Palco Principal - Antes de mais, gostava que me fizesses um pequeno apanhado do teu percurso musical até hoje.
Jimmy P - Eu nasci no Barreiro e fui viver para Paris com os meus pais. Quando voltei para Portugal, há cerca de dez anos atrás, reparei que o hip hop nacional ainda estava numa fase muito embrionária, era tudo muito recente. E eu vinha de Paris com aquela escola do rap francês ainda muito presente - lembro-me de ouvir, na altura, artistas como MC Solaar, NTM, Iam, La Cliqua e Fonky Family. Tudo começou como uma brincadeira - eu vivia cá sozinho, com os meus primos, estávamos todos a estudar. Comprámos aqueles microfones baratos, tínhamos uma aparelhagem - na altura ainda fazíamos as experiências em cassete -, copiávamos os instrumentais, construíamos loops grandes, que às vezes nem batiam certo, e ficávamos ali a dar freestyle, ou até mesmo a cantar letras de outros artistas de que nós gostávamos.
PP - E já escrevias em português nessa altura?
JP - Eu fiz a minha alfabetização toda em Paris, ou seja, tinha alguma dificuldade em escrever coisas em português. Por isso, no início, tudo o que eu fazia era em francês, até dentro do coletivo em que estava integrado. A minha primeira experiência de estúdio a sério foi com os Expensive Soul: dei um concerto numa escola, eles viram, gostaram e convidaram-me para o primeiro disco deles. E só depois é que eu comecei a escrever coisas em português. Sempre tive alguma facilidade em fazer coisas melódicas e musicais, apesar de não ter formação musical nenhuma. Tenho essa facilidade porque sempre gostei de R&B - é um estilo que, para mim, sempre esteve em pé de igualdade com o hip hop. A partir do momento em que comecei a ganhar essa afinidade com a escrita, formámos os Crewcial e editámos o primeiro disco através da extinta Matarroa. O mais engraçado nisto tudo é que, dos três que formavam o grupo, eu era o MC mais fraquito, porque ainda não dominava totalmente a escrita em português. Então comecei a trabalhar os textos, as rimas e melhorei a minha relação com a língua portuguesa. Enquanto os outros iam para os copos, eu ficava em casa a ouvir beats e a escrever. A partir daí as coisas foram acontecendo de forma natural. Acabámos por nos formar todos, o resto do pessoal decidiu emigrar para Angola e eu decidi ficar aqui. Foi aí que comecei o meu percurso a solo.
PP - Que hip hop é que te cativou quando chegaste a Portugal?
JP - Por acaso, quando cheguei a Portugal, mostraram-me muita coisa que eu não gostei (risos). Mas o primeiro artista que me contagiou foi o Boss Ac. Na altura tinha lançado o disco “Manda Chuva”. Ele estava, claramente, acima dos outros todos, fosse no campo lírico, no flow ou nos beats. Ele estava muito acima da média. Com o tempo fui-me inteirando das coisas e comecei a definir as minhas preferências. Conheci Chullage - é capaz de ter sido o primeiro rapper que ouvi exaustivamente. Consumi muito Chullage. Conheci também Valete… Curiosamente, na altura gostava mais do hip hop que se fazia em Lisboa do que aquele que era feito aqui no Porto. Mas houve muitas coisas feitas no Porto que me marcaram muito nessa época, e uma dessas coisas foi o projeto Terrorismo Sónico, do Mundo e do Expeão.
São várias as paisagens que podemos contemplar ao longo de "#1", desde o reggae ao dubstep, passando pelo hip hop e pelo rock - com o mais famoso trio de Seattle a manifestar-se uma das grandes influências do artista. "Eu ouvi Nirvana até não poder mais, lembro-me bem do Unplugged da MTV…", recorda o jovem músico, acrescentando: "Eu acabei por trazer alguma dessa influência para o disco. Se vires, há guitarras que nem sequer estão bem gravadas. O álbum tem muito esse lado rock". No entanto, um dos ingredientes principais da receita musical de Jimmy P é a mensagem positiva. "Nesta má fase que o país está a atravessar, o que eu pretendo é que a música seja, no mínimo, revigorante", garante o rapper. "#1" foi lançado a 9 de dezembro e já se encontra disponível nos escaparates dos locais habituais de venda de música.
