Faltavam dez minutos para a meia-noite quando o fundador/ex-membro dos X-ecutioners ocupou os pratos da sala principal. Responsável pelo aquecimento da plateia, que ainda só enchia metade do espaço, Rob Swift foi intercalando breaks de funk com vários samples clássicos de hip hop, passando por Public Enemy, LL cool J e Miss Elliot,entre outros.Ao longo de todo o espetáculo, foi acompanhado pela projeção do seu mais recente DVD, "DJ Rob Swift, Live! The Documented Movement”, realizado por Rodolfo Duran.

As clareiras na pista foram-se preenchendo e a sintonia com o público aumentava a cada segundo, tendo, para isso, contribuído a classe com que foi «partindo» cada vinil. Era indiferente se estava de costas voltadas para o público ou se colocava as mãos entre as pernas - a verdade é que, em cada scratch, manteve sempre a fasquia elevada. Rob Swift apresentou-se como condimento perfeito para aquecer a plateia, agradeceu em inglês, espanhol e português, e ainda «apadrinhou» os movimentos de alguns b-boys que animavam o solo do Hard Club.

Depois de um curto intervalo, os elementos do coletivo dealemático entraram individualmente em palco, à medida que debitavam a sua parte correspondente da letra "A Grande Tribulação" - música que dá nome ao mais recente álbum dos Dealema.

Depois de "Dealema"(2003), "O V Império"(2008) e o EP "Arte de Viver"(2010), "A grande Tribulação" surge de mãos dadas com a contemporaneidade. Ou seja, é um retrato dos tempos controversos, não só em Portugal, mas em quase todo o mundo, onde, a cada dia, cada vez mais seres humanos vão, inconscientemente, perdendo a identidade. O disco capta precisamente esta aura - cenários negros e obscuros, carregados por baixos/graves muito densos, com breves salpicos de esperança (em A última criança) e de recordação (em Tempos de Miudo).

Durante quase uma hora, os Dealema apresentaram os temas do novodisco, com Ex-peão a afirmar que o álbum é de "digestão difícil", na medida em que aborda temas delicados, e que, esteticamente, foge um pouco ao registo dos primeiros discos. Mas a única dificuldade assinalável ao longo de toda a noite foi mesmo a de recuperar o fôlego, porque, mesmo não conhecendo a totalidade das músicas, o público reagia sempre, ora com palmas, que acompanharam o refrão em A fonte, ora com gestos, e com um ou outro apontamento ténue de crowdsurfing.

Algures entre a segunda e a terceira música, MC Mundo interrompe por breves instantes a performance do grupo, para informar que naquela noite tinha sido batido o recorde de assistência numa festa de hip-hop no Hard Club.

Destaque para Verdade ou Consequência e Última Criança - temas que já rodam há alguns dias na Internet e que promoveram total sintonia com o público. Depois desta apresentação, ainda houve espaço para uma série de clássicos, com Bófiafobia (refrão cantado quase exclusivamente pelo público) a engatar diretamente em Sala 101, Mais uma sessão e Família Malícia. Por esta altura, já pingava suor do teto - consequência da casa cheia e das boas vibrações que se fizeram sentir ao longo de toda a noite.

Ace (Mind da Gap) e Ana surgiram como únicas participações durante o espetáculo, respetivamente em Tempos de miúdo e Nada dura para sempre. No primeiro caso pôde comprovar-se a forte cumplicidade que ainda há entre o veterano dos Mind da Gap e os membros de Dealema.

Mundo, Maze, Ex-peão, Fuse e DJ Guze estiveram a um nível soberbo. Maze afirma na faixa Pentágono que, em 1996, fez, juntamente com os seus colegas, uma obra prima, numa clara alusão à maqueta Expresso do Submundo. De facto, são quase 16 anos a fazer obras primas, em espetáculos ao vivo ou nos álbuns. Os Dealema afirmam-se cada vez como uma banda fiel aos seus princípios, conquistando uma base de fãs e amigos cada vez mais solidificada. Há um reconhecimento à banda pela música que faz e ao público pelo apoio ao longo destes 15 anos. Ele é, sem dúvida, o pilar onde assenta o pentágono.

A última música quase implodiu o antigo mercado Ferreira Borges. Os baixos carregados mas igualmente sublimes, aperfeiçoados por Jonathan, que também participa na pós-produção do álbum, fizeram, literalmente, vibrar toda a estrutura do edifício.

Passados quinze minutos da atuação dos Dealema, era vez de Nach pisar pela primeira vez o solo da Invicta. O concerto começou às 03h30, e, embora a hora seja mais apropriada para «clubbing», o público aderiu de forma fantástica ao concerto. O propósito desta mini digressão foi, principalmente, divulgar o seu último álbum, "Mejor que el silencio" (2011), que conta com uma mescla de participações muito interessante, desde Talib Kweli (EUA) a Akhenaton (FR),passando pelaconterrânea Woiza.

Apesar deste rol de participações, Nach surge no Hard Club num formato clássico: um DJ e dois Mc´s. Durante o concerto, cada um dos intervenientes no palco foi assumindo diferentes papéis. Os MC´s de apoio interpretaram temas a solo, e o próprio Dj Joakin revelou um manancial de potencialidades que extravasaram bastante a suposta atividade de DJ. Viu-se Joakin, no solo, a fazer "Windmills", como se tivesse sido b-boy toda a vida, viu-se Joakin a dominar a arte do "beatbox" e ainda a solo, numa curta sessão de turntablism. Estes fatores revelam bastante do carácter de Nach, que, apesar de ser a atração principal, transpirou humildade, acabando por oferecer versatilidade e mais divertimento ao espetáculo.

O público sabia a maioria das letras de cor, deixando o rapper desconcertado, respondendo sucessivamente com "Ya lo sabéis!", e criando uma empatia mágica com todos, chegando mesmo a abandonar o palco para cantar um tema no meio da multidão.

Há aqueles artistas que sentimos que cumprem o seu papel durante os concertos. São artistas profissionais e fazem valer o dinheiro gasto no bilhete. Nach foi isto e muito mais, foi profissional, não falhou e, embora tenha começado tímido, foi avançando e conquistando o respeito e carinho do público. Mundo já o tinha prevenido que o público do Porto era especial e fez um apelo à plateia durante o concerto dos Dealema, para que esta recebesse Nach no estilo típico nortenho. E assim foi, até depois das cinco da manhã.

Texto: Miguel Solasi

Fotografias: Ricardo Almeida