No Palco Heineken, Tricky consagrou-se o homem do festival, num dos melhores concertos ocorridos, até agora, nesta edição.

A presença de Lisa Hannigan, antiga partenaire de Damien Rice, veio assumir-se como um bom presságio para um bom dia de compensação face ao desconsolo generalizado provocado pela previsível atuação dos Stone Roses. Ao primeiro dedilhar de guitarra, à primeira nota feita soar pela voz forte e acalorada da irlandesa, ainda sozinha em palco, confirmou-se como maravilhosa a sua estreia em palcos lusos, a deixar água na boca para regresso em espaço mais condizente.

O menu incidentemente folk sugerido pela artista, bem ao estilo do mentor Rice, foi sendo debitado, já com acompanhemos de banda, enquanto a cantora se foi desdobrando pelos mais variados instrumento (bandolim, harmónio, xilofone). Deste modo, o jogo de subtilezas instrumentais viu-se enriquecido, acabando por enaltecer tanto a voz como as palavras proferidas.

A julgar pela afluência e pelos comentários beneméritos ecoados aqui e ali, o público ficou de sobremaneira agradado com as propostas de "See Sew" e "Passenger", os dois álbuns da ainda curta discografia da cantora.

Como se já não bastasse a ingrata tarefa em terem de se debater com outros dois palcos, tanto em termos de alcance sonoro, quer no que concernirá a conquistas de popularidade, muitos dos projetos remetidos para a "tenda" Heineken não auferiram das melhores condições, sendo que o volume se encontrava demasiado excessivo e demasiado reverberante.

Foi neste cenário tecnicamente pouco amistoso em que decorreu a atuação dos Big Deal ainda que em doses menos flagrantes do que aquelas que ensombraram as Dum Dum Girls.
Kacey Underwood e Alice Costello, nesta sua primeira vinda a Portugal, deambularam pelos caminhos bem iluminados de "Lights Out" e provaram que, efetivamente, valem a pena. Com uma sonoridade concentrada na voz e na confluência entre guitarras, o intimismo prestrabelecido entre duas pessoas que partilham o mesmo palco viu-se acrescido. A destacar, Cool Like Kurt, cujo refrão sui generis facilmente se entranhou no público.

As bandas relegadas para segundo plano - que é como quem diz, para segundo palco - não tiveram, como já foi referido, as melhores condições sonoras a seu favor. Neste sentido, somos desde já obrigados a imaginar o quão melhor podia ter sido a prestação dos nova iorquinos Here We Go Magic.

Em contrapartida, viram-se beneficiados por uma lotação considerável, que bem souberam conquistar, por entre os grupos de conversa aleatórios, espalhados pela audiência, chegando mesmo a originar uma ou outra motivação mais efusiva por parte de fãs conquistados no momento. Os conhecedores, esses, estavam lá à frente, de braços elevados a cada canção que fossem reconhecendo. Um estímulo provocado, por exemplo, por I Believe In Action, a fazer sentir-se, de imediato, qual reflexo condicionado.

Diz a história bíblica que, quando o dilúvio estava prestes a rebentar, Noé pegou nele e num casal de cada espécie, enfiou-os numa imensa arca e esperou para ver, já precavido com a ideia de repovoamento. Ontem, aproveitando um rio à mão de semear e do dilúvio não haver nem sinal, Noé veio às costas de uma baleia para aproveitar um belo final de tarde.

Foi uma estreia simpática a dos Noah & The Whale em Portugal eles que, no último longa duração, haviam trocado a depressão por um vislumbre de felicidade com um ambiente disco, que desencantou alguns dos fãs que tinham visto em “First Days of Spring” o melhor remédio para a depressão. Entraram de forma tímida, com Charlie Fink a cantar um pouco a medo, mas lá acabaram por encontrar o caminho certo entre o desvario country e o ambiente disco.

A certa altura, Fink diz-nos que poucos festivais têm um céu assim, e os Noah brindam-nos com o tema “Blue Skies”, para se despedirem com muito estilo em “L.I.F.E.G.O.E.S.O.N.”. Pede-se agora a vinda da banda a um local mais intimista.

Os Antlers são um projeto derivativo das gravações lo-fi a solo de Peter Sillberman, vocalista, cujas composições se revestiram de grandeza ao serem encorpadas também por outros músicos. Um resultado apresentado no Palco Heineken sob a forma de dream pop melancólico, pontuado por elementos eletrónicos, encaminhado pelos falsetes do criador.
Deixaram-nos o seu melhor cartão de visita, I Don't Want Love, e mostraram-se capazes de cativar todos aqueles que preferiram dar asas à sua curiosidade, ao invés da marcação da de lugar para o muito concorrido concerto de Mumford and Sons.

Sobreposições vocais épicas envoltas em melodias folk indissociáveis da tradição irlandesa (ares conferidos pelo recurso a instrumentos mais tradicionais) num apalavrado de histórias direto às preferências das meninas e dos meninos, tão chorosos e reverentes quanto elas, serão a fórmula e o segredo do sucesso dos Mumford and Sons, que encontraram à sua espera uma multidão sedenta das suas canções. A euforia foi desde logo despoletada na imensidão de público que acorreu junto ao palco, e que se apressou a tentar chegar o mais à frente possível mal soaram os primeiros acordes do primeiro tema. Little Lion Man, seguidamente, deu-se num impulso reforçado pelo apuramento dos ânimos, traduzido pelos empurrões e atropelamentos, praticados em nome da boa visibilidade.

