
"Meu Deus, há uma sede...", revela Charlie Cox ao ser questionado sobre a expectativa dos fãs do Demolidor (tanto os da BD como os da série da Netflix, que teve três temporadas entre 2015 e 2018) quanto à nova aposta centrada no super-herói invisual de Hell's Kitchen.
"Quando falamos com os fãs, há uma sede pela mesma qualidade e identidade da série anterior", salienta o ator britânico que volta a encarnar Matt Murdock, advogado de dia e vigilante de Nova Iorque à noite (embora esta ordem possa inverter-se). "Há desejo e preocupação. Perguntam-me se esses elementos ainda estão aqui. E espero que achem que sim. Eu acho que sim. De vez em quando, encontro um fã que me pergunta se ainda é igualmente negra. Sim, ainda é. Está tudo bem, estamos atentos", garante com um sorriso.

A expectativa é compreensível. Afinal, "Demolidor", criada por Drew Goddard ("A Casa na Floresta", saga "Cloverfield"), trouxe um ângulo mais urbano, sombrio, cru e violento a produções da Marvel e abriu caminho para outras séries ambientadas no submundo nova-iorquino (que apresentaram Jessica Jones, Luke Cage ou Punho de Ferro a novos públicos).
"Demolidor: Nascer de Novo", que se estreia esta quarta-feira, dia 5 de março, no Disney+, tem outro showrunner, Dario Scardapane (também cocriador, juntamente com Chris Ord e Matt Corman), mas é apresentada como evolução natural de uma antecessora que a equipa criativa não se cansa de elogiar.
"É o mesmo Matt Murdock, basicamente, mas influenciado pelas suas experiências", antecipa Cox. "Sabemos, logo ao princípio, que ele sofre um trauma. E isso obriga-o a repensar e a reencontrar a sua identidade de uma forma que é, provavelmente, mais profunda do que alguma vez vimos", acrescenta. "Estamos sempre a tentar encontrar a melhor versão de Matt Murdock, aliás Demolidor. Mas ao procurar a melhor versão, também encontramos a pior. Acho que é isso que o torna uma personagem tão desafiante e tão relacionável, na verdade."

"Coração e músculo"
Para Dario Scardapane, o super-herói de Hell's Kitchen distingue-se pela mistura de "coração e músculo". "Tentamos sempre encontrar o lado humano num mundo exagerado no qual tentamos subir a fasquia do que se faz em televisão. Acho que a série anterior fez isso brilhantemente e estamos a tentar seguir esses passos", compara.
O cocriador e showrunner já tem experiência na vertente mais agreste da Marvel: foi um dos argumentistas e produtores executivos da série centrada em Frank Castle, o Justiceiro (The Punisher, no original em inglês), da Netflix. Mas sublinha que não olhou só apenas para o caminho do Demolidor no pequeno ecrã. "Estamos a tentar honrar o que fez Frank Miller, assim como outros grandes artistas, como Ed Brubaker, Brian Michael Bendis ou Charles Soule", destaca, nomeando alguns dos argumentistas mais reconhecidos pelas sagas que criaram para a personagem na BD.
Não por acaso, a série repesca o título de um dos capítulos-chave da história do Demolidor nos comics: "Born Again" (no original em inglês), arco escrito por Frank Miller e desenhado por David Mazzucchelli que redefiniu o "homem sem medo" numa das suas fases mais trágicas. "Mas é importante realçar que não estamos a recriar essa história", nota Charlie Cox. "É só uma referência ao facto de estarmos de volta ao fim de tantos anos. E, claro, uma homenagem a essa saga icónica."

O regresso do rei
Charlie Cox não regressa sozinho. O elenco da série inclui mais nomes da primeira televisiva de Demolidor, caso de Deborah Ann Woll (Karen Page), Elden Henson (Foggy Nelson), Ayelet Zurer (Vanessa Marianna-Fisk) ou Jon Bernthal (de volta ao papel do já mencionado Frank Castle/O Justiceiro). E também, claro, o incontornável Vincent D'Onofrio, mais uma vez o grande antagonista na pele de Wilson Fisk, o Rei do Crime.
"Ele tem uma missão", aponta o ator durante a conferência de imprensa virtual. "É o mesmo homem da série da Netflix, mas tem um novo plano. A primeira coisa que faz é resolver a situação com a mulher [Vanessa Marianna-Fisk], porque esteve algum tempo fora. E isso torna-se muito excitante. E depois há outro lado, o tal para o qual tem um plano: alargar a sua área de ação", antecipa o nova-iorquino que dá a este vilão uma gravidade invulgar nas produções do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla original em inglês).

