A indústria pop fechou o palco sobre si próprio e os concertos passaram a ter “tempo limitado”, observa o criador lusoangolano, que contrapõe levando para os espetáculos de Batida a “cangalha toda”: música, amigos, objetos, informação.
Em entrevista à Lusa, Pedro Coquenão frisou que criar sobre a realidade “é inevitável”, a não ser que se opte por ser um artista de “entretenimento da corte”.
Os comuns artistas ouvem “o preconceito, a queixa, a denúncia, a passividade, o conformismo, a revolta” e, mesmo que não queiram, “a música vai sempre refletir” essa realidade, a que se junta o “escapismo” da diversão e da representação. “Eu não me satisfaço só em estar sempre no mundo da lua. Gosto muito, o mundo da lua é muito bonito, mas volta e meia tens de ter os pés na terra também”, explica.
Coquenão dá-se bem com as suas duas metades, Angola e Portugal, mas reconhece um “sentimento territorial” na relação entre os dois países, muito visível nas embaixadas, locais de “má onda”, que parecem sofrer “de uma doença qualquer”.
Parecidos na “mediocridade” – na “preguiça”, na “incompetência” e na “burocracia” –, Pedro Coquenão confessa que gostava que a lusofonia deixasse de ser “um termo ainda muito técnico e pouco celebrado” entre as pessoas que a povoam. “Vamos lá viver isso, vamos lá misturar-nos um bocadinho mais”, apela, aconselhando o português a ir a Angola, garantindo que ficará “mais arejado” e a viver “melhor com a zona do baixo ventre”.
Em Angola, “há certamente coisas que estão a correr bem”, mas ainda prolifera a “poeira no ar”. “Não estou a ver grandes mudanças, há prédios, há betão, há obras faraónicas”, critica, reconhecendo que nada disso é um exclusivo de Angola, mas existe aí de “uma forma muito mais contrastada, desnivelada e injusta”.
Dentro de Angola, o debate é ainda “muito residual” e, portanto, Coquenão prevê que seja difícil mudar por dentro, até porque falta “capacidade de autocrítica”. Mas o crescente número de estrangeiros que procura Angola poderá apoiar uma “grande transformação”, antecipa.
Por outro lado, “se calhar tem havido menos manifestantes, mas se calhar também as coisas saíram mais da rua e estão mais a ser conversadas noutros sítios, inclusive fora do próprio país, acho que houve uma consciência ganha nos últimos dois anos”.
A comunidade internacional mantém-se “espetadora” face ao que se passa em Angola, reconhecendo que “há crimes aqui e há crimes ali”. Mas “o que funciona são os tribunais para acusar um jornalista ativista ou para denunciar um livro porque tem informação a mais ou informação a menos, quando todos os dias os jornais de Angola são obras de ficção, que atentam à dignidade de todas as pessoas”, critica.
O projeto Batida saiu do nicho quando passou a ser editado pela Soundway Records, o que lhe deu projeção internacional, a mesma que editará o próximo disco, previsto para sair em fevereiro, com convidados novos e presenças constantes.
“Num palco muita coisa pode acontecer”, promete Pedro Coquenão, sem previsões para os concertos das Noites Ritual, no Porto (sexta-feira), festival do Crato (sábado) e Festa do Avante!, no Seixal (dia 6 de setembro).
@Lusa
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