Peixe : avião - A- Nós não criámos esse estigma nem, em momento algum, pretendemos emular os Radiohead, sem negar que, tal como muitas outras bandas, sentimos a sua influência. Dito isto, esperamos que o lançamento do "Madrugada" seja um passo para estabelecermos uma identidade cada vez mais própria, mas são os ouvintes da nossa música que têm de retirar as suas próprias conclusões.
PP - “O cantar em português surge mais desafiador, exactamente pela necessidade de exaltar o que é cantado e o que é dito, combinando o lirismo das letras ao lirismo do instrumental, dando mais sentido às canções”, confessaram, ainda no início da carreira dos peixe:avião. Ainda é um desafio, após dois álbuns e dois EPs, escrever e cantar em português? Que barreiras encontram?
PA- Continua a ser um bom desafio. Não há nenhuma barreira em particular, apenas um desejo de dar atenção a cada palavra e a cada nota.
PP - Sentem-se um projecto musical singular no panorama musical nacional? Substancialmente diferente, no que respeita sonoridade, postura e processo de criação, de todos os outros?
PA– Há, provavelmente, muitos projectos que se sentem, justificadamente, singulares, no panorama musical. Sofremos da vulgaridade de nos sentirmos singulares, talvez, o que é muito comum entre quem aspira a uma determinada condição artística, mas também não passamos muito tempo a pensar nisso.
PP - Acusaram-vos, logo ao primeiro EP, de uma extrema maturidade, que se tem, naturalmente, intensificado nos mais recentes lançamentos. Em tempos, afirmaram ser resultado de um “método de composição cerebral e controlado”. Hoje, a maturidade já surge naturalmente ou ainda é fruto de uma «estratégia»?
PA- Eu diria antes, sem querer soar pretensioso, que, entre outras coisas, faz parte da nossa estratégia tentar que a nossa música tenha essa característica de soar madura; e, também, que a nossa forma natural de o conseguir, sem com isso querer afirmar que é a única possível, é retirar uma parte considerável do processo criativo dos ensaios e entregá-lo a cada um de nós, individualmente. De certa forma, pode afirmar-se que fazemos ensaios em diferido, permitindo a cada um de nós interagir com as contribuições dos outros, durante um período de tempo muito mais alargado que o de vários ensaios. Na verdade, é algo que muitas outras bandas fazem e sempre fizeram. Aliás, nos últimos anos, a tecnologia tem vindo a trazer muitíssimas mais possibilidades e liberdade criativa a alguém que esteja em casa, sozinho, à frente de um computador, e também uma muito maior interactividade entre músicos à distância, através da Internet.
PP - Os trabalhos até ao momento editados pelos peixe : avião foram, sem excepção, alvo de excelentes críticas e notáveis distinções. Sentiram uma grande responsabilidade, algum tipo de pressão, aquando da elaboração deste novo disco? Temem, de alguma forma, as críticas que aí vêm?
PA- Nós somos, ou pelo menos tentamos ser, os nossos maiores críticos, e temos um ambiente de discussão interna bastante aberto e exigente, precisamente porque cada um de nós dá muita importância ao resultado final da nossa música. Desta forma, essa responsabilidade e pressão estão sempre connosco, de uma forma saudável. Quanto às críticas, não podemos, obviamente, esperar agradar a toda a gente, apenas ao maior número possível de pessoas, portanto vão sempre haver críticas boas e más, com as quais teremos de conviver.
PP - Na vossa opinião, este novo álbum é, em relação ao anterior, um trabalho de continuação ou de ruptura? Porquê? Que semelhanças/diferenças se destacam?
PA- Na minha opinião, a resposta a essa pergunta é quase sempre mista, para qualquer projecto, mesmo quando a ruptura se parece destacar. Este álbum não escapa a essa lógica, e, como tal, tem muitos elementos de continuidade, que nem sequer faz sentido colocar nesta questão, uma vez que muitos deles são aqueles que fazem com que nós já fôssemos os peixe : avião quando editámos o nosso primeiro EP. Mas acho que, na comparação entre o "40:02" e o "Madrugada", se destaca o facto de termos sido, neste último, mais conservadores nalguns aspectos, por exemplo, na estrutura das músicas, para podermos ser mais livres noutros, como os arranjos e a sonoridade.
PP - Como tencionam fazer a transposição do novo álbum para o palco? Haverá espaço para a experimentação nos próximos concertos dos peixe : avião?
PA- A transposição para o palco passa por rearranjos bastante subtis das músicas, sendo que o objectivo inicial será tentar reproduzir a sonoridade do álbum, ao vivo. Os rearranjos mais radicais deverão ficar, por agora, para os temas mais antigos, aos quais poderemos dar novas roupagens. No entanto, nalguns showcases, procurando aliar o útil ao agradável, usaremos um set mais simples e de base mais electrónica, que é também uma oportunidade para dar uma outra cara aos novos temas. Se, por experimentação, entendermos alguma improvisação sónica que tem feito parte dos nossos espectáculos ao vivo, a resposta é sim, ela vai continuar a existir.
