Hollywood vai "fechar": o Sindicato dos Atores (SAG-AFTRA) anunciou a primeira greve da organização em conferência de imprensa esta quinta-feira ao meio-dia em Los Angeles.

A associação, que representa 160 mil artistas do cinema e da televisão, anunciou a decisão esperada, a primeira desde 1980, após o fracasso das negociações contratuais com os estúdios: será uma "dupla-greve", já que o sindicato dos argumentistas começou a sua luta laboral a 2 de maio.

A 6 de junho, 97.91% dos membros do SAG-AFTRA tinham votado a favor da autorização para o seu comité nacional decretar a greve caso fracassassem as negociações com a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP), a organização que representa os grandes estúdios e plataformas de Hollywood, como Disney, NBCUniversal, Paramount, Sony, Warner Bros. Discovery, Netflix, Amazon e Apple.

"Foi com muita tristeza que chegámos a esta encruzilhada, mas não tivemos escolha. Nós somos as vítimas aqui. Estamos a ser vítimas de uma entidade muito gananciosa. Estou chocada com a forma como as pessoas com quem trabalhamos nos estão a tratar. Não posso acreditar em como estamos afastados em tantas coisas [na negociação], como eles alegam pobreza enquanto dão milhões de dólares aos seus diretores executivos. Que vergonha para eles! Estão do lado errado da história!", disse a atriz Fran Drescher, presidente do sindicato.

"Este é um momento histórico. É a hora da verdade", notou, num discurso enérgico para anunciar a convocação de greve.

"Se não fizermos isto agora, vamos ficar todos em apuros. Estaremos ameaçados de sermos substituídos pelas máquinas e os grandes negócios", justificou.

A atriz afirmou que o sindicato entrou nas negociações com otimismo, mas a resposta negativa dos estúdios o colocou "numa encruzilhada".

"Não tínhamos escolha", acrescentou. "Exigimos respeito e sermos honrados pela nossa contribuição [...] Vocês não podem existir sem nós", declarou, referindo-se aos estúdios.

O comité nacional "votou por unanimidade para lançar uma ordem de greve contra os estúdios e as plataformas de streaming", anunciou o negociador do grupo Duncan Crabtree-Ireland.

"A greve começará à meia-noite de hoje [8h00 de sexta-feira em Lisboa], e todos nós, membros do sindicato, líderes e pessoal de trabalho, estaremos nos piquetes amanhã pela manhã", acrescentou.

Apesar disso, as estrelas de "Oppenheimer" abandonaram a antestreia em Londres alguns minutos antes do início da conferência de imprensa em Los Angeles.

Christopher Nolan com a sua esposa, a produtora Emma Thomas

O evento foi antecipado uma hora e pela passadeira vermelha para darem pequenas entrevistas passaram Cillian Murphy, Emily Blunt, Matt Damon, Robert Downey Jr., Florence Pugh, Josh Hartnett, Rami Malek, Kenneth Branagh, James D’Arcy, Tom Conti, Jefferson Hall, David Dastmalchian e Trond Fausa Aurvåg, mas já não acompanharam o realizador Christopher Nolan ao palco no interior da sala.

"Tenho que reconhecer o trabalho do nosso elenco incrível, liderado por Cillian Murphy”, disse o realizador esta noite.

"A lista é enorme – Robert Downey Jr., Matt Damon, Emily Blunt, Florence Pugh, Kenneth Branagh, Rami Malek e muitos mais. Vocês viram-nos mais cedo na passadeira vermelha. Infelizmente, eles partiram para escrever os seus cartazes de piquete para o que acreditamos ser uma greve iminente do SAG, juntando-se a um dos meus sindicatos, o dos argumentistas, na luta por salários justos para os trabalhadores do seu sindicato", acrescentou.

Compensações e IA

Robert Downey Jr na antestreia em Londres

Como os argumentistas, já há 11 semanas nos piquetes de greve, os atores exigem salários mais elevados para combater a inflação e garantias para os seus meios de subsistência futuros, entre outros pontos.

Além dos salários quando estão a trabalhar, os atores recebem pagamentos chamados de "resíduos" sempre que um filme ou programa em que entraram é exibido nos canais terrestres ou na TV a cabo - um rendimento especial particularmente útil quando os muitos artistas sem estatuto de protagonistas estão inativos entre projetos.

Hoje, porém, plataformas de streaming como Netflix e Disney+ não divulgam os números de exibição dos seus programas e oferecem a mesma taxa fixa para tudo o que está no seu catálogo, independentemente da sua popularidade.

Para dificultar ainda mais o panorama, há a questão da inteligência artificial. Tanto os atores como os argumentistas querem garantias para regular o seu uso futuro, mas os estúdios até agora recusaram-se a ceder.

