Algumas horas passadas após a atuação de Dean Blunt no Lux Frágil, ainda está a ser difícil digerir ou processar o rol de acontecimentos testemunhados em cima do palco. Perdoem-nos a incerteza na escrita, mas a “culpa” é da complexidade do concerto deste artista britânico do qual pouco sabemos, já que a capa do disco acaba por ser o melhor reflexo de Dean Blunt. Uma coisa é garantida: é um artista que faz questão de nos deixar no escuro, literal e figurativamente, e que gosta de testar limites.

Ao descer as escadas para a sala de concertos do Lux, a luz e as cores vibrantes do piso superior, onde aguardávamos, desvaneceram subitamente, para dar lugar a uma sala iluminada apenas pela luz da vitrine do bar, fazendo com que fosse fácil esbarrar com pessoas e não identificar quem estava próximo de nós. Durante os dez minutos com som de chuva a cair, foi possível ouvir uma gravação repetida até à exaustão. Em linguística, a redundância é utilizada como forma de fazer passar uma mensagem de forma eficaz, para que seja entendida corretamente e sem ruído algum. Contudo, tal pode acabar por ter um efeito perverso, como foi o caso, sendo que, da frase em questão, apenas ficou algo como “The white man....over and over again”.

“50 cent” foi o primeiro tema ouvido do disco, com o palco envolto na penumbra e apenas um foco vermelho, ténue, a incidir sobre Dean Blunt, que vagueava, fugindo das luzes, com o já característico boné da Nike. No palco era apenas possível distinguir a guitarrista e o vulto do segurança que acompanha sempre o músico em palco. Visualmente, o concerto pode ser comprado a um espectáculo de Teatro Negro de Praga, com elementos a aparecerem e a desaparecerem por entre o negrume do palco e consoante as entradas em cena. Em “X”, por exemplo, apercebemo-nos da presença de alguém ao piano, em palco, vislumbrando as teclas brancas, iluminadas por uma parca luz roxa. Já em “Forever”, o mesmo aconteceu com o saxofone, tocado de forma estridente. Não esquecendo as mãos do segurança que, a dada altura, cruzadas, pareciam até levitar.

Pelo meio, sons de derrocadas e muito ruído de fundo, numa composição que tem tanto de bizarra como de detalhada. No conjunto, tudo faz sentido, até os strobes fulminantes que emergem durante a ritmada “Mersh”. Dean Blunt, um artista reservado, que não quer ser visto, apenas ouvido, procura tecer para o seu público uma teia sensorial, a nível auditivo, visual, táctil e olfactivo, que nos faz levar as mãos à cara, aos ouvidos e até dançar pelo meio. Enquanto isso, através de diferentes sonoridades, traz-nos a calma, o desespero, a agonia e até a dor, veste o experimentalismo enquanto essência, dando uns toques no free jazz, piscando o olho ao rap e de mãos dadas com um formato de música mais acessível no género. No final, a sensação que passamos, simultaneamente, por um “castigo” de strobes intensos e sons estridentes, no limite do que se consegue tolerar, e por um dos concertos mais peculiares e incríveis que vimos nos últimos tempos.

Texto: Rita Bernardo

Fotografias: Nuno Bernardo