Não foi só nos olhos lacrimejantes das primeiras filas, nem nos coros estendidos recinto fora que a adulação à banda de Marcus Mumford se evidenciou: os fãs, criativos, muniram-se de cartazes dignos prémios de originalidade, direcionados especificamente ao vocalista, cujo coração se encontra muito bem ocupado, na esperança depor ele se fazerem notar - "Marcus take your t-shirt off!, "Marcus give me a kiss or the set-list!".

Com a mão magoada, Mumford não parou de agradecer ao guitarrista que o substituiu e garantiu a execução deste concerto. As esforçadas investidas em português levadas a cabo pelo vocalista e pelo teclista, muito carismático, contribuiram para o registo de simpatia que muito bem há de ter sabido ao público, cujo contentamento se expandiu pela via do acompanhamento incansável, mesmo nas canções novas. Perante isto, a ideia de um regresso foi muitas vezes lançada para o ar, repetidamente - "Até breve!". Terminada The Cave, foi precisamente com esta promessa que se despediram,

Aaron Bruno, nome não artístico dos Awolnation, é daquelas pessoas com que será difícil não simpatizar à primeira. Na entrevista que concedeu ao Palco Principal a poucas horas do concerto no Palco Heineken (a ser publicada em breve), Aaron falou de música, miúdas e surf, sempre com um ar muito cool e tranquilo. É por isso que a sua transformação é boa de se ver, encarnando uma faceta de animal de palco pouco notória nas primeiras impressões.

Os Awolnation ofereceram um cocktail sonoro que foi do apelo ao slow ao rock de abanar o capacete. Aaron ainda mostrou uma T-Shirt onde se lia “I Love Lisboa” e, na despedida, já que não teve tempo de experimentar as praias e as ondas portuguesas, decidiu-se por um crowdsurf de ondas humanas. Uma bela festa.

Os Morcheeba tiveram a missão de tapar o grande buraco provocado pela ausência de Florence e a sua maquinaria. Aliás, a própria vocalista Skye Edwards não se cansou de o dizer, e até cantarolou algumas linhas de “You`ve got the love”.

A banda já não é novidade em Portugal, e o concerto foi digno apesar de pouco entusiasmante. O trip hop em modo slow motion que os Morcheeba praticam é um pouco como “fogo que arde sem se ver”, sem grandes razões para extravasar o entusiasmo. Cumpriram a missão e nada mais do que isso.

Quando a presença de Tricky foi confirmada para esta sexta edição do Optimus Alive, estava prevista a revisitação integral de "Maxinquaye", na companhia de Martina Topley-Bird. No entanto, não foi surpresa para ninguém que tal acabou por não acontecer, como já havia sido comunicado.

Em boa verdade, custa-nos acreditar que alguém que tenha presenciado a soberba atuação de ontem à noite tenha sentido minimamente a falta de Martina.Tricky liderou uma performance efervescente, contagiante, introduzida por Feeling Good, numa gravação de Nina Simone, cantada por todos os que se aglomeraram, inclusivamente, nas imediações do Palco Heineken.

Ace of Spades, tema roubado aos Mötörhead, deu o mote a que o público subisse ao palco, num festim descontrolado que demorou a findar. Um convite repetido no final, com Psychosis, com o músico perdido por entre a multidão, que o elevou em braços, por várias vezes.
Indubitavelmente, um dos melhores momentos vividos, esta edição, no passeio marítimo de Algés.

Os The Cure haviam prometido um concerto de 3 horas e cumpriram na íntegra, oferecendo ainda uns minutos extra de compensação. A banda, que desde 1976 foi alimentando o universo musical com as suas linhas de baixo melódicas e poderosas, uma voz estrangulada e uma obsessão com um existencialismo e o desespero, ofereceu um magnífico concerto onde percorreram a carreira de uma ponta à outra, desde o pós-punk à pop perfumada piscando também o olho à new wave.

Foi como se uma cápsula de tempo se tivesse aberto, podendo este concerto ter acontecido há vinte anos atrás, o que apenas teria sido descoberto pelo ar vivido dos membros da banda que, diga-se, continuam executantes de primeira água.

Em “Pictures of You”, uma alma torturada canta “I`ve been living so long with my pictures of you | That I almost believe that the pictures are all i can feel”. No caso dos The Cure, não é preciso ainda recordá-los através de fotografias, recortes de jornal ou imagens gravadas em Beta, VHS ou DVD. A banda está imensamente viva, numa forma fantástica, e quem sabe se ainda nos irão surpreender com um novo disco de estúdio capaz de arrancar aplausos. Ontem, mereceram uma standing ovation e mostraram o porquê de se terem tornado numa das maiores e mais imaginativas instituições musicais de toda a história. Épico.

Quem preferiu trocar o apelo pop-depressivo dos The Cure por um ar de festa teve muito por onde escolher. Se no Palco Optimus Clubbing James Murphy (lembram-se dos LCD Soundsystem?) deliciavam a turba com um disco sound irresistível, já Sebastian levava-nos través de um DJ set mais violento, ele que é uma habitué das remisturas de nomes como Daft Punk, Beastie Boys ou Bloc Party.

Para os resistentes, vulgo sobreviventes, que mantiveram forças após três horas de The Cure, os portugueses Blasted Mechanism subiram ao palco Heineken por volta das três da manhã. Uma boa alternativa às filas para os transportes, que acabaram por retardar o regresso a casa dos festivaleiros.

Texto: Ariana Ferreira e Pedro Miguel Silva
Fotografias: Filipa Oliveira

O Palco Principal agradece à Ala Viagens por ter assegurado a deslocação da sua equipa de repórteres para o Rock in Rio.