PP - Contaram, neste novo disco, com colaborações de peso. Foi uma necessidade do grupo? Com que intuito o fizeram? E porquê a Manuela Azevedo e o Bernardo Sassetti?
PA- Interagir com grandes músicos, por quem nós temos sincera admiração e um enorme respeito, independentemente do seu reconhecimento público e mediatismo, é sempre uma oportunidade para enriquecer e encontrar novas soluções para nossa música e, em consequência, para aprender - algo que é muito importante para nós. Somos movidos pela curiosidade pela música e penso que é dessa curiosidade que nasce a nossa necessidade de fazer colaborações. A Manuela Azevedo e o Bernardo Sassetti foram duas pessoas de quem nos lembrámos naturalmente e que fizeram logo sentido, do ponto de vista musical, para nós. Felizmente, penso que as colaborações terão feito sentido para eles também, do ponto de vista musical. Do ponto de vista humano e pessoal, foi para nós excelente colaborar com eles.
PP - A maqueta com que se apresentaram ao mundo, “Finjo a fazer de conta feito peixe:avião” (2007), inclui, além de cinco temas originais, uma reinterpretação do tema Birds, dos Sterling Moving Company. Entretanto, nos trabalhos que se seguiram, não houve espaço para mais reinterpretações. Porquê? Não foi bem sucedida esta opção?
PA- Na altura, isso fez sentido, porque dois dos nossos elementos fizeram parte dos Sterling Moving Company e, portanto, esse tema ofereceu uma boa solução para alicerçarmos a nossa sonoridade, uma vez que, antes de a gravarmos, já conhecíamos melhor a sua realidade sonora do que os outros temas que nunca tinham sido ensaiados, quanto mais tocados ao vivo, sendo assim mais fácil encontrar soluções. Depois disso, não temos sentido propriamente uma necessidade desse input criativo, mas já fizemos outras versões de músicas, mais recentemente, para determinados momentos específicos.
PP - Mantêm, actualmente, os projectos musicais que integravam antes da formação dos peixe:avião? Como explicam o sucesso dos peixe:avião face a estes, que continuam longe dos ouvidos do grande público, não obstante a sua qualidade?
PA- De uma forma geral, continuamos a ter outros projectos em que cada um de nós se envolve de forma profunda e continuada, para além de outras participações de carácter mais ocasional. Cada projecto tem uma dinâmica própria, independentemente da sua qualidade, que varia muito com o sentido de oportunidade e a capacidade de chamar a atenção das pessoas e, obviamente, a disponibilidade para trabalhar e a qualidade do trabalho de cada um. A sorte é um factor importante, também. De qualquer forma, penso que pelo menos alguns dos outros projectos, em que elementos dos peixe : avião se têm envolvido, têm registado um crescimento sustentado, tal como o dos peixe : avião, embora, talvez, de forma um pouco mais lenta e menos mediatizada. Todos nós ficamos contentes por ver os projectos uns dos outros a florescer, e esperamos que seja isso que o futuro nos reserva, até porque vai de encontro à nossa curiosidade pela música de quejá falei anteriormente.
PP - Como foi emergir e como é, hoje, manterem-se à tona do panorama musical nacional, estando em Braga, longe da grande movida lisboeta? Quais os principais entraves/dificuldades com que se deparam ou depararam? Quais as vantagens?
PA- No início não sentimos qualquer diferença, as coisas foram acontecendo por si. De resto, sentimos, talvez, que, promocionalmente, temos de fazer um esforço maior para conseguir os resultados que desejamos, mas é apenas uma questão de organização. Não sei se existem grandes vantagens, mas talvez um certo distanciamento em relação à tal movida lisboeta nos permita tomar decisões com mais serenidade.
PP - Como lidam com a Internet? Mantêm, à semelhança de outros artistas, uma relação amor-ódio? Na carreira dos peixe:avião, os seus benefícios têm superado os seus inconvenientes?
PA- Não temos uma relação amor/ódio. Acho que temos uma relação de amor, apenas, uma vez que é uma das nossas principais ferramentas de promoção e nos permite estar perto e contactar directamente com a nossa base de apoio. De resto, a organização da indústria que é a música nunca mais vai ser a mesma e a atitude inteligente é tentar aproveitar as novas oportunidades que se nos oferecem.
PP - A internacionalização é uma ambição dos peixe:avião?
PA- É uma perspectiva interessante, mas não estamos muito preocupados com isso, neste momento.
PP - “Quem não ouve peixe:avião é menos feliz”, diz Valter Hugo Mãe. Concordam?
PA- Bem, pelo menos, podemos desejar que quem oiça peixe : avião seja mais feliz.
Comentários