Palco Principal – Porquê um álbum inteiramente de versões em 2010? Porquê agora, ao fim de 15 anos de carreira?
Mafalda Arnauth – Porque, de alguma forma, seria uma pena este repertório, que está na raiz da minha carreira, na raiz da minha inspiração, ficar perdido, esquecido. E não só tive muita vontade de voltar a cantar estas canções, que tanto me ensinaram, como achei, face à resposta aos temas que fui experimentando em palco, que o público iria gostar. Foi como juntar o útil ao agradável: matei saudades das canções e, simultaneamente, o público poderia sempre beneficiar desta nova visão.
PP - A sua discografia tem-se tornado, ao longo dos anos, cada vez mais pessoal e intimista. Com a edição dum álbum de versões, não está a contrariar esta tendência?
MA – Temos que imaginar, sobretudo em concerto, que o disco de versões vai juntar-se às músicas dos outros álbuns, ou seja, os dois caminhos acabam por cruzar-se. Além disso, se o “Flor de Fado” abriu caminho para a proximidade e intimidade com o público, devido à sua faceta mais pessoal, o “Fadas”, com temas como Pomba Branca, também consegue essa aproximação, uma vez que celebra a herança de toda a gente, a lembrança, o reconhecimento. E, no fundo, tanto os temas dos meus álbuns de originais como estas versões são pedaços de mim, da minha intimidade: uns com as minhas palavras, outros com palavras que pedi emprestadas.
PP - É uma responsabilidade acrescida interpretar músicas alheias?
MA – Não me preocupo excessivamente com a responsabilidade, com o peso de interpretar músicas dos outros. Limito-me a acrescentar a minha visão, os meus arranjos a músicas originais fabulosas. E faço-o com o coração aberto, sem acusar demasiado esse peso da herança, mas sempre, claro, com um respeito imenso. Em vez de me preocupar com o que vão dizer, o que vão pensar, prefiro ser genuína, fazer, simplesmente, o meu melhor. E penso que essa abordagem se traduz em versões frescas e vibrantes, bem diferentes do original.
PP – Porquê a inclusão do tango Invierno Porteño num álbum que vem homenagear o fado tradicional?
MA – Gosto de chamar-lhe um fado acidental: um tema que, à partida, é um tango, de outro país, de outro continente, mas que, no entanto, tem uma raiz tão próxima, tão comum, na palavra, na expressão. Invierno Porteño acaba por ser um tratado de fado. A sua tradução integral daria, com certeza, um fado belíssimo. Acaba, também, por ser a minha procura do fado redondo, da contemporaneidade e universalidade na música. Com a sua inclusão em “Fadas”, procuro homenagear Eladia Blásquez, uma mulher cheia de coragem a escrever para o grande mestra Astor Piazzolla.
PP – Foi um desafio para a Mafalda cantar noutra língua que não a sua?
MA – Gosto muito de cantar em espanhol. É uma dicção muito especial, que produz efeitos muito fortes.
PP – Com “Fadas” pretende, igualmente, homenagear Amália Rodrigues, Hermínia Silva, Fernanda Baptista, Celeste Rodrigues e Beatriz da Conceição, entre outras. Qual destas teve uma influência mais marcante na carreira da Mafalda?
MA – Talvez aquela com quem realmente convivi durante algum tempo, a Celeste Rodrigues. Aprendi imenso com ela, com as histórias trocadas entre casas de fados. É uma mulher extraordinária, quanto mais não seja pela forma serena como construiu a sua carreira, pela humildade e determinação com que enfrentou tanta comparação. É, sem dúvida, uma das pessoas mais interessantes que conheço.
PP – Saudades da Júlia Mendes, E se não for Fado, Tendinha e Hortelã Mourisca são alguns dos temas que podemos encontrar em “Fadas”. Entre as canções que compõem o álbum, alguma que mereça especial destaque?
MA – Não consigo escolher um tema com a mesma facilidade com que, na pergunta anterior, escolhi uma intérprete. Todos os temas de “Fadas” são parte do mesmo conjunto, são todos «meus filhos». Por isso mesmo, o degredo de escolher um single foi algo que eu deleguei, de bom grado, à minha editora. Mas, definitivamente, o Vida da minha Rua – o primeiro single – é o mais significativo para chegar ao público. É, também, o que melhor transmite o espírito do disco.
PP – Ficou, por constrangimentos de espaço, algum artista ou alguma música de fora do alinhamento do disco?
MA – É natural que, perante um repertório de Fado tão grande, me tenha esquecido de um ou outro tema, um ou outro artista. Às vezes dou comigo a pensar: “olha que engraçado, podia ter gravado este tema também”. Mas, no fundo, eu acho que este alinhamento está muito equilibrado. Instintivamente, senti que eram estes os temas a reunir. Se calhar ficaram alguns de fora. Quem sabe não possam aparecer num “Fadas II”…
PP – As opiniões são unânimes: o Fado está na moda. Concorda?
MA – Se está na moda? Já está, sim, a bater os recordes de tempo na moda! Porque a verdade é que, nos últimos dez anos, o Fado tem suscitado cada vez mais admiradores, mais interesse público, tem revelado talentos muito concretos, repertórios muito fortes. Na minha opinião, estamos a atravessar uma das melhores épocas da música portuguesa e isso deve-se ao Fado. Resta-me esperar que esta fidelização dure. Tenho fé que sim.
PP – Na opinião da Mafalda, o que faz o Fado dos dias de hoje alcançar uma faixa etária mais jovem?
MA – Mais do que jovem, distinta. O Fado tornou-se transversal, chega a diversos públicos. E penso que isso se deve ao facto dos artistas, hoje, escreverem sobre temas actuais, cantarem sobre temas actuais, tornarem-se interessantes do ponto de vista da imagem e esforçarem-se por cativar o público.
PP – Ouve, habitualmente, Fado? Ou apenas o canta?
MA – Sim, ouço Fado. E são muitos os artistas que faço questão de acompanhar. Mas também ouço outro tipo de sonoridades. Por exemplo, a música brasileira é uma constante. Cesária Évora e Mayra Andrade também. Também atravesso, facilmente, o oceano e me dedico aos ritmos da Argentina. No fundo, acho que ouço um bocadinho de tudo. No que respeita a música portuguesa, Jorge Palma, Rui Veloso e Sara Tavares são – e sempre foram – referências para mim.
PP – Está, actualmente, 100% dedicada à música?
MA – Estou 150% dedicada a esta vida. Felizmente, consigo viver exclusivamente para a música – o que é, realmente, muito gratificante, na medida em que garanto às pessoas a minha dedicação total.
PP – Que balanço faz de 15 anos de carreira?
MA – Um balanço muito positivo. Tenho uma vida muito especial. Agradeço, constantemente, este destino que me calhou. Agradeço a oportunidade de correr o mundo fora a cantar, o estar em palco, que acaba por ser o culminar de tudo. O público é muito generoso.
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