoas vão ver os concertos, mesmo que não conheçam o que estão a ver. É um público muito bem formado, no sentido em que tem acesso a muitas coisas. A cultura é-lhe oferecida, faz parte do seu dia-a-dia. Cá, isso não acontece.
P.P. – Lá fora entregam-se mais ao espetáculo…
O – Exato. Juntam-se pessoas de várias idades e todas elas se entregam ao espetáculo de forma muito óbvia.
P.P. – Algum episódio além-fronteiras que tenha sido marcante para a banda?
O – Existem muitas histórias… É sempre marcante quando vemos muitas pessoas a cantar as nossas canções, sobretudo se são alemães ou franceses. É fantástico assistirmos a este tipo de situações.
P.P. -Entretanto, embarcaram num projeto chamado “A Voz do Farol – Sentinela do Tejo”. Resumidamente, em que consiste esta iniciativa?
O – Trata-se da criação de uma rádio pirata, que será transmitida na estação de Cacilhas nos intervalos de partida dos barcos. É um projeto piloto, que começa no dia 7 de Outubro e terminada uma semana depois. O período de duração é curto, uma vez que se trata de um espaço público. Vão ser transmitidos mini-programas emitidos diretamente do farol, para as salas de espera da estação. Este projeto vem relembrar que o farol regressou a Almada através do esforço feito pela C.M.A e pretende aproximá-lo das pessoas através das vozes. É uma iniciativa que pode mudar a vida de uma pessoa ao longo de sete dias da semana. A sonoplastia é feita pelo Pablo e por mim [Miranda] e vai haver dois locutores. A inauguração estará ao cargo da mini filarmónica Cavalinho, que estará na estação do Cais do Sodré. Para ouvirem, basta estarem, entre as 18h00 e as 19h00, na estação de Cacilhas, e, entre as 18h30 e as 19h30, na estação do Cais do Sodré. Deixamos também a seguinte sugestão: caminhem até ao farol e dêem três voltas ao mesmo. Chegam à estação, ouvem a emissão e apanham o barco de regresso a casa.
Ana Cláudia Silva
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