Palco Principal: “Turbo Lento” é um disco que mostra as duas almas dos Linda Martini. Por um lado, temos músicas enérgicas, de raiz punk; por outro, melodias mais planantes. Foi vosso objetivo fazer um disco que, de alguma forma, servisse de “rutura” relativamente à filosofia de “Casa Ocupada”? Estamos perante um trabalho menos “óbvio”?
Hélio Morais: Este disco difere do “Olhos de Mongol” e do “Casa Ocupada”, pois, se no primeiro caso, tínhamos músicas mais encorpadas e tranquilas, com o antecessor de “Turbo Lento” encurtámos o tempo das canções e demos-lhe uma alma mais pop. “Turbo Lento” mostra esses dois lados, mas não acho que tal seja um sinónimo de rutura.
Pedro Geraldes: Cada um tem as suas expetativas. Não continuamos na onda do “Casa Ocupada”, mas concordo com o Hélio quando ele diz que “Turbo Lento” não é um corte propositado com o passado recente.
PP: Alguma vez pensaramem fazer um disco que reunisse características de “Olhos de Mongol” e “Casa Ocupada”?
Cláudia Guerreiro: Se nós pensássemos nesses termos, talvez todo este processo tivesse sido mais fácil, porque tínhamos objetivos. A única coisa que queríamos era fazer um disco com dez músicas de que nós gostássemos. Se calhar falta-nos ser mais organizados, mas as coisas acabam sempre por encontrar o rumo certo, o que torna a nossa tarefa ainda mais bonita.
Pedro Geraldes: À medida que vais fazendo uma, duas ou três músicas também vais pensando que já tens uma base de trabalho e vais construindo o álbum a partir das composições que vão surgindo. Se, por exemplo, estamos a trabalhar numa música mais contemplativa, somos levados a fazer outra mais direta…
Cláudia Guerreiro: Por vezes, tentamos fazer algo que seja o oposto do que acabámos de fazer, para variar, para fazermos coisas diferentes, para nos divertirmos.
PP: Quais foram as primeiras músicas que começaram a trabalhar no processo de conceção de “Turbo Lento”?
Cláudia Guerreiro: “Panteão” e “Sapatos Bravos”. Ainda assim, no caso de “Sapatos Bravos” só terminámos a letra há pouco tempo, mas o teor musical foi definido muito cedo.
Pedro Geraldes: Sim, em termos de estrutura, “Sapatos Bravos” foi definitivamente a primeira música deste disco a estar pronta. A “Juárez” também foi das primeiras faixas que trabalhámos, mas ficamos sensivelmente a meio numa primeira abordagem, pois não estávamos a conseguir encaixar o riff correto. Por vezes acontece trabalharmos numa determinada melodia e só passado algum tempo voltarmos à mesma, e, como alterámos um ou outro pormenor, temos uma música nova.
PP: Estamos perante o vosso primeiro disco editado por uma major, neste caso a Universal. Foi algo que tinham pensado, surgiu por “acaso”…
Hélio Morais: Foi algo que aconteceu. Já tínhamos quase o disco todo preparado e estávamos em contactos com outra editora, mas a Universal surgiu e, antes do disco estar totalmente pronto, acabámos por chegar a acordo. Isto numa fase em que os seus responsáveis nem tinham ouvido o álbum…
PP: Notam algumas diferenças no que respeita a própria produção do disco e no que toca à promoção do mesmo?
Pedro Geraldes: O disco em si foi produzido por nós, não houve qualquer interferência, mas em termos de promoção é claro que notamos diferenças. Há uma maior organização.
Cláudia Guerreiro: A Universal tem uma equipa bastante organizada que faz tudo com tempo e com a antecedência certa. Por exemplo, não vai haver atrasos na colocação do disco nas lojas pois está toda a gente focada nesse sentido. Por mais que queiras fazer esse tipo de coisas com uma estrutura muito pequena, com uma ou duas pessoas a trabalhar, as coisas vão acabar por não resultar tão bem ou chegam mesmo a não acontecer. Dou-te até o exemplo do agendamento de entrevistas. É mais fácil agora, está tudo organizadinho. Dantes chegávamos a ter uma entrevista às duas da tarde e depois a próxima era às oito da noite. Perdíamos tempo para fazer outras coisas, entendes? Não conseguíamos rentabilizar o tempo.
PP: Este passo é também sinónimo do vosso crescimento enquanto banda. Tal como cantam em “Tremor Essencial”: “Não queiras ser como toda a gente, não queiras crescer de repente"...
Pedro Geraldes: (risos) Sim, nós temos seguido esse caminho, temos crescido devagar, passo a passo. Editámos o primeiro EP às nossas custas, em casa, e agora estamos numa major…
Cláudia Guerreiro: Esse é o processo normal de toda a gente.
Hélio Morais: Tirando o início, por volta de 2005/2006, quando conseguimos ganhar algum espaço muito rapidamente, tudo tem sido muito calmo e gradual e isso dá-nos tranquilidade. Tentamos nunca estar super excitados com o que está a acontecer. Ficamos contentes se as coisas correm bem, óbvio, mas aceitamos as coisas no tempo delas.
PP: A ideia de colocarem três teasers no Youtube foi vossa ou da editora?
