Palco Principal - Todas as canções têm nomes muito longos, é quase como se fossem pequenos resumos...
David Santos - Eu queria contrariar aquela ideia que dita que os músicos não valorizam muito o título das canções. Quando lemos o título de um disco, quase que adivinhamos qual o seu ambiente. Numa canção, isso é mais difícil. Por isso, pensei que seria engraçado que os títulos resumissem um bocado a ideia de cada canção. Quase que se pode adivinhar a história de cada canção pelo título.
PP - Há apenas uma canção, a “I’m not afraid of what I can’t do”, cujo título vem especificamente da letra...
DS - Nesse caso, não consegui encontrar um título que a refletisse mais bem do que essa frase.
PP - Tu tocas sempre sozinho: acordeão, piano, guitarra, melódica... Como é que te safas em palco?
DS - Todos os instrumentos de teclas acabam por ser basicamente o mesmo. Logo, há uma série de instrumentos que são do mesmo universo. Só não toco bateria e instrumentos, como o violino.Nos concertos, estou sozinho, mas faço uma montagem. As músicas têm, quase todas, uma estética ‘tipo’ loop: têm um trecho de cerca de 20 segundos que se repete ao longo de toda a música, por isso, pego na guitarra, por exemplo, toco cerca de dez segundos que se vão repetindo. Depois ponho um outro teclado, depois um outro, como se fosse construindo a música, e, no fim, a música atinge quase o que existe no disco. Podem estar a tocar 20 instrumentos ao mesmo tempo.
PP - Em disco, é um processo semelhante?
DS - Sim, mas há músicas que podem ter, em disco, até 60 instrumentos, e ao vivo fico limitado aos 14. Tenho as principais linhas melódicas da música, mas o disco é mais completo, embora eu tente que ao vivo seja o mais coerente possível com o trabalho gravado.
PP - E ainda escreves e compões tudo...
DS - Sim, por isso, demora muito tempo a fazer.
PP - Gravaste o primeiro trabalho, ‘One hundred miles from thoughtlessness’, em 2008, e só agora, passados cinco anos, fizeste o segundo longa duração, depois do EP “A day in the day of the days”, em 2010...
DS - “A day...” acabou por incluir quase todas as músicas que fiz nesses dois anos. Mas, acima de tudo, foram cinco anos de muitos concertos, de outras experiências, como teatro e cinema. Tive a oportunidade de fazer coisas que me impediram de focar mais naquilo que queria fazer neste segundo disco. Queria ter tempo para o fazer e tinha uma exigência maior agora, porque sentia que tinha mais capacidades, e este facto fazia também com que fosse mais complicado.
PP - Um dos teus projetos foi a participação na banda sonora do documentário ‘José e Pilar’, no qual cantas em português, estando tu habituado a compor e a cantar em inglês. Foi difícil?
DS - Não acho que seja mais fácil ou difícil, é uma questão de hábito. Componho em inglês, é mais automático, e quando o Miguel [Gonçalves, o realizador] me convidou, não sabia se seria difícil ou não, porque nunca tinha composto em português. Nem sequer sabia como a voz iria ficar. Mas agora, depois de ter feito e de ter sentido que as pessoas gostaram, acredito que posso fazer um trabalho todo em português.
PP - As tuas influências são todas inglesas?
DS - Aos 14, 15 anos, só ouvia Nirvana, Pearl Jam... Não ouvia nada em português, por isso, quando peguei na guitarra, foi quase automático que começasse a querer cantar e a compor em inglês.
PP - Voltando ao “A.V.O”, contaste com a colaboração de Luísa Sobral, Rita Redshoes, Luís Nunes [Walter Benjamim]), Francisca Cortesão [Minta], Afonso Cabral e Salvador Menezes [YCWCB] e Espori. Porquê todos na música “I was trying to sleep when everyone woke up”?
DS - Essa canção é sobre a amizade e a importância dos outros na nossa vida. Acima de tudo, eu queria fazer este todo este disco sozinho, tentar explorar-me ao máximo e fazer a coisa mais completa que eu conseguisse, por isso não coloquei outros músicos. Mas, ao chegar a essa música, em que a temática é sobre a importância dos outros e o lugar deles na minha vida, parecia-me uma antítese. Por isso, pensei incluir estas pessoas e, quando pensei em quem convidar, foi mais fácil, porque são amigos ou pessoas com quem já tinha trabalhado.
PP - Neste álbum falas muito em tentar de novo, na ideia de “i’ll try again”. Nota-se no primeiro tema, no segundo, no terceiro, no quarto e no sexto...
DS - Isso vem da ideia que eu tinha para este disco. Eu tinha algum medo, entre o primeiro e este segundo disco, de fazer uma coisa de que não gostasse, e acho que, inconscientemente, assumi o facto de que, se não resultasse, faria de novo, tentaria outra vez. Acho que essas músicas estão todas inseridas numa ideia de busca por um sonho que não tem obrigatoriamente de correr bem e, ao correr mal, existe sempre a possibilidade de recomeçar, de fazer de novo.