"Somos ambos homens destroçados", diz ao comparar a sua personagem com Matt Murdock. "Faz-me pensar na metáfora dos vampiros que tentam sobreviver durante o dia, é esse tipo de luta que eles enfrentam. Mas não podem contracenar muitas vezes, senão perde-se o impacto", analisa.
"Ao longo dos séculos, histórias de crime sobre a maldade têm sido muito populares porque permitem que as pessoas se distanciem do perigo enquanto são incitadas por ele. Na nossa série, passa-se o mesmo. É uma história com um elemento criminal muito forte. E depois tem um herói salvador, e isso funciona sempre. As pessoas adoram. Julgo que o que fizemos nesta temporada, com o Dario, é o exemplo definitivo disso", defende Vincent D'Onofrio.

"Queríamos que fosse uma Nova Iorque reconhecível, não a Nova Iorque dos filmes"
Wilson Fisk não é, ainda assim, o único vilão de "Demolidor: Nascer de Novo", embora nem os atores nem o showrunner queiram revelar muitos detalhes sobre um adversário que surge logo no primeiro dos nove episódios desta temporada (a segunda época, de oito capítulos, também já está garantida). Mas nem tudo são adversidades: a terapeuta Heather Glenn (Margarita Levieva), interesse amoroso do protagonista, é outra das novas caras deste arranque num cenário visivelmente "new yorker", muito bem embalado por canções dos The Kills (a abrir) ou TV on the Radio (no final).
"Uma das coisas que nos pediram foi tentar captar o travo de Nova Iorque", conta Justin Benson, realizador do primeiro episódio (e dos dois últimos) ao lado do colaborador habitual Aaron Moorhead. "Não somos de Nova Iorque, mas adoramos Nova Iorque e passamos lá muito tempo", explica o californiano.
"Mas somos amigos de dois realizadores de documentários, Sean [Dunne] e Cass [Greener], da produtora Very Ape, que nos ajudaram a mostrar uma Nova Iorque autêntica. Eles são nova-iorquinos e conhecem muito bem as pessoas e as ruas. Também nos ajudaram a desenvolver uma faceta documental dentro da série que mede o pulso a Nova Iorque e a conseguir enquadramentos da cidade que não fossem formatados e aborrecidos", complementa.

A julgar pelo primeiro episódio, que o SAPO Mag já viu, "Demolidor: Nascer de Novo" é bem-sucedida a traduzir uma atmosfera mais palpável do que a maioria das séries e filmes do MCU, sobretudo nas cenas de lazer (sim, existem) de Matt Murdock no seu bairro (hoje gentrificado, como as personagens não demoram a observar).
"Queríamos que fosse imersiva, que captasse uma sensação, com a tal influência documental. Queríamos que fosse uma Nova Iorque reconhecível, não a Nova Iorque dos filmes. Foi assim que delineámos a linguagem visual da série", partilha Benson. "A série anterior tinha isso e o conceito do Demolidor em geral também."

A dupla de realizadores, que se fez notar por filmes imaginativos e elogiados, entre o terror e o fantástico, como "O Interminável" (2017), chegou a um público mais vasto com "Sincrónico" (2019), protagonizado por Anthony Mackie e Jamie Dornan, e foi abraçada pela Marvel em séries do Disney+ nos últimos anos. Mas "Demolidor: Nascer de Novo" marca um ponto de viragem na sua relação com super-heróis.
"Andávamos há muito tempo a falar de escrever e realizar um drama criminal. E quando esta proposta chegou, pareceu-nos ser a oportunidade de explorar esses territórios", recorda Benson. "'Moon Knight - Cavaleiro da Lua' e 'Loki' foram ótimas experiências, mas sentíamo-nos como peixes fora de água. Espero que tenhamos feito um bom trabalho, mas foram muito diferentes dos cinco filmes independentes que tínhamos feito. Esta série é muito diferente dessas. É um mundo muito mais confortável para nós".
Os dois primeiros episódios de "Demolidor: Nascer de Novo" chegam ao Disney+ esta quarta-feira, 5 de março. Os restantes estreiam-se na plataforma de streaming semanalmente, às quartas-feiras.
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