Menos de uma hora depois do Primeiro-Ministro da Lusitânia ter decidido colocar a governação em trespasse, abrindo a porta de São Bento à entrada do FMI, do FBI e, quem sabe, também da AMI, o Coliseu dos Recreios celebrava a vida e a música com os australianos Cut Copy.

Apesar de nados e criados no país dos cangurus, os Cut Copy representam aquilo que de melhor a música de terras de sua majestade nos tem oferecido nas últimas três décadas, tecendo uma pop electrónica que bebe tanto na irreverência punk como no espírito rave dos anos noventa, num estilo original que só aos Cut Copy pertence.

Em cerca de hora e meia de concerto os australianos levaram-nos ao êxtase com uma bem ilustrada enciclopédia musical, onde o apelo à dança foi recebido de braços abertos (e no ar) e corpos com vontade de rebuliço.

Where I`m Going fez-nos pensar nos tempos em que os Beatles se apaixonaram pela Índia e nos presentearam com o magnífico “Revolver”; So Haunted foi um bilhete de apenas ida entre a capital do punk fervilhante e a vila costeira do doce psicadelismo; Corner of the Sky, um dos grandes temas do novo “Zonoscope”, mostrou que o espírito da noite era o de invocar os deuses da rave, transportando-nos para os loucos anos 1990 onde Manchester se transfigurou em Madchester e se assumiu clandestinamente como a cidade mundial da boa vida (ou da má, se preferirem); Lights and Music, já um clássico, viu o Coliseu em delírio absoluto num salto colectivo ininterrupto; Take me Over serviu para trazer a pulsação a um nível mais estável, num passeio solarengo pelas belas praias australianas; Pharaoes and Pyramids é a herança dos New Order trazida para um armazém abandonado onde acontece uma rave grandiosa entre sorrisos de perder de vista; Saturdays, uma das mais tranquilas músicas de “In Ghost Colours”, recebeu um tratamento a la Benny Benassi, uma espécie de «carrinhos de choque» com algum nível; Hearts on Fire, o outro grande clássico a par de Lights and Music, foi a derradeira faísca para que o espírito rave tomasse definitivamente conta dos presentes numa indução à dança; Sun God, outro fantástico tema de “Zonoscope”, trouxe-nos os teclados metálicos dos Depeche Mode carregados com a insanidade desregrada dos míticos Happy Mondays.

O encore foi servido com o apelo romântico de Need you Now e o enérgico Out There On The Ice Age, o derradeiro momento de loucura a que se seguiram os agradecimentos da ordem e as promessas que os amantes fazem quando cercados pela felicidade.

Regressámos depois às ruas de Lisboa e a um país que até a tanga já rasgou, certos de que com a música conseguiremos ultrapassar qualquer catástrofe.

Pedro Miguel Silva