Fomos encontrá-la na sala de um hotel da Avenida da Liberdade, em Lisboa, onde nos recebeu com um sorriso tímido, o mesmo que distribuiu, a espaços, nos dois concertos (esgotadíssimos há muito) apresentados na Aula Magna esta quarta e quinta-feira. Mas se em palco Polly Jean Harvey preferiu comunicar sobretudo através da música - tirando alguns breves agradecimentos -, nesta conversa começou por nos revelar a origem das novas canções que falam por si.
"Acho que para entender o que está a acontecer precisas de saber muito sobre o passado", explicou ao abordar o conceito de "Let England Shake", o seu oitavo álbum, que se debruça sobre a guerra ao longo de várias épocas e geografias. Os conflitos contemporâneos no Iraque ou no Afeganistão foram o ponto de partida, embora o resultado final tenha ecos da Inglaterra vitoriana ou de tempos mais remotos. Afinal, embora as motivações, desenvolvimentos e contextos dos conflitos tenham mudado, as emoções de quem está no campo de batalha ou nas imediações são intemporais. E são sobretudo essas que PJ Harvey aborda ao longo do alinhamento.
A cantora e compositora "não quis usar a linguagem dos políticos (...) que pudesse dizer às pessoas o que pensar ou sentir", o que ajuda a explicar um disco que prefere manter-se em zonas de sombra em vez de optar por maniqueísmos - mesmo que a morte e o sentimento de desolação forrem todas as canções.
O facto de estes temas estarem aparentemente distantes de tudo o que PJ Harvey compôs até aqui - numa discografia muitas vezes centrada em relacionamentos amorosos -, poderia ter tornado difícil a tarefa de os conjugar, em palco, com canções mais antigas, mas essa convivência acabou por ser natural.
"Foi muito importante encontrar canções que funcionassem com a narrativa destes novos temas. As outras canções que voltei a trazer para o palco tinham de encaixar-se nestas e, de alguma forma, habitar o mesmo mundo. E as que escolhi têm uma narrativa similar, há algo nelas que pode funcionar ao lado das de «Let England Shake»", esclarece.
Além das canções revisitadas (onde se contam "The River", "Silence", "Angelene" ou "Big Exit"), a cenografia dos espectáculos também foi pensada para se moldar à aura do novo disco. "Comecei como artista visual, por isso é muito natural para mim pensar na forma como o palco vai estar e como é que eu e a banda nos vamos apresentar. Sempre pensei muito nisso porque tudo tem de reforçar o trabalho que estou a mostrar. Para este álbum quis um ambiente atmosférico, que sugerisse a passagem do tempo e das fases do dia, e a iluminação foi um elemento essencial".
Quem esteve nos concertos lisboetas testemunhou esta nova Polly Jean "atmosférica", a milhas da imagem mais agreste, visceral e/ou sedutora pela qual se fez notar desde inícios da década de 90. Aos 41 anos, PJ Harvey ainda parece ter muitas "personas" para revelar. E até agora, a sua (re)descoberta não tem sido menos do que intrigante.
Acompanhe, nos próximos dias, a continuação da entrevista a PJ Harvey, que esteve esta semana em Lisboa para apresentar "Let England Shake".
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