Depois de projectos como os Acidoxi Bordel, o músico centra-se agora nos Pop Dell’ Arte e no projecto de spoken word, Salax Taberna. Uma vez editado o novo álbum da banda, João Peste começa já a pensar num próximo trabalho discográfico.
Em conversa com o Palco Principal, o artista falou de música, de arte, dos seus projectos e da banda a que se dedica a quase tempo inteiro, os Pop Dell’ Arte.
Palco Principal – Actuou, no passado dia 25, num espectáculo de spoken word, no Festival do Silêncio.
João Peste – Sim. Actuei com o Paulo Monteiro num projecto chamado Salax Taberna.
PP – Como surgiu esse projecto, Salax Taberna?
JP – O projecto Salax Taberna é um projecto entre mim e o Paulo, na área da spoken Word. O nome foi tirado de um poema do poeta latino Catulo, que faz menção, num determinado poema, a uma Salax Taverna, que era um local na Roma Antiga, onde se reuniam os artistas e pessoas de todo o mundo. Achámos piada fazer referência a Catulo num projecto de spoken word, por um lado, porque é um dos nossos poetas preferidos. Por outro lado, Catulo faz várias referências ao submundo que existia na antiguidade, que corresponderia a um Frágil, em Lisboa, nos anos 80, ou a locais da movida em Madrid e Barcelona, na mesma época. O curioso é que esse género de locais já existia em Roma, no século I A.C.
PP – Até criar os Salax Taberna já tinha feito algum espectáculo de spoken word?
JP – Sim, já tinha feito. No passado tive um projecto com o Nuno Rebelo, ao qual chamámos “Alice na Ilha dos Sonhos”, que surgiu de um convite que foi feito pela Feira do Livro ao Nuno. Então, começámos a ensaiar e construímos esse espectáculo baseado na personagem de banda desenhada, a Alice. Fizemos textos e uma narrativa para este espectáculo.
No primeiro capítulo começava a contar uma história e, antes de pensar para o capítulo seguinte, cantava uma música, como uma espécie de separador. Ao todo eram sete capítulos, logo também cantávamos sete canções.
PP – Falando dos Pop Dell’ Arte: lançaram o primeiro álbum em oito anos, “Contra Mundum”...
JP – Os Pop Dell’Arte lançaram agora o primeiro álbum de originais em oito anos. O último trabalho de originais tinha sido o EP “So Goodnight”, em 2002, apesar de termos lançado, em 2006, a colectânea “POPlastik”, que tinha três temas inéditos.
PP – O que mudou desde o primeiro disco, “Querelle”?
JP – Para já, a banda tem passado por diferentes formações. Esta formação actual é diferente daquela que gravou o “So Goonight”, que, por sua vez, é diferente da que gravou o “Sex Symbol” (1995). Conforme vamos mudando de formação, também vamos mudando a maneira de fazer as coisas. Mas creio que o espírito e a identidade Pop Dell’Arte continuam presentes desde o início. Contudo, é óbvio que as músicas mudam conforme as pessoas mudam e os contextos mudam. As próprias tecnologias que temos hoje ao nosso dispor, são diferentes daquelas que tínhamos quando começamos a tocar, em 1987.
PP – Em algumas das separações dos Pop Dell’ Arte, chegou a pensar que a banda nunca mais voltaria a juntar-se?
JP – Só acabámos uma vez e ,nesse caso -dou a minha mão à palmatória -porque houve um bocado de encenação nesse fim. Foram uma espécie de férias. Além de que eu disse que acabava, mas nunca disse que não voltaríamos a tocar juntos. Na altura em que os Pop Dell’Arte acabaram e eu fundei os Acidoxi Bordel, em 1989, deixei sempre em aberto a possibilidade dos Pop Dell’Arte regressarem.
PP – Li num blogue que o nome que estava previsto para o novo álbum era “After the Future”. Por que decidiram mudar para “Contra Mundum”?
JP – “After the Future” era um nome para um álbum que tinha sido pensado no final dos anos 90 e que não se chegou a concretizar. Em vez desse, gravamos o EP “So Goodnight”. Entretanto, gravámos este disco e pusemos-lhe o nome “Contra Mundum”.
PP – Qual o significado do nome “Contra Mundum”?
JP – Antes de mais, soa-nos bem. Analisando-o do ponto de vista formal, é latim, portanto, serve para desenjoar um bocado do inglês. Não quer dizer que eu não utilize o inglês, pois é a segunda língua que uso mais, principalmente quando navego na Internet. Por outro lado, a expressão “Contra Mundum” está relacionada com irreverência, não-aceitação daquilo que nos é imposto, e de luta contra aquilo que não queremos.
PP – Agora que os Pop Dell’ Arte estão juntos de novo, pretendem voltar aos concertos?
JP – Sim e já temos alguns agendados. Temos um marcado para Torres Novas, no dia 4 de Julho, e outro em Lisboa, na Music Box, no dia 15 de Julho. Temos também para o Norte, na zona de Aveiro e do Porto, mas não me recordo das datas. Sei apenas que estão marcados a partir do mês de Setembro.