PP - O teu álbum é muito variado em termos de sonoridade. Quem são os principais intervenientes no processo de produção?
JP - As duas pessoas fundamentais nesse processo sou eu e o meu engenheiro de som, que é o meu braço direito: ele é que grava, mistura e masteriza os meus sons. É ele que partilha comigo a visão daquilo que vai ser um álbum. E isto basicamente funciona assim: rodeio-me de dois produtores que me são muito próximos, o Reis e o J-Cool, que fizeram o grosso do álbum (depois acabei por ouvir instrumentais de outros produtores de que gostei e acabei por usá-los no álbum, para enriquecer). Normalmente, oiço primeiro a base instrumental. Depois, a partir dos sentimentos que a música me transmite, começo a construir os temas, tento desenhar um refrão e, de seguida, levo os meus músicos a estúdio para procurar arranjos. Por isso é que no álbum encontras muitas partes que são tocadas, seja a nível de teclas, baixo ou até mesmo bateria.
PP - “Champion” é um bom exemplo disso…
JP - Sem dúvida, o instrumental dessa música é todo tocado…
PP - Que tema é que escolheste para single de apresentação do álbum?
JP - Involuntariamente, o single de apresentação acabou por ser o tema “O Que Vai Ser”, que nem era suposto estar no álbum por ser uma versão - o original é dos Da Guedes. Só que foi tão bem recebido pelas pessoas e pelas rádio que era impossível não o incluir no disco… E eu, por acaso, gostei dele porque tinha um swing fixe, ou seja, achava que era audível sem ser demasiado evidente ou propositadamente radiofónico. O “Storytellers” já foi pensado para o álbum e acaba por ser o single oficial de apresentação, no fundo é um pouco um hino ao pessoal que me rodeia e que trabalha comigo, porque achei por bem que as pessoas percebessem como é que as coisas funcionam, acho que ainda há muita ignorância a esse nível.
PP - Em “Os Melhores Anos” [tema de Valete anterior ao disco de estreia de Jimmy P, que conta com a participação do rapper portuense] fazes menção a Kurt Cobain como uma das figuras que marcou a tua geração. De que forma é que o líder dos Nirvana influenciou a tua música?
JP - Na altura em que saiu o “Nevermind” estava em Paris, aquilo foi uma febre. Em França, o pessoal da minha geração ou ouvia rap ou grunge. Nessa altura apareceram vários grupos de rock. Eu ouvi Nirvana até não poder mais, lembro-me bem do Unplugged da MTV… Bateu de uma forma louca. Daí eu ter mencionado isso nesse tema. De facto, ouvi muito Kurt Cobain. Procurei muita coisa sobre ele que me fez adorá-lo ainda mais, como o facto de gostar de guitarras com feedback, do ruído, etc. O som deles era muito sujo, aliás, eles vieram quebrar aquele paradigma do rock limpo. O que eles queriam era feedbacks, barulho… E eu acabei por trazer alguma dessa influência para o disco. Se vires, há guitarras que nem sequer estão bem gravadas. O álbum tem muito esse lado rock. Tens temas como o “Revolution”, que, para além do riff inicial de guitarra, tem a distorção no refrão. Eu diria que é uma componente que está muito presente no disco.
PP - No tema “Revolution” também partilhas rimas com Valete. Parece haver aqui alguma tendência colaborativa entre os dois. Como é que nasceu esta relação?
