David Byrne, que ganhou fama e a aclamação da crítica nos anos 1970 e 1980 com os Talking Heads, nega-se a renunciar ao otimismo da sua juventude, que está presente no seu novo álbum, "American Utopia", o primeiro em seis anos.
"Percebi que estava cada vez mais irritado e deprimido com a situação do mundo, ou pelo menos do local onde vivo", disse o norte-americano à AFP no seu escritório no bairro do Soho, Nova Iorque, onde a sua amada bicicleta ocupa um lugar de destaque, apoiada contra estantes de livros e discos.
"Mas às vezes reparava em coisas que me deixavam um pouco esperançoso".
O cantor e compositor de 65 anos começou a anotar "motivos para ser otimista", notas que transformou numa série de ensaios para um blog e discursos públicos na Europa.
Entre as suas múltiplas fontes de inspiração está o mayor republicano de Georgetown, Texas, que alegando motivos económicos iniciou a transição para energias renováveis na sua cidade, que fica num estado conhecido pelas ligações com o setor de combustíveis fósseis.
Este é o paradoxo de "American Utopia": o músico de origem escocesa expressa a sua determinação em permanecer otimista, apesar da perplexidade com os caminhos tomados pelos EUA.
"Não estou a escrever canções sobre a energia eólica, bicicletas ou iniciativas educacionais. Isto seria difícil de fazer", afirma, com um sorriso.
"Escrevo mais do ponto de vista de perguntar quem somos e que tipo de pessoas somos: o que sou, como é que me relaciono com as outras pessoas?".
Mais utopia do que ironia
O próprio título "American Utopia" marca uma mudança de tendência para o pioneiro da new wave, capaz de cantar letras surreais dos Talking Heads, como as dos clássicos "Psycho Killer", "Once in a Lifetime" e "Burning Down the House".
Nas suas memórias, "Diários de Bicicleta", sobre a sua relação de amor com a bicicleta, Byrne escreveu que na época em que formou os Talking Heads estava "mais interessado na ironia do que na utopia". Mas isso mudou.
"Não penso que seja irónico", disse a respeito do título "American Utopia".
"Acredito que é sobre o profundo anseio das pessoas de uma situação melhor do que qualquer que seja a sua situação atual, e uma espécie de esperança de que isso é possível".
As reflexões de David Byrne, no entanto, continuam repletas de abstrações ou insinuações, como na balada "Dog's Mind", que fala sobre a relação da Casa Branca com a imprensa, ou na alegre "Everybody's Coming to My House", que evoca uma festa, com direito a saxofone e piano, com um toque de LCD Soundsystem.
David Byrne criou as canções baseando-se nas gravações originais de Brian Eno, seu colaborador de longa data.
Brian Eno trabalhou com David Byrne no seu primeiro álbum solo, "My Life in the Bush of Ghosts" (1981).
O álbum misturou ritmos do oeste da África e pop árabe, antecipando o interesse de David Byrne pela world music, que o levou a criar a editora Luaka Bop.
"Acredito que continuamos amigos porque conversamos sobre outras coisas além da música", disse Byrne a respeito de Eno. "Não é uma relação de negócios e muda constantemente".
Para promover "American Utopia", David Byrne planeou uma série de espetáculos tão ambiciosos, afirma, como o clássico filme-concerto "Stop Making Sense", de 1984.
A digressão, que inclui a presença no festival Coachella, nos EUA, em abril, e passa por Portugal no EDPCoolJazz a 11 de julho, no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, terá um palco minimalista ao extremo, apenas com instrumentos portáteis, sem a presença de amplificadores ou caixas de transporte.
"É tudo sobre nós, e não digo isto de forma egoísta. Todo diz respeito aos músicos: os seres humanos, as pessoas que fazem a música", explica.
David Byrne, que se tornou um cidadão norte-americano durante a presidência de Barack Obama, em 2012, disse que durante sua digressão anterior carregou uma cópia da famosa obra de Alexis de Tocqueville "A Democracia na América", sobre a experiência norte-americana na década de 1830.
Durante muito tempo, Byrne acreditou que os Estados Unidos, apesar de suas imperfeições, "representavam as ideias que inspiravam os outros povos ao redor do mundo". Mas com a idade, essa certeza tornou-se uma desilusão.
"Agora questiono, o que resta? Parte desta esperança, deste anseio, continua lá", conclui.
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