Formados no final da década de 80, terminaram a carreira em 2002, na sequência de vários conflitos internos, mas 2009 viu o seu regresso aos palcos. Aquela que poderia ser apenas mais uma reunião, está a dar frutos, com o novo álbum “What If?” a merecer uma digressão um pouco por todo o mundo.
O vocalista Eric Martin falou, em exclusivo, com o Palco Principal e deu provas do entusiasmo com que a banda está a encarar esta nova fase, mais madura e descontraída. Extrovertido e muito comunicativo, Eric Martin aproveitou esta oportunidade para recuar no tempo e recordar os factores que levaram à ruptura, a sua carreira a solo, as mudanças que a indústria discográfica sofreu na última década e a forma como a fidelidade dos fãs aos Mr. Big influenciou a decisão de voltar ao activo.
Aqui fica o registo de uma conversa solta e bem-humorada com uma das maiores vozes actuais do rock’n roll.
Palco Principal – Os Mr. Big estão na estrada já há algum tempo. Este foi um Verão preenchido e ainda têm várias datas pela frente. Como é que tem estado a decorrer a digressão?
Eric Martin – Está a correr muito bem! Toda a gente está a dar-se bem e a divertir-se, e este é, basicamente, o segredo para uma banda de rock’n roll de sucesso, que se separou há muito, muito tempo por causa de algumas coisas... bem, não quero entrar nisso agora, mas estamos todos a dar-nos muito bem, a música é boa e estamos a adorar visitar todas estas grandes cidades, sabes?
P.P. – A digressão teve início em casa, nos Estados Unidos, antes de chegarem à Europa. Tiveram oportunidade de tocar em alguns grandes festivais, certo?
E.M. – Começámos em Los Angeles, a 2 de Abril. Daí viajámos para o Japão e sudoeste asiático e depois estivemos na Europa, para tocar em alguns festivais, entre os quais, o Download, onde tivemos a oportunidade de abrir para Iron Maiden, Judas Priest e Whitesnake, entre outras grandes bandas. Depois, fomos a casa [California] um dia, estive com a minha mulher, brinquei com os meus filhos, tratei da roupa e lá fomos outra vez de viagem, para quatro ou cinco semanas na América do Sul. Seguiu-se a digressão nos Estados Unidos… Há um clube muito porreiro, chamado “The House of Blues”, onde fizemos uma série de shows, e depois viajámos pelo país durante cinco semanas. Mais uma semana de folga e cá estamos nós na Europa, já há cerca de três semanas e acho que ainda nos faltam mais três.
P.P. – Depois, ainda têm algumas datas para cumprir na Indonésia, em Dezembro...
E.M. – Sim, sim, exacto, estão bem informados!
P.P. – A notícia da reunião dos Mr. Big, em 2009, foi uma das novidades mais interessantes do rock’n roll dos últimos tempos...
E.M. – Oh, obrigado, ainda bem!
P.P. – A maior parte das reuniões que têm acontecido são um pouco suspeitas, mas a forma como os Mr. Big abordaram os problemas e deitaram mãos ao trabalho pareceu muito genuína...
E.M. - Sim, foi uma coisa que veio do coração, absolutamente! Não fomos motivados pelo dinheiro, aliás, devo dizer que a principal motivação foram os fãs que cada um de nós foi encontrando ao longo dos anos. Por exemplo, nos meus espectáculos a solo, os fãs vinham ter comigo e diziam: "Pois, pois, não quero saber do teu disco novo, quero é saber novidades dos Mr. Big... quando é que vocês se juntam outra vez?". Depois de ouvir isto ao longo de tantos anos, percebi (e acho que os outros rapazes -o Billy Sheehan, o Pat Torpey e o Paul Gilbert -sentiram o mesmo), que era tempo de reunirmos a banda. E foi como tu disseste, uma coisa absolutamente genuína. Se nos vires esta noite, em palco, vais perceber que estamos sempre a rir e a brincar e a divertir-nos imenso. Não é como antigamente. Sim, foi fantástico ter um par de hits – não foi nada mau ter o “To Be With You” em nº1 em 15 países, isso pôs muitos carimbos nos nossos passaportes e levou-nos a todo o lado – mas acabámos por perder o contacto com a realidade, as nossas vidas familiares ressentiram-se e nós estávamos presos uns com os outros muito tempo. Não sei, acabámos por perder um pouco o respeito uns pelos outros, não sei exactamente por que é que isso acontece.
