“Precisava de um espaço para mim próprio, um espaço cultural, precisava de refletir, reinventar-me, reinventar a revolução, reescrever as coisas que tinha escrito, escrever mais coisas”, começou por contar Sérgio Matsinhe, mais conhecido por General D, considerado por muitos o pai do hip-hop em português e que, sem ninguém esperar, deixou os discos e os palcos nos anos noventa. O regresso levou 20 anos e foram vários os mitos em torno da figura deste então jovem moçambicano revolucionário que hoje é já pai de dois filhos.
“Vivi no Brasil, vivi nos EUA, vivi em Inglaterra, tive contacto com outras Áfricas que não são tão do nosso conhecimento, como Nigéria e Gana, e isso foi super importante porque me deu uma visão mais global do que é ser africano”, continuou o artista, cujo trabalho tem passado sempre pela defesa da cultura africana universal.
“Hoje não sinto que sou só uma pessoa, há pelo menos três em mim: há o Sérgio, que foi enterrado pelo General D, há o Matsinhe, que é o ativista, e que tem trabalhado muito em prol da cultura africana universal e há o General D, que é o músico. Então qualquer trabalho que eu lance espelha sempre esses três vértices”, acrescentou ainda, deixando no ar a hipótese de um novo disco para breve.
Em 20 anos, toda uma geração de novos artistas de hip-hop se formou e fez carreira. Muitos deles, como Boss AC, são claros ao afirmar que General D é uma das suas referências, mas o músico declina os elogios e garante que “é tudo trabalho”.
“Pai só sou dos meus filhos, dois filhos. O resto é trabalho e eu não sinto uma responsabilidade extra por ter começado naquela altura ou começar agora. Naquela altura nunca me passaria pela cabeça que estava a fazer historia e nem me preocupei com isso, da mesma forma como não me preocupo com isso agora”, diz General D, que garante que quer continuar a ser “livre” em vez de ser “escravo da sua própria revolução”.
“Isto é uma jornada pessoal e nesta jornada pessoal eu encontrei muitas pessoas e certamente dizem que influenciei outras tantas, mas nunca houve uma intenção de me tornar isto ou aquilo. (…) Não tenho de me apresentar a ninguém nesta altura, eu só tenho de continuar a trabalhar e deixar que as pessoas me conheçam”, conclui. Músico, ativista, revolucionário, General D continua a articular o seu discurso em torno das disparidades sociais, da cultura africana e sente-se hoje mais apto a “fazer um raio x sobre aquilo que é a diáspora do africano”. Na sua opinião, o primeiro passo para um diálogo equilibrado é “criar espaço para que o africano conte a sua própria história”.
“Como dizia um amigo meu: eu tenho uma ferida e tu é que me estás a dizer como a minha ferida me dói? Nós precisamos de ter espaço para contar a nossa própria historia. Não tem nada a ver com colocarmo-nos de parte, tem a ver com o termos de evoluir o nosso pensamento coletivo, aquilo que nós entendemos sobre o que é ser africano”.
Claro que Moçambique, a sua terra natal, palco de alguma instabilidade política e social, não escapou desta conversa na Praça do Intendente, em Lisboa. “Acho que o povo moçambicano tem maturidade democrática suficiente para saber ultrapassar problemas. Moçambique é um país em crescimento e eu espero um dia poder estar lá a contribuir para esse crescimento”, assumiu General D.
Quando o discurso muda e se foca no futuro próximo, o cantor é reservado. “Para já tenho este concerto e eu gostava de trabalhar. Há muito trabalho a fazer e muito provavelmente eu vou continuar a trabalhar por aqui…“
A porta fica assim em aberto e é quase certo que ainda há muito para contar, nem que seja pela insatisfação. “Acho que não vim para esta vida para ser contente, eu nunca vou ser contente, eu vou continuar a lutar até o Mais Alto me chamar para perto dele. Nunca vai acabar, há sempre muita coisa a fazer, todos os dias há coisas a fazer, e começa por todos os dias eu lutar contra mim próprio, para me melhorar a mim próprio. A luta e a revolução começam aqui, em nós”, disse General D com a mão aberta sobre o peito, poucos minutos antes de se despedir do SAPO.
General D sobe ao palco do Lisboa Mistura, na Praça do Intendente, em Lisboa, dia 28 de junho, às 22 horas.
@Inês F. Alves
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