Em entrevista à Lusa, em Lisboa, onde esteve a passar uns dias, Nástio Mosquito aceitou refletir sobre Angola, um ano após as eleições que confirmaram o poder de José Eduardo dos Santos, que hoje completa 71 anos e é presidente há mais de 30.

Movimento é a palavra que Nástio Mosquito escolhe para definir hoje Angola, onde as pessoas “têm oportunidades que não tinham há algum tempo”, mas existem também “exageros naturais de alturas de grande bonança e de entusiasmo para com o futuro”.

São tempos de “muita celebração”, mas também de “muita reclamação”. Típicos de um início de jogo, com “as bolas ainda no ar”, os “exageros” têm gerado protestos, que deixam claro “o que está mal”. Mas é preciso ir mais longe. “Há muita insatisfação, (...) mas sente-se uma determinada crise em relação ao que vamos defender, como vamos sair daqui, quais são os planos, as sugestões”, considera.

É por isso que, por mais solidário que esteja com as reivindicações, Mosquito não se identifica totalmente com os manifestantes que têm contestado o regime angolano nas ruas. “As pessoas precisam de tempo para se nutrirem de armas que possam fazer qualquer revolução possível, estável e consequente”, contrapõe.

O fantasma da guerra, ao virar da esquina da história, ainda assusta, mas o desejo de estabilidade não afasta a discussão interna. “Há imenso debate, mas há imenso lixo também. Para haver um bom debate, as coisas em cima da mesa têm de ser claras”, sustenta. “Muitas vezes discute-se por discutir (...). O mundo está cheio de coisas interessantes, precisamos de olhar para as coisas relevantes”, propõe.

No álbum “Se eu fosse angolano”, de novo uma parceria com o designer gráfico espanhol Vic Pereiró, reflete sobre uma Angola contemporânea e plural, provocando-a, instigando-a a pensar-se e a encontrar as respostas em si própria. Uma “altura de transformação” como a que se vive atualmente oferece, a qualquer um, para mais um artista, um tubo de ensaio, “uma oportunidade quase ímpar de perceber como é que esse mundo moderno foi feito”, justifica.

Esta “é uma altura excitante para se estar em Angola”, sobretudo em Luanda, onde vive e trabalha. A capital exige “grande criatividade” aos que nela habitam, mas os angolanos sempre tiveram "de ter uma criatividade imensa para viver”. O resto do país "não é paisagem", ainda que Luanda se destaque e se distinga. “Mas há coisas a acontecerem noutros locais”, por exemplo, no Huambo, onde nasceu, em 1981, e que mantém a sua gente “empreendedora”.

Adivinhar o futuro é prematuro. Após “30 anos de porrada”, as disparidades sociais "são enormes” e “dão nojo”, mas não são um exclusivo do país. O lema devia ser angolanos primeiro, Angola depois, e estender-se a todo o continente africano. “Se África está assim tão aborrecida por a verem de uma forma rústica, (...) tem de se virar para si própria e fazer gerar contemporaneidade dentro das suas fronteiras”, sustenta.

O "pensamento” em África “tem de ser consequente” e afirmar-se "na sala de reuniões nas Nações Unidas", porque não há vítimas nas relações mundiais. “Não é um problema de prostituição. Este problema de África, Europa, América, Ásia é um caso de pornografia geral, há consentimento das várias partes, vantagens para uns e para outros”, analisa.

É verdade que “irrita se estão à espera que sejas uma coisa e tenhas outra para oferecer”, admite, para logo questionar: “Achas que vens comer macarrão com arroz e eu sirvo-te algo mais delicioso, não é bom?”. Afinal, a visão distorcida sobre África pode ser "um privilégio”, porque lhe dá “a capacidade de surpreender as pessoas”, que é “uma ótima posição para se estar”.

@Lusa