P.P. – É quase como um casamento…
E.M. – Exactamente, como um casamento! Com quatro homens [risos]! Cansámo-nos uns dos outros, começámos a encontrar defeitos uns nos outros... foi muito duro. Estávamos juntos constantemente e não tínhamos espaço. A nossa editora discográfica estava sempre a dizer "têm que nos dar o próximo 'To Be With You'" ou "têm que fazer isto, têm que fazer aquilo". É muito bom poder trabalhar, mas estarem constantemente a dizer-te o que tens que fazer deixa as suas marcas e existiram alguns conflitos internos na banda, em 2002. O Paul Gilbert já tinha saído em 1996. Recrutámos o Ritchie Kotzen e foi muito difícil para o Ritchie porque era suposto ser uma banda renovada, mas o Ritchie foi, basicamente, o substituto do Paul, ou, pelo menos, foi assim que os fãs entenderam as coisas. Os conflitos de que falei acabaram por ser varridos para debaixo do tapete e ninguém falou sobre os assuntos. Na verdade, ainda hoje ninguém fala disso, mas está tudo bem.
P.P. – Então, sempre é verdade que o tempo cura?
E.M. – Verdade, o tempo cura mesmo e nada disso interessa já. Como eu costumo dizer, nós tínhamos muita bagagem, mas hoje, já nem consigo encontrar as malas... é estúpido.
P.P. – Quais são as principais diferenças que encontramentre aindústria discográfica dessa altura e adeste regresso? O próprio aparecimento das redes sociais e o contacto mais próximo entre os fãs e os artistas terá tido alguma influência na vossa reunião?
E.M. – Bem, desde essa altura mudou tudo! E consegue ser tudo muito mais «caseiro», por assim dizer...É possível, hoje, controlarmos os nossos websites e saber tudo o que está a ser vendido online, directamente. Quando estávamos com a Atlantic Records, eles eram uma companhia enorme e fizeram muita coisa por nós, mas tinham tantas bandas no catálogo que nenhuma tinha a certeza se era vista pela editora como uma prioridade ou não. Quando és tu a tratar das coisas, podes monitorizar o que se passa. Quer dizer, pelo menos, podes tentar. Há tanto download ilegal, que acaba por quase matar os teus esforços. Recentemente, encontrei todas as minhas demos disponíveis online. Quando dás demotapes ou CDs dos teus temas às editoras, eles acabam por ir parar a um grande contentor. Com o passar dos anos, as editoras desfizeram-se disso e agora todas essas demos andam à solta na internet e isso não tem piada nenhuma. Mas realmente, quando tomamos as rédeas da nossa carreira e a responsabilidade está do nosso lado, temos a noção do que é que se está a passar nas nossas vidas e isso é muito bom, sabes?
P.P. – Então, estão satisfeitos com o relacionamento que têm com a vossa actual editora, a Frontiers Records?
E.M. – Eu conheço-os há já bastante tempo. No início, assinei contrato com eles enquanto artista a solo e disseram-me "vai em frente, faz o disco que queres fazer", mas estavam a pensar que eu irira fazer um disco semelhante ao que fazia com Mr. Big, o que não aconteceu. Eu fiz um disco de punk pop e eles não ficaram muito satisfeitos com isso. Mas eu fiquei, não queria seguir as pisadas dos Mr. Big. Hoje, quando olho para trás, acho que, se calhar, devia ter capitalizado um bocadinho mais a parte do rock’n roll. Talvez aí os fãs tivessem ficado com uma ideia mais clara sobre quem eu era, mas nunca fui pessoa de seguir as modas. A minha vida tem tantas bandas-sonoras diferentes, desde o rock à soul ou ao R’n’B e eu queria tanto uma oportunidade para experimentar outras áreas, que não percebi que a Frontiers iria dizer "não, não, não, queremos um disco à Mr. Big!". Acabei por gravar dois álbuns com eles e não voltámos a trabalhar juntos desde aí, mas agora, os Mr. Big assinaram com eles e parecem muito satisfeitos com isso. Quer dizer, este é o tipo de música de que a Frontiers gosta, eles são verdadeiros embaixadores do rock’n roll e, hoje em dia, são os únicos que defendem esta bandeira.
