Palco Principal – Podemos remeter o início dos Moonspellpara 1989?
Fernando Ribeiro – Em 1989começámos comuma espécie debrincadeira de miúdos. Tinha alguma seriedade, mas acho que o nosso princípio efectivo foi em 1992. É em 1992 que se forma a banda. Já em 1995, lançámos o nosso primeiro disco e fizemos a primeira digressão. Também é uma data importante para a banda.
PP – Hoje, passados 15 anos desde o lançamento do álbum de estreia, notam que o interesse pelas sonoridadesmetal aumentou?
FR– Acho que as coisas todas se globalizaram e se massificaram.E o metal não foi excepção. Até porque,hoje em dia, há muitos seguidores da cultura mainstream que se fartam e se viram para uma cultura alternativa. Notamos,essencialmente, que há uma renovação de gerações no metal - o que nem todos os estilos musicais conseguem. Consegues, por exemplo, ver um miúdo no programa da Ellen, nos Estados Unidos, a tocar Ozzy Osbourne, vindo directamente do Japão. Isso é globalização: uma forma das gerações mais novas ouvirem aquilo que ouvíamos na altura.Enfim, hoje em dia o metal está, efectivamente, com maior visibilidade, o que é óptimo para nós. Agora, há que lutar dentro dessa massificação, de forma a manter um certo rigor, uma certa qualidade. Há alguns parâmetros a seguir nesse sentido.
Pedro Paixão – Convém dizer queo aumentotambém tem a ver com o facto de em Portugal termos tido uma ditadura, durante a qual as pessoas não ouviam rock. É frequente termos colegas nossos, músicos de outras bandas no estrangeiro, cujos pais ouviam Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple. É muito frequente conhecerem Aaron Mason, por exemplo. Isto é, essas gerações já cresceram com o ouvido educado para o som mais pesado. Toleram e compreendem melhor, sentem melhor, porque é o estilo que lhes é natural, no fundo. Em Portugal, está a acontecer isso, lentamente. Os nossos filhos, provavelmente, já ouvirão rock à vontade, já não o estranharão. Mas ainda há muitas pessoas que se recusam a ouvir este estilo de música, pois acham-no pesado à partida, não se dando ao trabalho de o escutar. Mas o metal não é uma aberração, um terror. Não. Há significados por trás do metal, há conteúdos, há mensagens. É uma expressão artística como qualquer outra, é uma questão de seestar habituado.
PP – Sentem que ainda há muitos mitos em torno do metal?
PP – O preconceito musical já está a desaparecer. Ainda não desapareceu totalmente, mas está a desaparecer. Hoje em dia, as pessoas, como têm mais acesso à informação, também conseguem fazer escolhas mais acertadas, mais fundamentadas. Mas há alguns mitos que perduram, com certeza. Mas, também, quem somos nós para estar a destituir isso?
PP – Actualmente, estão muito na moda os filmes de vampiros. Uma onda mais «dark» está a ressurgir. Sentiram, de certa forma, que esta tendência fez com que as pessoas despertassem maispara o metal?
PP – Não tenho acompanhado a tendência. O Fernando talvez conheça melhor o comportamento social ou a reacção social com esta moda.
FR – É provável. Até porque o metal não é um estilo de música que se oiça apenas por entretenimento. Tal como a literatura de vampiros. Essas escolhas revelam uma espécie de compromisso.
PP - Muitas bandas portuguesas procuram o reconhecimento internacional, mas sem sucesso. Os Moonspell são das bandas nacionais mais aplaudidas no estrangeiro. Como conseguiram esse feito?
