“Temporada de Furacões” começa com um cadáver encontrado numa ribeira e termina com um coveiro a observar a chegada de novos “clientes” - todos vítimas de mortes atrozes. Entre um invólucro destruído e outro, uma vasta ebulição de corpos, exemplos ferozes do poderio da sobrevivência contra todas as circunstâncias, mas também o recipiente dos excessos e de uma sexualidade culpabilizada.
Numa espécie de narrativa elíptica, onde os enredos e personagens frequentemente se cruzam e se interconectam mais à frente, Melchior propõe diferentes pontos de vista, em geral em primeira pessoa, e relacionados com as personagens que as proferem. Assim, a reconstrução em retrospetiva do que se terá passado com A Bruxa, que aparece morta no início, será feita por protagonistas que elaboram um verdadeiro mosaico da população marginalizada pela pobreza.
“Temporada de Furacões”, uma vez iniciado, não é um livro fácil de largar - de tal forma que as frases sem fim à vista e sem parágrafos arrastam o leitor para o mundo da periferia mexicana pobre (a ação passa-se na táo imaginária quanto universal La Matosa), onde a escritora tentar captar toda a visceralidade amoral deste universo - sem julgamentos ou economias de descriçoes abundantes de sexo, calão e palavrões.
E, se é bem-sucedida ao elaborar um retrato realista e bastante credível, o resultado final pode ter uma interpretação ambígua. Por um lado, há o amoralismo de excertos construídos sem economia de palavras “ofensivas”, mas, por outro, a sexualidade é sempre agressiva, violenta, que arrasta os seus perpetrados em vastos abismos de culpa e nefastas consequências - como a gravidez precoce. Neste sentido, a notável exceção é Chabela, uma prostituta que entra no negócio por prazer e a que mais se aproxima de um retrato menos sombrio da sexualidade.
Assim, a sexualidade aparece equiparada ao álcool e às drogas que se espalham por todo o livro - somado a outras notáveis características do “populacho” da periferia - a crença em misticismos absurdos, o veneno e os preconceitos destilados pelas más línguas e uma ganância que não conhece limites.
A escritora não justifica nem adere aos moralismos fáceis dos media e, mesmo que o marketing e as leituras superficiais possam vender a agenda “woke”, a escritora vai muito além das palavras gastas pela comunicação social.
Neste alucinante mergulho na lama e na sordidez, a opção da autora é a do retrato negro, sem nuanças nem cinzentos. Não há saída pela tangente, nem idas à praia ou férias em Cancún; o seu México, a querer expandir o seu microcosmos, não se presta a alegrias nem sombreros.
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