JP - Eu cresci a ouvir Valete, mas nunca tive oportunidade de o conhecer pessoalmente, apesar de falar com ele pela internet. O tema “Revolution” surge antes de “Os Melhores Anos”. Quando comecei a pensar em fazer o álbum, sensivelmente há dois anos, convidei-o, começámos a desenhar o tema, mas ficou em águas de bacalhau. Lembro-me que o convidei para fazermos esse tema na altura do meu concerto no festival Musa - foi o meu primeiro espetáculo com banda. Essa foi a primeira vez que estive com ele pessoalmente, houve uma certa afinidade entre nós e hoje até posso dizer que somos grandes amigos. Mais tarde, quando ele fez o concerto do Campo Pequeno, disse-me que queria fazer um som comigo sobre a adolescência. Ele já tinha gravado a parte dele, enviou-me o restante e pediu-me que eu fizesse o som em dois dias. Fui para o estúdio, estive ali umas horas de volta daquilo e gravei. A partir daí, cultivámos esta relação. Cada vez que ele tem um concerto, eu participo, e vice-versa. É sempre enriquecedor haver este tipo de postura.
PP - Em “Power” exploras claramente os campos do dubstep. És fã do estilo?
JP - O tema “Power” foi produzido pelo J-Cool, quando ele esteve aqui no Porto. Se tu reparares, o tema não começa logo com dubstep, começa com um piano e depois entra aquele beat meio dirty south. Eu ouvi aquilo e adorei, achei que tinha requinte na maneira como estava construído, mas depois fui apanhado de surpresa quando entrou a parte dubstep, porque aquilo continua como beat hip hop e só acrescenta os baixos wobble. Eu gosto de arriscar e gosto de tentar fazer coisas que estão fora da minha zona de conforto. Felizmente, não gosto só de rap, aprecio muitas outras coisas. Para este disco ainda cheguei a fazer canções assumidamente R&B, mas depois achei que era fugir demais. Há um limite, e a pessoa tem que saber situar-se e saber aquilo que está a fazer. Mas o que eu procurei aqui foi juntar todas as coisas que gosto de ouvir. Tens o rock bem presente, que é uma coisa que fez parte da minha adolescência, tens o reggae, um estilo com o qual cresci, por causa do meu pai, e depois tens ali outros pormenores: em “Um Pouco de Mim” há um solo de guitarra blues, por exemplo. Eu ouvi o tema e disse ao meu guitarrista que tinha de ter uma guitarra a chorar na música. Basicamente, tentei fazer um álbum que eu fosse gostar de ouvir. Sou capaz de ouvir este álbum no carro, quando vou correr ou quando vou para o ginásio. Acho que isso é um ótimo sinal.
PP - E sempre com uma mensagem positiva...
JP - Definitivamente. Não estou aqui para fazer o contrário. O que há mais no panorama do hip hop nacional é negativismo e indivíduos a apontarem o dedo e a criticarem-se uns aos outros… Nesta má fase que o país está a atravessar, o que eu pretendo é que a música seja no mínimo revigorante. Quero que as pessoas metam este disco no auscultadores de manhã, quando vão para o trabalho ou para a escola, e que ele seja uma boa companhia e um alento naqueles dias em que não lhes apetece enfrentar o mundo. É isso que eu pretendo. Quero, acima de tudo, que a minha música desperte sentimentos positivos nas pessoas, até porque nos meus concertos eu gosto de receber e dar boa energia, por isso a música que eu faço tem de refletir isso. Eu também sou uma pessoa muito positiva na minha forma de viver, e tento transparecer isso. Há demasiada má vibração no rap, ainda por cima agora que é um estilo em ascensão, há cada vez mais consumidores.
PP - Tens notado esse crescimento?
JP - Eu digo isto porque tive a oportunidade de fazer alguns estudos de marketing ao abrigo da nossa empresa, a Storytellers. Atualmente, o hip hop não é o estilo mais comprado, mas é o mais consumido, a par do reggae e do dancehall. E tanto o evento Hip Hop Allstars no Coliseu como o concerto de Valete no Campo Pequeno são bons exemplos disso. Há também o exemplo dos festivais, que cada vez estão a incluir mais artistas de hip hop nacional nos cartazes. Eu não me lembro de ir a um festival e ter artistas que não fossem os Da Weasel e os Expensive Soul e ter cinco ou seis mil pessoas a cantar nos refrões. Atualmente, as marcas grandes e os produtores estão a aperceber-se de que o hip hop está a ser muito consumido. Houve aqui uma explosão que nunca houve antes. Agora as pessoas têm é que se profissionalizar, têm que trabalhar melhor e com qualidade. Há muita gente a fazer coisas boas, simplesmente acho que o pessoal não está suficientemente informado ou preparado para dar continuidade às primeiras coisas boas que conseguem fazer. Há muitos fenómenos virais que aparecem e desaparecem de seguida porque não sabem alimentar esse crescimento. Mas acho que não me lembro de viver um momento tão bom e não me lembro de ver tamanha abertura de espírito em relação ao hip hop.
