Ansioso pela atuação de Bon Iver, o público não soube poupar o cantautor da sua impaciência, tendo sido o burburinho das conversas um barulho de fundo que se prolongou durante toda a primeira parte. Num exercício de teimosia, o músico ainda foi tentando um pouco das estratégias habituais, desde os elogios à cidade, à tentativa de pôr o povo a cantarolar a palavra “sometimes” (Climbing High Mountains), conseguindo captar algumas atenções, mas por pouco tempo.
O maior aplauso só não foi aquele que anunciou a sua saída porque Justin Vernon, o homem que todos queriam ver e ouvir, o referiu, mais tarde, como um dos seres humanos mais especiais que teve o prazer de conhecer, suscitando assim uma reação bem mais acalorada que aquelas motivadas pelo folk de Sam Amidon.
Ganha à partida, a noite a cargo de Bon Iver (designação que abrange Justin Vernon, os instrumentistas que entretanto se lhe juntaram, e todos os elementos da sua equipa, a quem fez questão de agradecer) iniciou-se num clima de euforia prévia, adensado ao primeiro tema, com os tambores rufados de Perth, efoi-se alastrando até à catarse, com o crescendo de repetições a acabar em distorção e alguma gritariaem The Wolves (Act I And II).
Apesar do cenário facilmente aludir às montanhas, deixando no ar a ideia de “For Emma, Forever Ago” (2008), gravado numa cabana no Wisconsin, o concerto centrou-se no mais recente disco homónimo da banda, lançado em 2011, e nos arranjos luminosos de texturas cheias enaltecidos pelos jogos de luz. Concordantes com as melodias, estes ora foram refletidos nas redes pendentes do teto, no acompanhamento de alguns devaneios instrumentais, ora como que a sublinhar um certo intimismo dotado pelas inúmeras lâmpadas dispostas em palco, a fazerem lembrar candelabros.
O interregno ao segundo disco de originais fez-se com Blood Bank, doEP com o mesmo nome, a ditar o retorno à montanha de exorcização das mágoas de amor,com Skinny Love ao volante num coro partilhado entre a plateia, as bancadas e os camarotes do Coliseu do Porto, incapaz de deixar quem quer que fosse por arrepiar. Como Portugal é um país cheio de história -o que, de acordo com o vocalista, “é uma coisa fixe” -,seguiu-se uma instropeção pela história individual de Justin Vernon, e a lição de que as coisas boas podem acontecer, desde que nos saibamos deixar permear. Um “momento abençoado” que levou a re: Stacks, a dar lugar a uma versão demolidora de Ceature Fear, de falsetes abandonados na introdução.
De volta a 2011, embora Beth/Rest nas incursões pelos anos 80 quase fizesse pensar que não, também com Calgary se fez o fecho da primeira parte.
Para o encore, Justin Vernon Who is It, tema roubado a Björk, com Reginald Pace a assumir o beatbox, a surpreender alguns dos presentes. Mas a apoteose, claro, como já foi revelado, consagrou-se na rotina de crescendos do verso “what might have been lost”, de Wolves (Act I And II), prática recorrente nas atuações de Bon Iver, a estrear-se no Porto, e a terminar num pranto de gritaria, assobios e palmas, a sobrepor-se ao entrosar desenfreado dos instrumentos da dezena de músicos que tomou conta do palco.
“Incendiário”, conclui Justin Vernon. Tal como hão de ter ficado os corações, no fim desta noite, na companhia de Bon Iver.
Texto: Ariana Ferreira
Fotografias: Filipa Oliveira
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