Palco Principal – Em 2010, já com o reconhecimento do público e da crítica, e após várias «batalhas ganhas» nas redes sociais, onde te deste a conhecer ao mundo da música, estreaste-te nas lides discográficas com o EP “Radian”. Três anos mais tarde, chega-nos “To.get.her”, primeiro longa-duração. O que diferencia os dois registos?

Ana Free – O “Radian” foi lançado como um disco para os fãs, nada de muito oficial… A ideia era ter algum material, uma coisa pequena, para começar a divulgar a minha música. Era importante para mim que os fãs tivessem uma prova física do meu projeto. Mas na altura não estava preparada, nem equipada, para fazer um LP. O “Radian” não foi, por isso, um trabalho que pudesse assumir como primeiro disco - acabou por ser uma coletânea dos êxitos da minha página pessoal no youtube. A partir daí, tudo surgiu de forma muito natural, muito orgânica. E então chegou o primeiro disco. “To.get.her” é um conjunto de vários pontos importantes da minha carreira.

PP – Este intervalo de três anos ajudou, com certeza, a amadureceres o teu processo criativo…

AF – Sim, apesar do disco ter, também, músicas antigas. É como que um agrupar de experiências e épocas da minha vida. De 30 canções, sem contar com as músicas guardadas no baú, dez fizeram parte do alinhamento final. Foi uma escolha difícil e desgastante, pois havia fases importantes da minha vida que queria que fizessem parte do “To.get-her”. Gosto muito, por exemplo, do último tema – Beautiful Goodbye. Acho que é uma música muito sentida, muito especial para mim.

PP – É esta a tua «música de saída»?

AF – É a música de despedida do álbum, uma música que fala de separação – uma coisa pela qual passo pouco mas que, quando acontece, me afeta de uma maneira muito forte. Uma música que precisei de escrever, que tinha que estar neste álbum. Também gosto muito da Sugar Rush, tal como ficou.

PP – A versão final dos temas difere muito das demos apresentadas inicialmente?

AF – A Surrender, por exemplo, tem uma demo completamente diferente do que o que podemos ouvir no álbum. Houve uma dinâmica muito importante e divertida de observar. O Rodrigo [produtor do álbum] fez com que ficasse sem a reconhecer.

PP – Que outras músicas do disco te aquecem o coração?

AF – Gosto da Renegade. É uma das minhas preferidas, pelo tema que tem. Fala de pessoas que já conheceste e que voltas a encontrar anos depois… Daqueles momentos em que pensas: “passei dois ou três anos com alguém e não me lembro de nada”, sabes? Não por mal, mas às vezes parece que não viveste nada disso. Parece que não conheceste certas pessoas, que não tiveste certas amigas, que as mesmas nunca existiram… Isso é uma coisa na qual penso muito – a vida é tão aérea…

PP – Together ou Toget her? Qual das interpretações pretendes que os teus fãs façam ao lerem o título do teu álbum?

AF – O que cada pessoa quiser. Eu costumo dizer Together, devido à forma como o álbum foi feito. Mas há o ponto de vista de To get her também… É um trocadilho! Acaba por confundir um pouco as pessoas e eu gosto muito dessa ideia.

PP – Recorreste, para este álbum, ao crowdfunding. Satisfeita com o resultado?

AF – O crowdfunding foi uma coisa que não procurei. Simplesmente entrou na minha caixa de email, como tantas outras coias. A Pledgemusic, responsável pelas iniciativas de crowdfunding, informou-me sobre essa opção mesmo na altura em que tinha começado a pensar no álbum, na maneira como este poderia ser feito, quando os planos estavam ainda a nascer. Apareceu a proposta e, depois de muitas conversas, o plano foi para a frente. É uma opção que ainda gera um pouco de controvérsia, apesar de haver já muitos artistas independentes – e até alguns artistas de renome – a fazerem isso. Mas ainda há quem ache que, se recorreres a este tipo de opção, é porque és um falhado, sem editora, etc. O mais importante para mim era criar o álbum. Sem isso não ia a lado nenhum.

PP – Precisavas de dez mil euros, mas, com o apoio dos teus fãs, conseguiste angariar quase o dobro e, assim, concluir o teu projeto. Que recompensa atribuIste a quem te apoiou?

AF – A recompensa eram itens virtuais, materiais que, na altura, ainda não existiam, como CDs, t-shirts ou até conversas comigo via skype. Quando o objetivo fosse atingido, iriam ser produzidos todos esses materiais. Funcionou como uma espécie de empréstimo.