P.P. – A evolução desta editora tem sido, realmente, incrível! Começaram como uma pequena editora italiana independente e, de repente, estão a assinar todas as grandes bandas de hard rock, como os Journey, os Whitesnake ou os Mr. Big...
E.M. – É verdade, estão a sair-se muito bem! Lembro-me quando conheci o Serafino Perugino [CEO da Frontiers Records].Estive com ele apenas uma vez, ele veio assistir a um festival que eles promoviam, chamado “Gods of AOR”, e eu toquei alguns temas de Mr. Big, mas o alinhamento tinha mais temas punk pop e ele veio ter comigo e disse: "Eric, não te quero a fazer mais isto, quero que voltes às tuas origens", mas gostei bastante da energia dele e estou satisfeito com o trabalho que eles fazem.
P.P. – Sobre o vosso último álbum, “What If”, fica a sensação de que os Mr. Big pegaram exactamente no ponto onde tinham ficado. É como se não tivesse existido este intervalo de tempo na vossa carreira e entre os álbuns.
E.M. – Oh, ainda bem, obrigado! Eu sinto o mesmo!
P.P. – É muito melódico e cheio de influências blues…
E.M. – Yeah, é muito bluesy e tem todas aquelas harmonias e grandes solos...
P.P. – Como é que foi o processo de gravação? Divertiram-se juntos em estúdio, depois de tanto tempo?
E.M. – Sim, sim, muito! Tivemos apenas cerca de um mês para escrever porque não tínhamos planeado fazer um álbum novo. Bem, eu tinha uma vozinha na cabeça sempre a dizer-me "oh, vá lá, temos que fazer um disco!".
P.P. – “What if” [“E se” – título do álbum] fizéssemos um novo disco?
E.M. – Pois, e se gravássemos um novo disco (risos)? Porque não podia ser só fazer um concerto e ter uma t-shirt para vender no final do espectáculo. Eu queria mesmo fazer um disco porque sabia que, se conseguíssemos gravar um novo álbum, teríamos a oportunidade de fazer outra digressão e manter a banda no activo. Então, escrevi duas canções, uma chamada “Stranger in my Life” e outra chamada “I Won’t Get in My Way”, e apresentei à banda. Também escrevemos muita coisa colectivamente, mas eu tomei a iniciativa. O Paul estava sempre a dizer "não, temos que dar passos pequeninos, não vamos planear nenhum álbum novo... vamos só divertir-nos a tocar e depois logo se vê o que é que acontece". Cada vez que nos encontrávamos, eu perguntava quando é que fazíamos o álbum e ele respondia: "Eric, já te disse que não quero!", mas foi sempre sem stress e lá se convenceu. Acabámos por ter um mês para escrever, o que foi muito rápido. Não fizemos pré-produção, praticamente, porque tivemos que aproveitar as duas únicas semanas que o produtor com quem queríamos mesmo trabalhar, Kevin Shirley, tinha disponíveis antes de começar a gravar o novo álbum dos Journey. É a história da minha vida… já quando era artista a solo, o meu manager era o Herbie Herbert e era sempre Journey – Eric Martin – Journey – Eric Martin! (risos). Bem, o Kevin Shirley acabou por nos dar essas duas semanas, fizemos cerca de um tema por dia e acho que acabaram por ficar quatro ou cinco temas de fora, portanto, elas estão por aí, algures, e esperamos que venham a ser o início de um novo disco, quem sabe?
P.P. – Muitos dos artistas preferem, hojeem dia,assumir a produção dos seus próprios trabalhos, mas vocês preferiram trabalhar com o Kevin Shirley. Era importante ter a perspectiva de alguém de fora da banda?