FR - Penso que o reconhecimento internacional tem contornos de quimera em Portugal. Por vezes, é mais debatido do que propriamente tentado, através de passos concretos e inteligentes. No caso dos Moonspell, tudo o que fizemos foi agarrar as oportunidades quando elas surgiram, sem pensar em dificuldades, status ou qualquer outra coisa; foi crescer dentro de uma cena sustentada e ter participação activa nessa cena, não só através da música, mas também através da divulgação, da promoção, etc. Muito do que aconteceu com os Moonspell teve intervenção directa nossa. No capítulo do metal, preferimos estar em casa, do que no Bairro Alto a beber copos e a vangloriar-nos de coisa pouca, como acontecia com as bandas de metal na altura. O dinheiro dos copos gastámos em selos dos correios e o tempo a ensaiar. Fomos quase os únicos a fazer isso. Enfim, a simplicidade e a atenção ao detalhe foi uma mais-valia que continua. Na altura, enviámos cerca de 250 discos lá para fora, recebemos vários contratos e assinámos pela nossa editora de sonho, tal como trabalhámos com o nosso produtor de eleição. Todas as bandas portuguesas estavam na mesma posição e quem o fez assim ou parecido teve destaque, como os The Gift, por exemplo. A grande maioria perdeu-se nos vícios portugueses. Se calhar sabemos optimizar melhor as coisas e a nossa música. Muitos dos artistas portugueses pensam apenas localmente e não internacionalmente.
PP - Este último trabalho pretende chegar a um grupo mais vasto de pessoas?
FR - O nosso trabalho é aberto a quem o quiser ouvir, sentir e compreender. Não faço distinções entre um metaleiro empedernido ou alguém que gosta da Scorpion Flower: seria deselegante. Os Moonspell são uma banda ambiciosa, mas também cultivam a proximidade. Os nossos discos nascem todos de processos criativos e artísticos e, quando os lançamos, temos ideias bem sólidas de sobre como o comunicar. E temos crescido assim e não por manobrar bem o marketing. Essa é uma ilusão de quem nos quer mal.
PP – Qual a vossa ambição?
FR - O céu ou o inferno, os extremos são o nosso limite. Bem sei que em Portugal está na moda o minimalismo, as edições muito limitadas, está na moda ser pequeno, ser pequeno é cool. Só quem pensa grande em Portugal e recebe a sua dose de animosidade é que vai a algum lado. Da minha parte, estou farto de ver projectos válidos e excelentes acabarem por sofrer as dores do crescimento: Ornatos, Toranja... Para estar na música é preciso coragem e imaginação. Se assim não for, há muitas outras coisas para fazer na vida: ensinar música, por exemplo.
PP - "Dar a conhecer a faceta acústica da banda" foi o mote para uma digressão acústica. Porquê essa necessidade, nesta altura?
FR - Fizemos este espectáculo para aproveitar as excelentes salas e auditórios que Portugal tem e que, por um erro de cálculo, estavam vedadas à nossa banda e público. Também porque queremos sair do eixo Lisboa-Porto e nem sempre é fácil com o nosso som. E, finalmente, porque havia um public demand desde 1998, quando fizemos esta experiência acústica com as apresentações do álbum “Sin”. Vai ser um desafio que vamos vencer com qualidade, muita qualidade, e que nos vai permitir até ter outro tipo de espectáculo em carteira e abandonar o discurso habitual de não haver salas em Portugal e de nada se poder fazer sem sponsors. De vez em quando, é preciso chegarmo-nos à frente e os Moonspell são bons nisso.
PP - O facto de o Fernando ter participado no projecto Amália Hoje trouxe mais visibilidade aos Moonspell?
FR - Foi, para mim, uma permuta. Dei muito de mim ao projecto: a minha personalidade, a minha voz, a minha imagem, etc.Foi um orgulho fazer parte deste sucesso, desta qualidade, da memória mais viva e importante que a grande Amália Rodrigues teve nesta última década. Mais do que qualquer museu, tributo ou fundação, os Hoje devolveram Amália a todos! E foi para mim um orgulho mostrar às pessoas que do Heavy podem vir surpresas agradáveis. Bem sei que nem toda a gente que ouve os Hoje ouvirá os Moonspell, mas uma parte considerável sim e a isto chama-se promover com dignidade um estilo diferente de música. Fado Hoje mas Metal sempre!!!
Ágata Ricca
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