Pessoas de todas as idades rumavam para o centro do Porto, entupindo a Rua de Júlio Dinis e preenchendo as vias paralelas com carros estacionados.

Ainda a fila na entrada ia longa e já se ouviam os primeiros acordes que emanavam das mãos do trio franco-suíço-argentino e da restante banda. Eram os Gotan Project, os percursores do fusion tango, de volta à Invicta, para deslumbrarem, mais uma vez, um público sedento por esta mescla entre as sonoridades latinas mais sólidas e as batidas eletrónicas mais dançáveis.

Sob uma luz ténue e com a plateia a acabar de se formar, ouvia-se Época, um dos temas mais acarinhados da noite, retirado do primeiro álbum da banda, “La Revancha del Tango”. Após cumprimentarem a plateia, os profetas do tango eletrónico -Philippe Solal, Eduardo Makaroff e Cristoph Müller -deram o mote para o último espetáculo da digressão “Tango 3.0”, em solo portuense. Divan começou a tocar, as luzes acenderam-se e, durante hora e meia, o vermelho, o fúcsia e o laranja pareceram apoderar-se da vegetação verde que rodeava a plateia e as instâncias do palco.

Por trás da banda sucediam-se projeções, que davam forma cada música. Em Rayuela via-se uma mulher a ler um livro, evocando o escritor argentino Julio Cortázar, homenageado pela banda nesta música com o mesmo nome da sua obra-prima, lançada em 1963. A letra do refrão, cantado por um coro de crianças, foi projetada na tela, levando o público a cantar, de uma forma espontânea e por vezes inconsciente.

O comentador argentino Victor Hugo Morales também é homenageado no álbum “Tango 3.0”, mais precisamente na música La Gloria, onde se ouve um relato de futebol, alterado na sua parte final, pois em vez do estendido e sonoro “golo” ouve-se “gotan”. Antes desta canção, o comunicador Philippe Solal lança um apelo à plateia -“Let’s rock this place” -perante o qual o volume aumentou.

Antes de se ouvir o primeiro single do último álbum, os Gotan Project relembraram um dos temas mais apreciados de “Lunático”. Foi ao som de Mi Confession que o público começou a abanar a anca, levantando ligeiramente os pés do chão, uns mais do que outros, consoante o grau de desinibição de cada um. Os gritos e aplausos do público só vieram provar que a resposta à pergunta de Philippe Solal - “Gostam de tango?” -foi verdadeira.

Após uma pequena ausência de Cristina Villalonga em palco, esta volta sem tailleur preto (ao contrário da banda, que permaneceu encantadoramente vestida a rigor), envergando um vestido longo e negro, como os seus cabelos, repletos de cachos, adornados por uma flor, também ela escura. Só negra não foi a sua voz, que, com os seus tom grave e meloso, adocicou o espírito de todos os que a ouviram, fazendo com que Diferente fosse o ponto alto do concerto. O primeiro single de “Lunático” ouviu-se de mãos no ar, batendo palmas sob o comando da vocalista, que desafiou a plateia, ao dizer em espanhol: “Vamos Porto, arriba!”.

Durante o tema Mensajero, o pianista Lalo Zanelli, o acordeonista Facundo Torres e a violinista Ananta Roosend tiveram direito a um solo, onde puderam provar a sua mestriano domíniodas notas que dão forma ao tango, agora pautado por ritmos mais norte-americanos, mais “rockabilly”, impregnados na guitarra de Eduardo Makaroff e patentes na música Panamericana, que foi intercalada com Tríptico. Num suave repicar da guitarra acústica e com um jeito teatral, que provocou sorrisos no público, Makaroff, finaliza o tema do primeiro álbum, para retornar à melodia mais recente.

Após uma hora, que passou num abrir e fechar de olhos, os músicos deixaram o palco, despedindo-se do público. Os jardins do Palácio gritaram e aplaudiram com fome de mais tango. Os Gotan Project regressaram para mais três músicas, começando por Mil Milones, onde Cristina Villalonga cantou de megafone, seguida por Peligro, durante a qual pediu ao público para bailar com ela, finalizando com Santa María (Del Buen Ayre), uma das canções mais esperadas, que arrancou gritos da plateia, entre os quais se ouviam “Buenos Aires”.

Após os agradecimentos e a vénia da banda, houve aindatempo para tocar um tema raro no seu repertório, Inmigrante -uma música dedicada a eles mesmos, nómadas, que percorrem o mundo, dando a conhecer a sonoridades do tango eletrónico.

O concerto chegou ao fim e os jardins do palácio rapidamente se esvaziaram, deixando paratrás uma nuvem de emoção e sentimento, criada por um tango que foi, de facto, brutal.

Apesar do cansaço resultante de um concerto em pé, as pernas não trepidavam, pois o coração ansiava por mais sonoridades sul-americanas, estando disposto a aguentar mais uma hora recheada de melodias arrebatadoras, mais uma hora em que o Porto se deixasse invadir pela Argentina, e em que as ruas da Invicta se transformassem “nas calles” de Buenos Aires.

Confere o alinhamento do concerto:

1-Época – “La Revancha del Tango”
2- Divan
3-Rayuela – “Tango 3.0”
4-Una música brutal – “La Revancha del Tango”
5-De hombre a hombre – “Tango 3.0”
6-Mi Confession – “Lunático”
7-La Gloria – “Tango 3.0”
8-Diferente – “Lunático”
9-
10-Mensajero – “Tango 3.0”
11-Panamericana – “Tango 3.0”
12-Tríptico – “La Revancha del Tango”

Encore
13-Mil Millones – “Tango 3.0”
14 – Peligro – “Tango 3.0”
15 – Santa María (Del Buen Ayre) – “La Revancha del Tango”

Encore 2
16 - Inmigrante

Texto: Melanie Antunes

Fotografias: Cláudia Moura