Da última vez que tínhamos ouvido Marina Diamandis, mais conhecida como Marina and the Diamonds, foi difícil disfarçar alguma desilusão. "Electra Heart" (2012), apesar de toda a ambição conceptual (centrada na busca da fama da personagem do título) diluía muitas das qualidades e particularidades que a cantora galesa tão bem tinha evidenciado na estreia, "The Family Jewels" (2010).
Os dois álbuns mostravam uma devoção incondicional à pop mais garrida, com ecos inegáveis da electropop dos anos 1980, mas se o primeiro revelou uma voz à procura do seu caminho (com maneirismos herdados de Lene Lovich ou Kate Bush), no segundo Marina and the Diamonds parecia contentar-se em ser só mais uma, com mais estilo do que substância, composição menos exigente e produção genérica.
Depois dessa viragem, que entregou boa parte das canções a sabores do momento como Dr. Luke ou Diplo, "Froot" marca logo a diferença na ficha técnica. Este terceiro álbum é o primeiro totalmente composto pela cantora e, em vez de uma equipa, como o anterior, recrutou apenas um nome para a produção - o britânico David Kosten, cujos créditos incluem Bat for Lashes ou Everything Everything. Não é que um disco seja melhor ou pior em função do número de autores, mas este resulta mais coeso do que "Electra Heart" sem deixar de lado a versatilidade expectável num registo de Marina Diamandis.
Parar antes de festejar
De parto demorado - três anos são uma eternidade no contexto pop atual -, "Froot" é obra de quem parou para pensar e equacionar um percurso que ameaçava tornar-se perigosamente próximo do de uma Katy Perry - com a desvantagem de ter uma dimensão mediática bem menor. Ainda assim, o disco antecessor não ficou completamente esquecido. "Fear and Loathing", a canção que fechava (e muito bem) "Electra Heart" em ambiente melancólico e etéreo, pode ser encarada como uma ponte para o que se ouve no novo álbum, mais centrado em preocupações existenciais como as dessa balada. Mas se há muito espaço para a introspeção ao longo do alinhamento, o ambiente festivo também continua a ter lugar por aqui, com destaque quase obrigatório para a faixa título, tentação disco com refrão delicioso, ao nível do melhor da sua autora.
"Froot", a canção, é também o arranque a sério depois da estranha escolha de "Happy" para tema de abertura do álbum. Não que esta seja uma má aposta, mas o relato espiritual em tom solene, ao piano, estaria melhor mais para o final do que antes da sequência de energia impressionante mantida por "I'm a Ruin" e "Blue".
Além do ótimo potencial para single, estes dois pedaços de pop eletrónica (exceções num disco mais orgânico do que sintético) olham para relações amorosas de um ponto de vista pouco habitual em grande parte da concorrência: o de quem as terminou e não o de quem foi dispensado. E aí Marina não tem medo de ficar mal na fotografia, com a agravante de já nem poder refugiar-se na persona de Electra Heart. Aliás, assumiu que o álbum se inspira numa relação terminada por ela, o que ajudará a explicar a ambivalência emocional do alinhamento.
Canções de amor e morte
"All these contradictions pouring out of me/ Just another girl in the 21st century", canta em "Can't Pin Me Down", outra das canções mais pegajosas do disco e daquelas que não acusam desgaste com audições repetidas - até porque a produção, sem ser tão idiossincrática e barroca como a de "The Family Jewels", ainda guarda algumas surpresas. Felizmente, "Froot" dispensa mimetismos que captem o ar do tempo com a mão de Dr. Luke, o que pode dificultar a chegada a um público mais alargado mas também lhe dá outro charme e peso.
O retrato de "Solitaire", tão virado para dentro como o título da canção insinua, já bastava para sublinhar uma gravidade reforçada por "Savages" e "Immortal", finais perfeitos nos quais Marina chega ao topo (até agora) das suas capacidades como cantora, compositora e letrista. Na primeira deixa uma perspectiva muito pouco complacente da humanidade ("Underneath it all we're just savages/ Hidden behind shirts, ties and marriages"), com compasso rítmico acelerado rematado por um final apropriadamente operático. A segunda mostra-se ainda mais trágica, mas encontra alguma esperança para o ambiente pesaroso num desfecho que conjuga amor e morte. A conclusão a que chega não é propriamente uma epifania ("I don't want to be afraid, afraid to die/ I just want to be able to say that I have lived my life (...) The only thing that doesn't die is love"), o que acaba por não interessar muito quando Marina constrói aqui uma balada de recorte superior, na linha do melhor de "Ray of Light", de Madonna - e capaz de fazer sombra ao disco mais recente da rainha da pop.
Embora comece bem e impressione ainda mais no final, pelo meio "Froot" nem sempre é tão conseguido. Momentos como "Better That That", "Forget" e sobretudo "Weeds" são demasiado formulaicos e indistintos, por isso ainda não é desta que Marina and the Diamonds volta a ter um alinhamento tão equilibrado como o da estreia. Mas enquanto os altos superarem os baixos, como acontece ao longo destas doze canções, valerá a pena continuar a acompanhar uma das melhores revelações da pop dos últimos anos.
@Gonçalo Sá
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