Cláudia Guerreiro: Um Teaser é uma das coisas que pensas quando queres divulgar algo e não queres que o interesse esmoreça. Nós temos outras bandas, outros projetos, e contámos com um amigo (Ricardo Tabosa) para fazer esses teasers. Nós gostamos daquilo que ele faz e pensamos logo nisso. Agora, a coisa foi desenvolvida em conjunto com a Universal e tem servido para despertar curiosidade, aproximar a banda do público e vice-versa.
PP: Acreditam que uma boa promoção está diretamente ligada ao sucesso de um disco?
Hélio Morais: Temos sempre de utilizar a promoção. Mas podes promover muito bem uma coisa e ter muito impacto num determinado período e depois não sobrevivermos e permanecermos…
Cláudia Guerreiro: Acho que, se pensarmos ao contrário, as coisas ficam mais claras. Um bom disco sem promoção consegue alguma visibilidade? Existem muitos bons discos que ninguém ouve falar deles porque não existe trabalho de promoção.
PP: Escolheram “Ratos” como o primeiro single do álbum. Esta é uma das vossas faixas mais políticas de sempre…
Hélio Morais: Convém vincar que a responsabilidade da escolha foi inteiramente nossa. A editora deu-nos liberdade completa para o fazermos e o facto de ser uma major nada alterou o nosso poder de decisão. É bom desmistificar estas coisas. As pessoas estão ali para te ajudar, para te apoiar.
Cláudia Guerreiro: Eu não concordo com o fato de “Ratos” ter conotações políticas e, de facto, o André (Henriques) não a escreveu com esse sentido, mas entendo que seja essa uma das leituras possíveis.
Pedro Geraldes: Eu até concordo que “Ratos” tenha essa conotação mas, na verdade, é uma visão mais interior, mais pessoal, mas acabou por ter um impacto mais politizado, mais social.
PP: Fazendo uma brincadeira com a letra do vosso primeiro single, acham que temos tido, enquanto portugueses, a habilidade de transformar a “merda em ouro” ou vamos acabar por ser devorados pelos ratos?
Hélio Morais: Nós (portugueses) temos a capacidade de conseguir fazer “milagres”. É uma das nossas características enquanto povo. Repara, a nível administrativo temos transformado “ouro em merda”, mas a nível criativo e individual temos a capacidade de conseguir criar muito com o pouco que temos e transformamos “merda em ouro”…
Cláudia Guerreiro: Sinto, por exemplo, uma grande diferença entre Portugal e Espanha, que é a experiência que tenho. Fiz Erasmus em Barcelona e, comparativamente, não senti uma grande diferença em termos de resultados, apesar de estarmos a falar de realidades distintas. Em Belas Artes os espanhóis tinham muitos meios, mas em termos de resultados finais não são superiores a nós. Nós temos a capacidade de fazer coisas extraordinárias com poucos meios, por isso, sim, temos a capacidade de transformar “merda em ouro”. No que toca aos ratos nos irem devorar, não é o que já acontece?
PP: Em “Turbo Lento” voltam a utilizar um sample (“Partir para Ficar", de “Olhos de Mongol”, tinha a voz de José Mário Branco), com “Febril” a trazer consigo um pouco de “Tanto Mar”, de Chico Buarque. Como surgiu essa ideia?
Pedro Geraldes: O André baseou-se na letra do “Tanto Mar” para o “Febril” e sentiu o crescimento dos versos da canção. Se, quando foi editada, a canção de Buarque tinha um objetivo mais socialmente interventivo, com o passar dos anos a letra passou a ter um contexto mais pessoal, interior. No fundo, se quiseres, funciona de forma inversa ao que se passa com “Ratos”.
PP: No fundo, estas músicas tocam, de certa forma, no lado mais social. Acreditam que a música pode simbolizar a liberdade (de pensamento)? Poderá o rock ajudar a “salvar o mundo”?
Cláudia Guerreiro: Não, de todo. Ainda assim, concordo que, se todos pudessem fazer o que gostam e viver disso, aí sim, o mundo seria mais feliz.
Pedro Geraldes: A música pode ajudar as pessoas, pois tem um forte impacto sobre elas, mas duvido que seja suficiente para salvar o quer que seja.
Hélio Morais: O que pode salvar o mundo são as pessoas, embora a música possa servir de inspiração. O “We Are The World”, por exemplo, salvou muita gente em África…
PP: Então vocês, enquanto músicos, fazem aquilo que gostam e são pessoas felizes…
Cláudia Guerreiro: Completamente, caso contrário não o faríamos (risos).
Hélio Morais: Ainda há poucos dias falávamos disso. Estávamos cansados, pois tínhamos passado o dia inteiro em entrevistas, mas depois pensámos: “Mas é isto mesmo que queremos fazer, não é estar a trabalhar num banco” (risos). Ficamos cansados, mas felizes, entendes? Se, por exemplo, ficas cansado devido a um trabalho que não gostas, esse sentimento pode transformar-se em depressão.
Pedro Geraldes: É fantástico chegares ao final de um disco e ficares com a sensação que fizeste algo bom. Trabalhar num conceito que gostas e acreditas. Não interessa se passas muito tempo a ensaiar ou em estúdio, é um investimento pessoal e altamente gratificante, ainda que dê bastante trabalho.
PP: E estão satisfeitos com “Turbo Lento”?
Cláudia Guerreiro: Sim, sem dúvida!
Pedro Geraldes: Existe sempre um pormenor ou outro que faria diferente, mas estamos bastante orgulhosos deste disco.
Texto: Carlos Eugénio Augusto
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