No filme, produção da Terratreme que tem estreia mundial esta semana no programa Fórum do festival de Berlim, Susana Nobre recupera a história de um homem que conheceu há mais de dez anos, quando trabalhou como profissional de validação de competências no programa de formação Novas Oportunidades, no concelho de Vila Franca de Xira.
A experiência nesse trabalho, no qual ouviu o percurso de vida de dezenas de pessoas, resultou no documentário "Vida Ativa", de 2013, e na curta-metragem "Provas, exorcismos" (2015), mas muitas outras histórias ficaram de fora.
No começo de "No Táxi do Jack", Susana Nobre reconstitui os momentos em que, atrás de uma secretária e munida de uma câmara de filmar, foi registando as entrevistas para aquele programa de formação, e apresenta uma dessas histórias que deixou para trás, a de Joaquim Calçada.
Antigo mecânico de aviões, emigrou para os Estados Unidos anos antes da revolução de Abril, tendo sido sobretudo motorista de táxis e limusinas, e só voltou a Portugal vinte anos depois, para Alhandra (Vila Franca de Xira), à beira de se reformar.
Para não perder benefícios a caminho da reforma, inscreveu-se no centro Novas Oportunidades e foi aí que conheceu Susana Nobre.
Perante uma figura "um pouco excêntrica, americanizada", cheia de histórias "muito, muito fabulosas" sobre a vida nos Estados Unidos, e com um espírito de aventura e empreendedorismo, Susana Nobre encontrou em ‘Jack’ matéria para um novo filme.
"Eram todas as histórias da América, a complexidade moral que eu achava muito interessante. Era tão solidário com as pessoas à volta dele, que é uma coisa que vem da experiência de emigrante, mas também um instinto de sobrevivência, de ter que se manter à tona. O filme sugeria-me logo esta ideia, de poder fazer um filme entre duas geografias completamente diferente, Alhandra e Nova Iorque", disse a realizadora.
No filme, que entrelaça elementos de documentário e ficção, Susana Nobre segue Joaquim Calçada num périplo de empresa em empresa em busca de carimbos para certificar que está à procura de emprego nos meses que lhe faltam para a reforma.
Ao mesmo tempo, recorda a chegada aos Estados Unidos, como se tornou taxista em Nova Iorque e aprendeu mentalmente o mapa social e económico citadino, e como compreendeu as mudanças económicas da cidade, como motorista de limusina.
"Há uma comunicação dos tempos. As crises da bolsa que ele assistiu, sobre os negócios comemorados na limusina, isso também tem a ver connosco", explicou Susana Nobre.
Com "No Táxi do Jack", é a terceira vez que Susana Nobre filma a paisagem industrializada e fabril de Vila Franca de Xira, encaixada entre o rio Tejo e zonas rurais e atravessada por uma linha de comboio.
O filme, rodado na primavera de 2019, pouco ou nada tem de Nova Iorque, exceto um plano em movimento, que atravessa a esquadria de prédios e alcatrão da cidade, e que cita uma curta-metragem do documentarista francês Raymond Depardon.
"No Táxi do Jack" estreia-se em Berlim numa altura em que Susana Nobre trabalha numa nova longa-metragem, que tem por título "Cidade Rabat", e a produtora Terratreme - tal como grande parte do setor do cinema - está em compasso de espera por causa da pandemia da COVID-19.
"É possível trabalhar, de uma forma muito mais lenta, com maior insegurança. Tivemos que adiar uma série de filmes, do ponto de vista da rodagem, e vamos ter na segunda metade deste ano um acumular de trabalho que já devia ter sido feito", disse.
A 71.ª edição do Festival de Cinema de Berlim decorrerá em dois momentos, numa tentativa de adaptação à situação global da COVID-19: Esta semana, entre segunda e sexta-feira, acontecerá um evento da indústria, em formato online, para profissionais do setor, júris e imprensa especializada, e entre 9 e 20 de junho a programação será para o público.
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