PP - Tentas sempre que os teus concertos sejam em formato banda, ou há vezes em que és obrigado a optar pelo formato DJ?
JP - Faço os dois. Tento levar a banda sempre que o recinto o permite, porque também faço muitos showcases em discotecas… Normalmente a regra é: em locais com mais de 1500 pessoas levamos banda, a não ser que as condições não o permitam, ou que a organização não tenha condições financeiras para nos receber. Mas faço muitos circuitos em formato DJ. Para te dizer a verdade, tenho tido muitos convites para tocar nas maiores discotecas do país. Normalmente, em tudo o que seja queima das fitas, receção ao caloiro e festival levo sempre a banda. Se eu tivesse de escolher, optava sempre por esse formato, porque a dinâmica é outra. E é curioso porque eu tinha algum preconceito nesse sentido: achava que o facto de haver banda desvirtuava um pouco a sonoridade característica do hip hop. Mas hoje em dia já consegues contornar bem isso porque já tens a ajuda das máquinas para disparar samples, e a sonoridade continua a ser a mesma. Acaba sempre por ficar uma coisa orgânica. E,u pessoalmente, gosto mais porque, se estiveres num palco grande, o facto de seres acompanhado por uma banda adiciona outro feeling, é tudo mais momentâneo - há mais química.
PP - No concerto do Coliseu dos Recreios, inserido no festival Hip Hop Allstars, criaste uma notável empatia com o público que, às tantas, não se privou de te aplaudir e te acompanhar nas letras das músicas. Os teus concertos costumam ser sempre assim?
JP - Um bom concerto é sempre 50/50, não é só o artista. Um espetáculo engloba aquilo que se passa no palco e no público, e eu faço questão que haja esse tipo de envolvimento. E a melhor maneira de eu dar o melhor de mim é saber que estou a ser correspondido, e o Coliseu foi um bom exemplo disso. Por acaso estava com algum medo porque foi a primeira vez que fiz um palco daqueles como cabeça de cartaz. Ainda por cima tinha a pressão toda de vir depois do Regula, que estava a jogar em casa - até pensei que a organização me fosse meter antes dele, mas decidiram meter-me no fim. E fiquei contente porque fui extremamente bem recebido. Para ser sincero, sempre tive algum receio em relação ao público de Lisboa, porque é muito diferente do público do Porto. Aqui no Porto as pessoas são mais emotivas, mais espontâneas, e são mais de deixar transparecer o que sentem. Mas no Coliseu foi totalmente diferente daquilo que eu estava à espera. Percebi que as pessoas estavam a reagir muito bem e que estavam a curtir do espetáculo, e acho que foi bom por isso. Tivemos um feedback muito positivo. Havia muita gente que não me conhecia, a verdade é essa. Fui muito bem recebido e senti-me em casa.
PP - Quais são as datas de concertos que se avizinham?
JP - Nós estamos a preparar os concertos de apresentação do disco. Mas, antes, vou estar no ano novo na Alfândega do Porto. Aliás, o cartaz sou eu, o Regula e os Dealema. À partida, os concertos de apresentação vão ser feitos no Porto, Lisboa e Algarve, lá para a segunda metade de fevereiro, que é para deixar o disco respirar. A ideia é fazer os concertos em salas grandes, com muito convidados, pirotecnia, imagem e luz - uma apresentação “como manda a lei”, como a gente diz por aqui… Vai ser uma cena fixe.
Manuel Rodrigues
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