PP –A possibilidade de conversar contigo através do skype foi, aliás, um dos «itens» disponibilizados que mais sucesso fez foi . Algum episódio que te tenha marcado especialmente?

AF – Sim, tenho algumas histórias bizarras que aconteceram. Eram garantidas “conversas de meia hora com a Ana Free”, que acabavam sempre por ir até uma hora. Uma pessoa nunca sabe o que está para lá do nickname, embora algumas caras me fossem familiares. Uma vez, um rapaz atendeu a minha chamada e estava sentado na sala, rodeado de guitarras… Houve também quem se tivesse esforçado demais… E, claro, pessoas descontraídas, outras mais tímidas… Gosto de observar a forma como as pessoas interagem, mas sem sempre é fácil orientar uma conversa com alguém que não conheces e que fala pouco.

PP – Também disponibilizaste sessões partilhadas de songwritting. Algum dos temas que compuseste com os fãs poderia vir a fazer parte do alinhamento de um álbum teu?

AF – Sim, certamente. Escrevi com os fãs e as músicas saíram todas bem – não aconteceu nenhum desastre. Gostei muito da última música que escrevi, com um fã francês – o Christian -, sobre um amigo dele que já não está connosco. É uma música forte, profunda. Vejo-a fazer, um dia, parte de um projeto específico. Talvez fosse giro fazer um trabalho só para estas músicas que escrevi com os fãs, onde pudesse encaixá-las todas.

PP – Portugal não é o único mercado a receber “To.get.her”, que também já teve edição em Singapura e na Malásia. Como surgiu a oportunidade de editar noutro continente?

AF – Fui tocar a Singapura e à Malásia e perguntaram-me se queria trabalhar em conjunto com a Warner Ásia. Foi um pouco inesperado, mas, se tudo correr bem, vamos tentar abrir mais portas e fazer os possíveis para editar o disco em mais países do continente asiático. De resto, no passado dia 31 de janeiro, o meu disco saiu no iTunes Internacional.

PP – Como soa a música do teu álbum ao vivo? Manténs a postura das tuas performances acústicas ou adquiriste uma nova?

AF – O disco tem boa energia e ao vivo, então, tem outra vida. Em palco é tudo diferente, é outra coisa, dá vontade de dançar e saltar. Mas também tem uma parte acústica, onde junto os fãs em palco. Acho que, ao vivo, certas coisas acabam por ser melhores do que no disco porque posso inventar mais, adicionar elementos visuais, jogar com as luzes, com os vídeos e tudo isso. Não sei se sou um animal de palco, mas há momentos em que uma pessoa fica mesmo possuída pela música.

PP – Vives em Londres, longe da tua casa, em Cascais. Como lidas com a distância de Portugal?

AF – O que me faz mais falta é a sensação familiar de estar cá em Portugal, poder agarrar no carro e saber para onde vou, saber que já conheço estas coisas há anos e anos. É natural, confortável. Conheceres o teu país, saberes onde são as coisas, como é que te sentes, o que deves esperar, onde é que vais buscar algo que precises… As coisas pequeninas fazem a diferença: a comida, o sol, a luz… Mesmo podendo estar em lugares lindos e diferentes, casa é casa. A sensação de fechar os olhos e poder andar pela minha casa, pelo meu quarto, conhecer todos os recantos, saber onde vou parar…

PP – Qual seria a tua dica para um artista que possa estar a começar agora a sua carreira, numa dinâmica «do it yourself»?

AF – Prestar atenção à sua presença online. Claro que tudo depende do tipo de música que se faz… Se quiser fazer música como a minha, mais pop, pode mesmo apostar na cena online, criar uma página no youtube, ter tudo direitinho. Esforça-te – a preguiça não te vai levar a lado nenhum! Esforça-te um bocadinho na maneira como te apresentas, na forma como transmites as coisas…

PP – Até que ponto a imagem é um fator que faz evoluir uma carreira na música?

AF – A imagem é importante até certo ponto. Define muito, especialmente quando se tem um projeto maior e se quer ir mais longe. Tem que se conseguir conciliar o lado artístico e tentar estar presente naquilo que se quer mostrar. Hoje em dia, há muito «barulho» em termos de música, por causa das novas tecnologias. A atenção das pessoas é mínima, portanto há que ser consistente.

Sara Fidalgo