“Quem tem medo de Zurita de Oliveira?” é o título-pergunta que Francisca Marvão faz nesta longa-metragem, entre o documentário e a ficção, para descobrir a vida desta artista portuguesa e questionar sobre visibilidade de outras mulheres no panorama artístico.
“Decidi meter esse título como uma provocação e pensando que todas estas mulheres poderão ser Zuritas. Porquê apagar as mulheres na História? (…) Depois de tudo o que se está passar e daquilo que nos espera, principalmente ao nível de retrocesso nos direitos que as mulheres devem ter, acho que isso é um ‘statement’ e uma afirmação”, disse a realizadora à agência Lusa.
Zurita de Oliveira, que morreu em 2015 aos 83 anos, é considerada a primeira mulher portuguesa a escrever, cantar e gravar uma música rock, intitulada “O bonitão do rock”, editada num EP em 1960.
Isto aconteceu num tempo em que os ritmos do rock davam os primeiros passos em Portugal e no ano em que Daniel Bacelar e Os Conchas repartiram protagonismo no EP “Caloiros da Canção n.1”, que é sempre apresentado como o primeiro disco de rock n’roll português.
“Queria perceber quem era a pessoa, de onde vem. Foi a primeira pessoa, nos anos 1960, a criar um conjunto misto, com três mulheres e três homens. Mas [neste conjunto] ela não cantava, só tocava guitarra e fazia solos de guitarra elétrica, que era uma coisa muito rara ver, uma mulher a fazer isso na altura”, contou Francisca Marvão.
Zurita de Oliveira, que nasceu em Alcanena, Santarém, numa família de artistas – a avó tinha uma companhia de teatro, o meio irmão era o ator Camilo de Oliveira – não voltaria a gravar um EP, mas continuou a trabalhar, como compositora e atriz, só que é praticamente desconhecida dos portugueses.
Francisca Marvão explica que soube da existência de Zurita de Oliveira quando fez o documentário “Ela é uma música” (2019), que conta a história, e histórias, de mulheres portuguesas no rock desde os anos 1950 até à atualidade.
Este novo filme faz a ponte com aquele, como mais um contributo para dar visibilidade às mulheres no mundo artístico.
“É uma discussão constante, os anos passam e constantemente ainda esta discussão. Com este filme queremos quebrar um bocadinho isto e queremos dar palco a mulheres artistas”, sublinhou Francisca Marvão.
O trabalho de pesquisa foi dificultado pela escassa informação de arquivo disponível e raros registos de Zurita de Oliveira, uma figura misteriosa, disse Francisca Marvão. “Não deixou herdeiros. Falei com a sobrinha. Não há nada, não há espólio. A Zurita gravava ensaios, mas perdeu-se tudo. Não há”, lamentou.
“Consegui falar com a família, saber de onde vinha, consegui perceber a dinâmica de ensaios e concertos. Falei com a Ada de Castro, porque elas eram amigas e escreveu vários fados para ela. Encontrei alguns músicos que tocaram com ela”, elencou a realizadora.
Além de Ada de Castro, que tem 86 anos, no filme participam ainda o investigador João Carlos Callixto, que chegou a entrevistar Zurita de Oliveira, e várias mulheres da música portuguesa, entre as quais A Garota Não.
“A Zurita deixou várias letras inéditas que não estão datadas e eu decidi pegar nessas letras e convidar várias artistas músicas, com base na letra, a comporem e a tocarem. Vai de artistas que não são minimamente conhecidas no circuito comercial a artistas que estão no ‘mainstream’. A minha ideia é ter vários géneros musicais”, explicou Francisca Marvão.
“Quem tem medo de Zurita de Oliveira” é uma produção independente da Uma Ova Associação, cofundada por Francisca Marvão, e contou com um contributo financeiro das autarquias de Loulé e Alcanena, e de recolha de fundos, nomeadamente por ‘crowdfunding’.
No passado dia 16 houve uma festa de angariação de fundos na Sociedade Musical União Paredense, em Cascais, com a participação de várias artistas e possivelmente haverá outra ação semelhante, porque faltam cerca de 2.000 euros para concluir o filme.
“Falta edição, correção de cor, trabalho de som”, disse a realizadora, que conta ter o filme pronto a estrear-se num festival em 2025, quando passarem dez anos da morte da artista.
Além deste filme sobre Zurita de Oliveira, Francisca Marvão tem em mãos, em fase de montagem, o documentário “Guardiãs do nascimento”, que deverá estrear-se ainda este ano.
Este filme “tem a ver com partos humanizados e vamos falar de esse tipo de questões, sobre violência obstétrica. Falámos com profissionais de saúde, obstetras, enfermeiras, doulas, parteiras. Queremos que seja um espaço de reflexão e informativo”, disse.
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