Palco Principal – Em 2002, lançaste o teu álbum de estreia a solo, homónimo. Contudo, os teus primeiros passos no mundo da música já haviam sido dadosmuitosanos antes. O que te levou a explorar este mundo?
Armandinho – Primeiro, a família. O meu pai era músico e cantor, e as minhas «vovós», do lado da minha mãe, também cantavam. E eu tinha um problema de fala - ainda hoje tenho -, queera a gagueira. Claro que hoje já não gaguejo tanto, mas, quando era criança, gaguejava muito, e reparei que a música me auxiliava. Quando lia um texto na aula, todos se riam, porque eu gaguejava. Quando reparei que, com a música, não gaguejava, comecei a criar música dentro do meu cérebro e lia pensando naquela música. Então, acabei por tornar-me a atração da aula - escolhia um sucesso da época e lia o texto todo a cantar. Com a música enfrentava os meus colegas no colégio. Também tinha dificuldade em prestar atenção. Quando o tema não era do meu interesse, não conseguiaconcentrar-me e as coisas acabavam por correr mal. Em disciplinas como português ou história, que me interessavam, eu ia muito bem. Nas outras não conseguia ter sucesso, então escrevia música. Entretanto, criei uma banda dentro do colégio, que teve um grande destaque. Foi aí que a minha carreira começou - uma carreira difícil, na medida em que vivia no sul do Brasil, longe dos grande media do Rio de Janeiro e São Paulo. Mais tarde, frequentei dois cursos: um de desporto e outro de publicidade, mas chegou uma altura em que tive que enfrentar a família e dizer à minha mãe que não queria, na verdade, seguir uma carreira tradicional. Isso foi difícil. Aos 18 ou 19 anos saí de casa. Não aguentava mais viver com a minha família. Nessa altura, a minha mãe disse: "Se fores embora, não te dou mais um puto de um tostão". Isso foi um desafio. Comecei a tocar num bar durante a semana, na cidade de Porto Alegre, e o bar começou a encher...
PP – Nessa altura, já tocavas originais teus?
A – Já tocava algumas músicas minhas, sim, mas nesse bar cantava, essencialmente, reggae brasileiro. Cantava Gilberto Gil, Cidade Negra, emúsicas debandas que estavam, na altura,em início de carreira. E, pelo meio, música popular brasileira. Tocava MPB em ritmo reggae, o que tornava as atuações extremamente dançantes. Entretanto, no início dos anos 2000, surgiu uma onda de MPB, com Djavan - uma época boa em que as rádios passavam música popular brasileira de qualidade, com boas letras, sem coisas como "Delícia, delícia, assim você me mata...".
PP – Hoje, vários anos depois, o que significa, para ti, a música?
A – Desde criança que sou muito sentimental, que fico a pensar nas coisas que as pessoas me dizem, por vezes até demais. E, geralmente, dou uma dimensão muito maior a uma palavra ou a uma crítica, e guardo isso dentro de mim. Preciso, de alguma forma, de pôr aquilo para fora e é nisso que a música me ajuda. Tenho músicas alegres, praianas, mas o meu forte é mesmo a música sentimental, música que emociona.
PP – Mudarias alguma coisa no teu percurso como músico?
A – Algumas coisas. Por exemplo, quando gravei o meu trabalho ao vivo, deveria ter sido um pouco menos resistente. Devia ter relaxado e aceitado a forma como a indústria discográfica funciona. Também não saí da editora de uma forma muito simpática, podia ter saído de uma forma melhor, até porque eu não sou como aparentei ser, mas estava bastante nervoso com tudo aquilo, não conseguia ver o meu trabalho a enveredar por um lado diferente daquele que eu queria.
PP – E então criaste a Alba Músic, a tua própria editora, pela qual já editaste um álbum, em 2009, totalmente feito por ti. Foi notório, com a mudança de editora,o aumento da tua liberdade criativa?
A - Sim,mas, acima de tudo,nesse álbum acabei por me redescobrir como guitarrista. Retomei o gosto de tocar guitarra. E hoje, nos espetáculos, toco sempre guitarra!
PP – E a redescoberta da guitarra é bem notória em "Armandinho vol. 5", onde a presença do instrumento é mais óbvia, mais marcante,do que nos seus antecessores.
A - Sim, não é um disco tão leve e tão solto como os anteriores, até porque marca uma fase da minha carreira em que eu não estava bem, em que andava revoltado com algumas coisas. É, sem dúvida, um disco mais forte que os outros. Não é, por assim dizer, tão agradável, mas tem canções que são preciosas. Uma delas é a Amor de Primavera; outra O nosso sexo.
PP – Também pretendes, através de Alba Music, editar outros artistas?
A – Sim, vamos lançar alguns artistas. Um deles é o Joãozinho [João Coyote, guitarrista da banda]. Outro, um «muleque» de 17 anos, Vítor Kley. Um dia vou-me aposentar e ter a editora é uma forma de permanecer perto da música.
PP - Daqui a dez anos, onde esperas estar?
A - Não sei. Com a globalização tudo é possível. No Brasil, sem editora, ninguém me toca nas rádios. É incrível, mas posso dizer que, neste momento, estou a viver momentos muito mais intensos noutros países que não o meu.
PP - E num futuro mais próximo, o que podemos esperar?
A – Um DVD. Gravei-o em Buenos Aires, em dezembro passado, e chega às lojas em julho próximo. Depois, em dezembro, chegará um «lance» de músicas novas.
PP – As novas músicas continuarão a ter cheirinhoa praia?
A - Sim, a praia, o surfsão uma grande inspiração para as minhas músicas. Para mim, o surf não é um hobby, faz parte do meu dia a dia. Durmo com o barulho do mar e a praia é a «pracinha» que eu frequento com a minha família. Mas o que mais me inspira são as pessoas que fazem parte da minha vida. No primeiro e segundo álbum foram retratadas relações de adolescentes. Mais tarde, relações de namoro. Hoje, relações de marido e mulher, às vezes com filhos. Inspiram-me as coisas que eu vejo, sobre as quais converso. São fases da minha vida que são cantadas em músicas. Outra inspiração para mim é a preservação da juventude. Antigamente, as pessoas envelheciam muito cedo. Hoje pretendo mostrar que as pessoas podem ter 40 anos e ter a mentalidade de uma pessoas de 20.
PP – Passaste por Portugal no mês passado, para dois concertos, um dos quais em nome próprio, na Casa da Música, completamente esgotado. Contavaslotar uma das salas dum dos espaços mais emblemáticos do Porto?
A - Não. Aliás, esse concerto nem sequer estava previsto. Supostamente, só ia tocar em Braga. Mas, entretanto, o Fernando entrou em contacto connosco e disse que tinha um espaço disponível para tocarmos, não muito grande, mas muito conceituado. E acabámos por enchê-lo! É um bom sinal - sinal que vamos voltar ao Porto, que adorei conhecer. Adorei a cidade, as praias...
PP – O alinhamento que escolheste foi, a teu ver,bem recebido pelo público portuense?
A - Nãoescolho asetlist previamente, por norma. Vou sentindo o público e a sua força - e foi isso que aconteceu. Mas claro que tenho os clássicos que toco sempre, são a minha base. Se tirasse a base, os «caras» matavam-me!
Isabel Cortez
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