E.M. – Acho que é mesmo importante, sabes? Eu produzi os meus dois discos a solo e percebi que tens que ter a perspectiva de alguém de fora porque acabas por estar quase casado com estas canções! Tu é que as escreveste e achas sempre que são a melhor coisa que já fizeste na vida. Demos todas as canções que tínhamos escrito ao Kevin Shirley para não termos que passar por uma das nossas estúpidas reuniões de banda, a discutir sobre que canções é que iriam entrar no disco, e deixámos que o Kevin decidisse. Ele disse que acreditava que “Undertow” devia ser o primeiro single e nós concordámos de imediato. Para nós, estava tudo bem, estávamos apenas bastante felizes por estarmos juntos de novo e a gravar. Foi um processo muito suave e a parte mais porreira é que foi como se fosse gravado ao vivo, não teve nada a ver com a forma como trabalhávamos no passado. O Kevin dizia-me: "Eric, prepara as tuas letras e as tuas melodias de voz, tem tudo pronto porque vamos fazer um tema por dia e não vamos fazer overdubs". Eu lá ía, cantava e pedia para repetir, mas ele dizia sempre que não e deixava-me furioso. Isto aconteceu durante toda a gravação e eu já implorava para ele me deixar repetir certas partes, mas ele dizia: "Eric, este vai ser um álbum «ao vivo» e pronto!". Foi, definitivamente, um álbum muito interessante de fazer, um álbum ao vivo, sem audiência! Bastante reverb na tarola, como o Kevin fez com os Journey...
P.P. – Antes de avançarem para um novo disco de originais, os Mr. Big marcaram a reunião com um álbum ao vivo, gravado na mítica sala japonesa Budokan. O Japão e os Mr. Big têm um longo «caso de amor», que parece ser recíproco. Além da banda, qualquer um dos quatro músicos é uma verdadeira estrela no Japão e, recentemente, tiveram oportunidade de retribuir esse amor. Pouco tempo depois do tsunami ter devastado o país e numa altura em que os estrangeiros procuravam, a todo o custo, sair da ilha, os Mr. Big entraram num avião e voaram para o Japão para uma série de concertos...
E.M. – A primeira vez que fomos ao Japão, apaixonámo-nos pelo país. Muitos dos sítios que visitas são quase como um «encontro-às-cegas», mas, neste caso, o amor foi recíproco, eles são doidos por rock. Depois de termos sabido o que aconteceu, quisemos ir imediatamente para fazer alguma coisa, demonstrar solidariedade, mostrar que estávamos todos juntos nisto. Eu escrevi um tema intitulado “The World is on the Way”, que doei à Cruz Vermelha japonesa. É claro que estávamos preocupados porque não havia muita informação credível sobre a radiação e o que é que realmente estava a acontecer na central nuclear, mas pensámos sobre o assunto, falámos e decidimos apanhar o avião. E ainda bem que o fizemos! Muitas bandas que tinham espectáculos marcados acabaram por cancelar, aconselhadas pelas agências, e nós estávamos a pensar se alguém apareceria nos concertos, em especial, nas zonas mais próximas do desastre, mas correu tudo bem. As pessoas estavam a precisar de alguma alegria e apoio e acabou por ser uma experiência muito especial.
P.P. – Para terminar, depois de uma carreira longa e de andarem em digressão há tantos anos, tocar num país pela primeira vez começa a ser uma experiência rara, em especial na Europa, mas esta noite, em Portugal, é uma estreia. O que é que os fãs portugueses, que esperam pelos Mr. Big há tanto tempo, vão ter oportunidade de ouvir – os clássicos, os temas novos ou uma mistura dos dois?
E.M. – Espera-vos um pouco de tudo! Os Mr. Big estão em grande forma (risos) e eu estou a adorar estar em digressão. A sério, quando era mais novo, estava sempre ansioso para ir para casa, mas agora estou com fome de estrada e cada noite é um verdadeiro espectáculo. Depois da digressão europeia e das datas na Indonésia, no final do ano, acho que não vamos ter Mr. Big durante uns tempos porque os rapazes, em especial o Billy e o Paul, têm muitos compromissos a solo, com clínicas e coisas do género. Esta noite, tenham especial atençãoao Billy – o homem é um verdadeiro touro em palco, vão ver! Temos mais de duas horas de rock preparadas e vamos divertir-nos bastante. Espero que gostem!
Recorda o concerto dos Mr. Big no Hard Club aqui.
Texto: Liliana Nascimento
Fotografia: Filipa Oliveira
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