Se Gene Wilder tivesse estado ontem à noite no Casino de Tróia e posto os olhos em Mayra Andrade, provavelmente hoje acordaria cedo e iria bater à porta de muito boa produtora para apresentar o projecto de um moderno remake para “The Woman in Red”.
Com um vestido vermelho habitado por folhos sobrepostos, Mayra foi rainha e sereia, levando-nos numa viagem musical cantada em crioulo, português, francês, espanhol e inglês, no dia em que a Lusitânia celebrou o dia de Portugal, de Camões e das muitas Comunidades espalhadas por este mundo fora.
“Dimonkasa” abriu a vistosa caixa musical, lembrando-nos de que viver numa democracia, mesmo com todos os seus pequenos e não tão pequenos, é um imenso luxo.
“Tchapu na Bandera”, jazz erudito com sabor a África, trouxe a areia e a praia para dentro do Casino, e toda a sensualidade e erotismo que Mayra transporta dentro de si.
Em “Storia, Storia” a sua voz corre livre como uma criança a caminho de um mergulho nas ondas.
Em “Seu” a música cresce, a voz de Mayra solta-se num improviso e então somos levados nas mãos de um free jazz com ares de erudição rumo a um deserto habitado por índios.
De mão na anca e fazendo desenhos no ar com gestos que contam histórias, “Kenha Ki Bem Ki Ta Bai” traz as primeiras palmas do público e, aí, começamos a questionar-nos se a festa não pode ser levada lá para fora e ser feita num areal cercado de rio e mar.
Em “Tunuka” o perfume de São Tomé entra-nos pelas narinas, e há casais que dançam na penumbra ao som de uma canção que seria a imagem sonora perfeita para um western rodado nas paisagens quentes africanas.
“Comme S`il en Pleuvait” leva-nos a territórios franceses numa fusão de estilos para, não satisfeitos com tão curta viagem, atravessarmos o canal da mancha para nos deliciarmos com a versão de Mayra para a beatliana “Michelle Ma Belle”.
Há ainda tempo para uma dedicatória ao Dia de Portugal e para que o público cante com ela. Afinal, “não é preciso saber cantar. É ter coração e força de vontade”.
Quando Mayra nos sussurra em francês, não podemos deixar de pensar que Carla Bruni e Charlotte Gainsbourg são apenas uma amostra em ponto pequeno desta voz colossal, que até poderia cantar em chinês e ainda assim fazer-nos chorar, rir e planar.
De pé, o público aplaude e agradece o passeio musical à volta do globo no dia em que celebrámos este imenso país. Esta miúda não vai ser grande. Já o é, e há muito.
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