María Nieves Rebolledo Vila lembra-se de fazer música "desde sempre", mas muitos só a conheceram quando, enquanto Bebe, editou em 2004 "Pafuera Telarañas", disco de estreia que não passou despercebido fora de portas: através dele, a sua autora ganhou, por exemplo, o Grammy Latino de Melhor Novo Artista e foi nomeada para outros quatro.

Ainda assim, o sucesso internacional não lhe bateu à porta de forma tão forte ou rápida como poderia: "Y.", o segundo álbum, só viu a luz do dia cinco anos depois. Esse hiato, certamente longo e até impensável para muitas aspirantes a estrelas, não causa estranheza a uma cantora sem feitio para aceitar muitos dos códigos da indústria musical. Não cede, por exemplo, à "obrigação de construir uma discografia" e na conferência de imprensa de apresentação de "Un Pokito de Rocanrol", depois de uma atuação em Madrid, fez questão de ser politicamente incorreta com os jornalistas (resultado: despoletou mais notícias pelas suas declarações, consideradas insultuosas, do que pelo concerto em si).

Na entrevista telefónica ao SAPO Música, contudo, mostrou-se sempre afável e entusiasmada com o novo álbum que, como o título sugere, "tem um espírito muito mais rock n' roll do que os anteriores. Este disco é mais selvagem. Nos outros havia mais melancolia e aqui não há apenas isso". E não há, de facto. Embora "Un Pokito de Rocanrol" surja depois de Bebe ter sido mãe, pouco tem a ver com álbuns em que maternidade equivale a serenidade (ou seja, quem esperar aqui o efeito purificador que um "Ray of Light" teve em Madonna não poderá estar mais enganado).

Um disco parasacudir a melancolia

"Depois de fazer dois discos tão melancólicos, sobretudo o último, apetecia-me voltar a tocar em salas e não tanto em teatros - que são muito bonitos, têm uma atmosfera muito pacífica, mas já o fiz muito. Apetecia-me dançar mais em palco e usar um sentido de humor mais negro, mais marcado", explica. Dançar como em "Me Pintaré", dizemos nós, um dos temas mais fervilhantes e que nos deixa a trautear versos-slogan como "Hoy no pienso pensá" ou "Kiero bailá hasta que se me rompa el cuerpo" (espécie de resposta espanhola ao clássico"Mi cuerpo pide salsa", de Gloria Estefan?).

Em canções como essa, como "Compra/Paga" (retrato de uma sociedade rendida ao capitalismo), "Qué Carajo" (em que dispara palavras ao seu interlocutor) ou "Yo Fumo" (crítica às leis antitabagistas), Bebe mostra uma faceta mais agreste do que nunca, exterminando quaisquer resquícios da tal melancolia dos discos anteriores. Apesar desse nervo, "Un Pokito de Rocanrol" deixa espaço para alguma doçura em "Mi Guapo" (declaração de amor terna, mas não lamechas) ou "K.I.E.R.E.M.E." (onde assuntos do coração voltam a ser abordados num single dinâmico e contagiante, algures entre M.I.A., Santigold e Ebony Bones):

Curiosamente, foi dos ambientes destas últimas canções que os dias das gravações do disco mais se aproximaram. "Gravei o disco com muita tranquilidade. Compus e gravei à noite, não tive dificuldade em concentrar-me e o trabalho foi muito fluido. Encontrei outra maneira de trabalhar, muito divertida e com muita energia, mas concentrada. Até aqui trabalhei praticamente sozinha, mas neste caso, em estúdio, éramos cinco: eu, três músicos e o técnico. Nos outros discos recorri muito a programações e aqui tocamos tudo, este é mais orgânico. Foi muito tranquilo, com muita harmonia, sem qualquer tipo de tensão", recorda-nos.

Afã, a atriz e a cantora

Como um disco leva a outros, a cantora de Valência de Alcântara até nos recomendou alguns dos artistas que tem andado a ouvir: "O Baxter Dury tem um disco brutal, «Happy Soup». Há uma banda espanhola, Pony Bravo, que faz um rock muito interessante. Billie Holliday, claro, mas a música dela já é de cabeceira, não varia conforme a temporada. Das descobertas recentes, destacaria os outros dois".

Além da música, Bebe mantém-se em contato com a sétima arte, universo com que já colaborou tanto na composição para bandas sonoras como enquanto atriz - por cá pudemos vê-la num dos papéis principais do drama "A Educação das Fadas" (2006), de José Luis Cuerda, antes de a vermos ao vivo em dezembro do ano passado, através do festival Mexefest, em Lisboa. "Acho que escrever canções e fazer filmes não têm nada a ver. Ambos veiculam emoções, mas são coisas diferentes. De alguma maneira uma cantora é uma atriz, mas quando componho não interpreto um papel. Um dia poderei jogar com o que estou a fazer, fingir que sou outras pessoas. Mas quando interpreto algo, é real", comenta.

Realista poderá não ser o termo mais apropriado para "Un Pokito de Rocanrol", mas o novo disco de Bebe é, pelo menos, bastante cru. Goste-se ou não, ouvi-lo dificilmente será uma experiência inócua, já que, ao não interpretar ao papel, a cantora se entrega à música para o melhor e para o pior: "Foi algo que sempre fui fazendo e continuei. Nunca precisei de anunciar aos quatro ventos que era isto que queria fazer. Segui esse caminho, hoje faço isto, amanhã logo se vê... Não sei como vai ser o meu futuro [risos]... mas hei de cantar sempre e continuar a fazer música, mesmo que não edite discos". Pois bem, mesmo que não edite mais, este "Un Pokito de Rocanrol" já ninguém nos tira...

@Gonçalo Sá