Na quarta-feira, o último dia, os estúdios convocaram mediadores federais para ajudar a resolver o impasse - uma ação de última hora descrita pelo SAG-AFTRA como um "estratagema cínico".

Mais cedo nesse dia, os sindicatos de Hollywood que representam realizadores, trabalhadores dos bastidores e argumentistas emitiram uma declaração de "apoio e solidariedade inabaláveis" com os atores.

“Embora os estúdios tenham um valor coletivo astronómico, muitos mil milhões de espectadores em todo o mundo e lucros altíssimos, esta luta não é sobre atores contra os estúdios”, afirmaram.

Trabalhadores "de todos os ofícios e departamentos" juntam-se "para impedir que as grandes corporações corroam as condições que lutámos durante décadas para conseguir", notaram.

Desde maio que as únicas produções em filmagens estão a trabalhar com base em argumentos já concluídos na primavera, sem poder modificá-los.

A partir de agora, com exceção de alguns 'reality shows', animações e 'talk shows', a "greve dupla" de atores e argumentistas, que não acontecia em Hollywood desde 1960, vai paralisar quase todas as produções de cinema e televisão dos EUA: se se prolongar, as séries populares que devem regressar este outono enfrentarão longos atrasos e muitos filmes previstos para 2024 também serão afetados.

Os atores também deixam de poder promover os seus filmes e participar em eventos com eles relacionados, como antestreias e festas.

Em causa fica já a enorme reunião anual de cultura pop da Comic-Con em San Diego na próxima semana e o lançamento do novo filme "Mansão Assombrada" na Disneyland, que já se previa que seria reduzido a um "evento privado para fãs".

A cerimónia dos Emmy, a versão televisiva dos Óscares, prevista para 18 de setembro, também ponderava um adiamento para novembro ou mesmo para o ano que vem.

Líder da Disney criticado por dizer que atores e argumentistas têm exigências "irrealistas"

Bob Iger

A última greve dos argumentistas durou 100 dias entre 2007 e 2008, representando prejuízo de dois mil milhões de dólares ao setor, além de outros artísticos à qualidade de várias produções por argumentos apressados para fechar antes da paralisação, como "007 - Quantum of Solace" e a segunda temporada da série "Heroes".

Esta quinta-feira, quando já era esperado o anúncio da greve, Bob Iger, presidente executivo da Disney, o maior estúdio de Hollywood, criticou os sindicatos dos atores e argumentistas pelas suas exigências laborais "irrealistas" e os danos que serão provocados por uma dupla greve na economia.

Bob Iger, que viu prolongado na quarta-feira até 2026 o regresso anunciado em novembro de 2022 como CEO da Disney, cargo que ocupara entre 2005 e 2020, acha que esta é a "pior altura do mundo" para uma dupla greve numa indústria que enfrenta "forças disruptivas" e os desafios da recuperação da pandemia.

Profissionais da indústria não demoraram a ir às redes sociais criticarem as suas declarações, recordando que ele regressou à Disney com um salário anual de 27 milhões de dólares.

Uma das críticas veio de Abigail Disney, sobrinha-neta do fundador da empresa: "Só se pode chamar "irrealistas" aos seus funcionários e parceiros se não conseguir ver além dos limites da ideologia comercial muito estreita e moralmente falida que colocou a sua empresa neste longo caminho em direção à exploração e à injustiça".

Na entrevista o canal CNBC, o presidente executivo disse: "Falámos sobre as forças disruptivas nesta indústria e todos os desafios que estamos a enfrentar na recuperação da COVID-19, que estão em andamento. Não está totalmente de volta. Esta é a pior altura do mundo para aumentar essa perturbação".

"Percebo o desejo de qualquer organização laboral de trabalhar em nome dos seus membros para obter o máximo de remuneração de forma justa com base no valor que entregam. Conseguimos, como indústria, negociar um acordo muito bom com o sindicato dos realizadores, que reflete o valor do seu contributo. Queríamos fazer o mesmo com os argumentistas e gostaríamos de fazer o mesmo com os atores. Há um nível de expectativa que eles têm que simplesmente não é realista e estão a acrescentar a um conjunto de desafios que esta indústria já está a enfrentar e que, francamente, é muito perturbador", acrescentava.

Reforçando que respeitava as reivindicações, acrescentava que também é preciso "ser realista sobre a situação da indústria e o que esta pode oferecer. Tem sido uma ótima indústria para todas estas pessoas e continuará a ser mesmo em tempos difíceis. Mas ser realista é imperativo".

A greve, dizia, "terá um efeito muito, muito prejudicial para toda a indústria. E, infelizmente, há enormes danos colaterais no setor para pessoas que trabalham com serviços de suporte. Poderia estar aqui a falar sem parar sobre isso. Vai afetar a economia e diferentes áreas, até pela dimensão da indústria".

"É uma pena. Realmente é uma pena", lamentava.

A ENTREVISTA.