No princípio eram os anos 1960, via surf rock e girl groups devidamente recuperados em "Crazy for You" (2010), a estreia muito elogiada (talvez até com algum exagero) da dupla de Bethany Cosentino e Bobb Bruno. Já o mal amado "The Only Place" (2012) trocou o despojamento lo-fi por uma produção mais polida (cortesia de Jon Brion) e espraiou-se entre a alternative country e o soft rock dos anos 1970.
"California Nights" é agora, de certa forma, a evolução natural de uma discografia que vai assimiliando e somando influências sem sequer tentar qualquer revolução sonora pelo caminho. Nada contra quando o resultado soa tão bem como neste terceiro álbum. Aliás, o duo californiano soa aqui melhor do que nunca, deixando decididamente para trás as canções artesanais dos primeiros dias.
A troca talvez deite a perder alguma esponteidade, responsável por boa parte do charme inicial, mas este som mais encorpado acaba por valorizar o que os Best Coast têm de melhor: a pontaria para melodias, harmonias vocais e uma mão cheia de refrãos impecáveis - e descaradamente pop, por muito que a produção tentasse disfarçá-lo.
A mudança já tinha sido denunciada, pelo menos em parte, no EP "Fade Away" (2013), que não por acaso tinha nos créditos o mesmo produtor, Wally Gagel, cujo currículo arrancou com os esquecidos Belly e passou por Tanya Donelly, Juliana Hatfield ou Metric, nomes eventualmente sugeridos ao longo de uma audição de "California Nights". Mas a cobertura expansiva, musculada e flamejante destas canções lembra ainda mais os Hole da fase "Celebrity Skin" (1998), com um misto de brilho e melancolia que Beth Cosentino concilia, ainda assim, de forma bem distinta (e bem mais vulnerável) do que Courtney Love. E nunca a tínhamos ouvido tão fresca e límpida como aqui, com um carisma capaz de compensar a redundância da escrita (as letras continuam tão monotemáticas como no início, quase sempre agarradas a relações falhadas e ao desalento amoroso da cantora, retratado de forma mais imberbe do que complexa).
É verdade que "California Nights" não mantém, ao longo do alinhamento, a fasquia tão elevada como o terceiro álbum dos Hole, mas ainda deixa várias pérolas reluzentes para este verão. "In My Eyes", gigante, constrói uma muralha de guitarras e bateria a acompanhar Cosentino, mais imponente do que o habitual (atenção às segundas vozes, um mimo). Só é pena que a devastação instrumental do final seja logo rematada em fade out em vez de continuar, embora "When Will I Change" compense ao terminar com uma mudança de velocidade a caminho da distorção, aqui minimamente prolongada.
Também em modo efervescente, "Feeling OK" não tem tantos desvios e merece ser um single direto às playlists - talvez tivesse mais hipóteses numa de meados dos anos 1990. A dream pop de "Heaven Sent", outra aposta oficial, não destoaria no catálogo da 4AD de há duas ou três décadas. "Run Through My Head" é uma injeção de adrenalina na reta final do álbum, seguida de uma "Sleep Will Never Come" nada soporífera. Já o rock de "Jealousy" não impede que sejamos surpreendidos com um coro devedor dos girl groups dos anos 1960, a fazer a ponte com o disco de estreia dos Best Coast. E se "California Nights" não é um disco especialmente versátil, deixa outros espaços para a surpresa na faixa título, um raro momento contemplativo em ambiente shoegaze, ou na envolvente "Wasted Time", a fechar o alinhamento entre a folk uma torch song.
No final, fica uma pergunta: o disco deste verão chegou adiantado?
@Gonçalo Sá
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