Há 25 anos, Park Chan-wook era um realizador desperado que arriscou a prisão para fazer um filme sobre a amizade improvável entre soldados norte-coreanos e sul-coreanos, conquistando as bilheteiras e lançando os seus atores para um estrelato global.

Desde então, as relações entre as duas Coreias afundaram-se, com Pyongyang a renunciar ao seu antigo objetivo de unificação e destruindo na semana passada um local que tradicionalmente acolheu reuniões de famílias separadas por décadas de divisões.

Park diz que ainda tem ressonância um quarto de século depois o seu grande sucesso "Joint Security Area", conhecido principalmente por "JSA" [Área de Segurança Conjunta].

“É uma triste realidade que os temas deste filme ainda ressoem na geração mais jovem”, disse aos jornalistas este mês em Seul, a capital a Coreia do Sul.

E ao lado dos seus atores, acrescentou: "Quando chegar o 50.º aniversário, espero que possamos discutir isto apenas como uma história do passado."

Park Chan-wook ao centro, com os atores Lee Byung-hun, Lee Young-ae, Kim Tae-woo e Song Kang-ho a 4 de fevereiro de 2025

O filme é amplamente considerado uma obra-prima do cinema sul-coreano e os seus atores lançaram-se para maiores sucessos, incluindo Lee Byung-hun, protagonista de “Squid Game”, e Song Kang-ho, do vencedor dos Óscares "Parasitas".

Mas quando decidiu fazê-lo, Park – hoje mais conhecido pelo 'thriller de ação' “Oldboy” e pele misteriosa história de amor “Decisão de Partir” – estava longe de ser um realizador proeminente. As suas duas primeiras longas-metragens fracassaram.

Desesperado pelo sucesso, Park mergulhou num dos temas mais delicados: a divisão da península coreana, que já dura há décadas.

Na altura, Park temia que a sua história de ligação inter-coreana pudesse entrar em conflito com as leis que proíbem a 'glorificação' do Norte governado pelos comunistas.

“Nós preparámo-nos” para a perspectiva de ser presos, disse aos jornalistas.

Sucesso gigantesco

Mas a história estava do seu lado.

Três meses antes da estreia em Setembro de 2000, o então presidente sul-coreano Kim Dae-jung realizou uma cimeira histórica com o seu homólogo norte-coreano Kim Jong Il em Pyongyang.

Tendo como pano de fundo essa reconciliação, “JSA” conquistou quase todos os prémios de cinema nacionais naquele ano. Também esteve na seleção oficial do Festival de Cinema de Berlim e tornou-se o maior sucesso de bilheteira da Coreia do Sul até à época.

Lee Byung-hun, hoje uma das maiores estrelas do seu país, disse que ficou tão entusiasmado com o sucesso que assistiu ao filme 40 vezes nos cinemas para ver as reações do público.

A imprensa local até deu conta que Kim Jong Il – um conhecido cinéfilo – tinha visto o filme.

Inédito nos cinemas portugueses mas que se chamou "Zona de Risco" no Brasil, o filme passa-se na Área de Segurança Conjunta localizada dentro da Zona Desmilitarizada (conhecida pela sigla inglesa DMZ), a faixa de terra de 250 quilómetros de extensão e quatro de largura que divide a península coreana, a 'última fronteira da Guerra Fria'.

É uma das áreas mais fortificadas do planeta – e o único lugar onde os soldados do Norte e do Sul ficam frente a frente.

O trágico filme conta a história de amizades secretas que se formam após dois soldados norte-coreanos ajudarem um soldado sul-coreano que acidentalmente pisa numa mina terrestre, levando-os a conviverem tendo em conta a música pop sul-coreana e sobremesas de chocolate.

Quebrar uma barreira

"Antes da 'JSA', retratar os soldados norte-coreanos no cinema sul-coreano era considerado um tabu", disse à agência France-Presse (AFP) Nam Dong-chul, crítico de cinema e programador-chefe do Festival Internacional de Cinema de Busan.

“Este filme quebrou essa barreira ao retratar soldados norte-coreanos normais e com quem era fácil sentir algo em comum”, recordou.

“Ao mesmo tempo, foi um 'blockbuster' de sucesso e bem feito, marcando um avanço significativo na história do cinema coreano.”

O Presidente dos EUA e o líder norte-coreano, Kim Jong-un caminham para a Coreia do Sul

Desde então, a Coreia do Sul estabeleceu-se como uma potência cultural global.

Alguns atribuem a "JSA" ter lançado as bases.

O filme foi uma 'força matriz por trás da criação de filmes na indústria cinematográfica coreana que combinam a visão artística do realizador com a viabilidade comercial”, disse Jerry Kyoungboum Ko, responsável pela área de cinema no CJ ENM, o estúdio sul-coreano que distribuiu o filme.

Desde então, a verdadeira Área de Segurança Conjunta tem sido um local de reconciliação e tragédia.

Foi lá que, em 2018, o líder norte-coreano Kim Jong Un reuniu-se com o então presidente sul-coreano Moon Jae-in.

No ano seguinte, Kim também apertou a mão do presidente dos EUA, Donald Trump, do outro lado da linha divisória.

Mas também foi ali que soldados norte-coreanos abrirem fogo durante a deserção de um dos seus camaradas em 2017.

E em 2023, as tropas foram rearmadas em ambos os lados da JSA, violando um pacto militar inter-coreano assinado em tempos mais otimistas.

Park diz que muitas vezes lhe perguntam, quando o filme é exibido no estrangeiro, se foi filmado na verdadeira JSA, também conhecida como Panmunjom.

“Respondo sempre que este filme poderia não ter sido necessário de todo se pudéssemos ter filmado no verdadeiro local", conclui.