PP – Quais são as músicas que mais se destacam em “Contra Mundum”, para além do single Ritual Transdisco?
JP – Gosto dos temas todos. Aliás, quando me pediram para escolher um tema para servir de promoção ao álbum, o single, eu disse que ia ser difícil. Então, fizemos um compromisso em que cada um de nós votava em três temas e a canção mais votada era escolhida para single. Foi assim que decidimos que o Ritual Transdisco seria o single. É muito difícil estarmos a escolher um tema entre estes doze, no entanto, alguns dos meus preferidos são Har Megido’s Lullaby, La Nostra Feroce Volontà D’ Amore e My Rat Ta-Ta.
PP – As músicas deste álbum foram baseadas em poemas seus?
JP – Sim, os poemas são todos meus, tirando o Eastern Streets, que é um tema do início dos Pop Dell’Arte, da autoria da Ondina. As outras letras são todas da minha autoria. My Ra Ta Ta foi feita com o Carlos Conseição, que é uma pessoa do meio cinematográfico, que realizou o nosso videoclip da Lady Godiva’s Operation.
PP – Em que é que se inspirou para escrever esses poemas?
JP – Tudo serve para me inspirar para compor as letras das músicas. Não há nada de especial. Tudo pode ser usado como matéria-prima para fazer letras.
PP – Marcel Duchamp é uma das suas grandes influências artísticas?
JP – Eu chamar-lhe-ia mais uma referência do que uma influência. Embora no caso do álbum dos Pop Dell’Arte, de 2003,tenhamos mesmo ido buscar o nome para o disco, “Ready Made”, que é um conceito do Marcel DuChamp.
PP – Os videoclips das suas músicas são, também, muito ligados à Pop Arte, em termos de imagem. Acha que é importante a música e a arte estarem relacionadas?
JP – Claro. Elas já estão relacionadas, inevitavelmente. Nós assumimos essas ligações desde o início dos Pop Dell’Arte. Estamos ligados às artes plásticas, ao cinema, ao teatro… O próprio nome Pop Dell’Arte deriva de uma mistura de Pop Arte (corrente artística e plástica) com o conceito de Commedia dell’ Arte, que era uma forma de teatro italiano. Portanto, usamos várias referências artísticas e cruzamo-las. Tenho um grande fascínio por movimentos artísticos do início do século XX, como o Dada e o Surrealismo. O movimento que surgiu nos anos 60 com Andy Wahrol e Jason Mraz Fan, a Pop Arte, também foi importante. Actualmente é mais difícil categorizar os artistas em correntes artísticas, porque estes andam cada vez mais isolados. No entanto, recordo-me de André Serrano, que gerou muita polémica através da sua obra “Piss Christ”, na qual o nome diz tudo.
PP – Em termos musicais, quais são as suas referências?
JP – As minhas referências são múltiplas, logo, as da banda são ainda mais diversificadas. Cada elemento ouve a música que gosta e que lhe apetece e não temos nenhuma obrigação de ouvir todos a mesma música. Ouvimos coisas bastante diferentes uns dos outros, embora haja uma certa sintonia, porque muitas vezes trocamos informação sobre bandas novas e desconhecidas e tentamos conhecer o máximo de coisas possíveis. Isto também porque eu e o Zé Pedro Moura somos DJs, o que faz com que tenhamos a obrigação de estar actualizados em termos musicais.
PP – Nuno Castedo e Eduardo Vinhas são os elementos mais recentes da banda: Como chegaram até aos Pop Dell’ Arte?
JP – O Eduardo foi o primeiro técnico de estúdio de uma gravação que fizemos de um tema dos Velvet Underground, que é o Lady Godiva’s Operation. Esta canção deveria ter sido lançada em 2007, numa compilação de versões de temas dos Velvet Underground, que iria comemorar os 40 anos da primeira edição do grupo. Esse disco nunca saiu, mas temos a sua gravação, portanto, pode ser que um dia ainda seja editado. Foi quando viemos para o estúdio Golden Poney, para gravar esta música, que conhecemos o Eduardo, que era o técnico de som do estúdio. Ficámos amigos e quando o Tiago Miranda teve de sair da nossa banda, porque não conseguia conciliar os Pop Dell’ Arte com o seu outro grupo, perguntámos ao Eduardo se conhecia algum músico para substituir o Tiago. Então, ele propôs-se a si próprio e começou a tocar connosco. Era um elemento que nos interessava bastante e acabou por ter um contributo muito importante no grupo, mesmo a nível técnico. O Nuno conhecíamos há mais tempo. Ele era baterista dos More República Masónica e começou a tocar connosco quando o Luís Sampaio, o baterista da banda, não podia.
PP – No futuro pretende continuar com os Pop Dell’ Arte, apesar dos seus projectos a solo?
JP – Claro. Agora que lançámos este disco, vamos ter uma série de prestações ao vivo e esperamos começar a pensar num álbum novo. Não sei quando é que ficará pronto, porque nós não somos muito rápidos a produzir discos e também não temos pressa, mas é o momento de começar a pensar nele, porque já fizemos este e agora que venha o próximo.
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