PP - Parece alguém que quebrou e que, em algum momento, precisa de se reconstruir... E há também a capa, o facto de precisar de ser montada como um puzzle...
DS - Sim, existe essa ideia da reconstrução.
PP - Tu tens essa ideia muito positiva, do recomeçar, mas, por outro lado, tens também algumas frases relacionadas com a morte...
DS - Estas músicas refletem quase tudo o que aconteceu na minha vida durante estes últimos anos. Têm uma parte muito forte, que foi a morte da minha avó, há dois anos, sendo que a música “Don’t say hi if you don’t have time for a nice goodbye” tem aquela ideia de que, a partir de determinado momento, não podes voltar a falar com aquela pessoa. Mas não é por isso que não deves aceitar que tens de dar o passo em frente, porque a vida é mesmo assim. A ideia do puzzle vem também desse conceito, de ser reconstruído. É engraçado reparares nisso, porque ninguém tinha reparado e se tinha debruçado tão a fundo nas músicas para reparar que todas elas se uniam num conceito. Além disso, há também a ideia da importância das pessoas na minha vida. Gosto muito daquela frase “alone, I can’t say goodbye”. A ideia de que, se estás sozinho, não tens ninguém a quem dizer adeus.
PP - Tu compões e escreves as letras sozinho. Nunca aceitaste sugestões?
DS - O primeiro trabalho tinha algumas coisas trabalhadas polo Luís Nunes [Walter Benjamim], porque, na altura, eu não sabia tocar piano. Mas nas letras sempre fez mais sentido ser eu a escrever, porque é a minha vida. Como já tinha dito, este trabalho é a minha vida nos últimos anos e, por isso, nunca poderia ter sido escrito por outra pessoa.
PP - Acaba por ser um trabalho autobiográfico?
DS - Acho que sim. Eu espero que, se daqui a três anos fizer outro disco, daqui a dez eu possa olhar para os três trabalhos e lembrar-me da minha vida aos 22, aos 30... O primeiro disco era muito mais negro, porque eu era muito mais pesado.
PP - Mas os dois são discos muitos serenos, muito calmos... Não estou a falar das letras, mas da parte instrumental. São discos que a pessoa ouve muito facilmente num dia como o de hoje [chovia]...
DS - Quando disse pesado, queria dizer melancólico, mas não triste ou deprimido. Mas amigos meus disseram-me que este CD também é um disco triste, mas eu acho que não.
PP - Disseste numa entrevista que, se tivesses nascido música, gostavas de ter sido feita pelos Sigur Rós.
DS - As músicas deles têm uma coisa que eu gosto muito, porque vão crescendo, mas nunca caem. Acabam sempre lá em cima. Acho que a vida deveria ser assim. Não é que as emoções tenham de estar obrigatoriamente à flor da pele, mas é-me complicado aceitar a parte da velhice, em que deixas de conseguir fazer tudo, em que te sentes limitado, não fisicamente, mas psicologicamente, e começas a perder faculdades. Acho que, se a vida fosse realmente justa, seria como a música dos Sigur Rós: crescia a ficava lá em cima, e podia acabar. Isto numa cena muito utópica. Se a pessoa vive até aos 80, por que há de resignar-se a não ter mais nada para fazer? O tempo passa muito rápido e ainda tenho muitas coisas para fazer.
PP - E, a haver uma banda sonora, seria com os Radiohead, Yann Tiersen, Eddie Vadder, Explosions In The Sky, Jeff Buckley... Acrescentarias mais músicos?
DS - Esses são sempre aqueles músicos a quem eu volto porque, de alguma forma, me marcaram mais do que outras coisas. Já vi todos ao vivo, mas só o Yann Tiersen é que foi uma pequena desilusão. Ao vivo, consegue-se perceber que ele não é apenas o ambiente que criou para os dois filmes: o “Amelie” e o “Goodbye, Lenin”.
PP - Ouves temas destes músicos e pensas: gostava de ter composto isto?
DS - Os Sigur Rós fazem uma coisa que eu gostava muito de fazer, principalmente ao vivo, por causa da intensidade. Gostava muito de poder tocar uma daquelas músicas ao vivo. Com os Explosions In The Sky, gostava de estar presente para saber como é que eles chegam àqueles pontos. Aquilo passa por muitos processos antes de chegar ao que nós ouvimos. Eles devem ter ensaios de 20 horas seguidas, coisas que nem sequer ouvimos. Eles próprios devem emocionar-se com aquilo, porque é muito intenso. Gostava de ser uma mosca e poder ver tudo isso.
Texto: Helena Ales Pereira
Fotografias: Vera Marmelo
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