Palco Principal - “Rua dos Amores”, editado em setembro do ano passado, será o álbum em destaque nos concertos do Djavan no EDP Cool Jazz e no Coliseu do Porto. Trata-se de um disco composto, arranjado e produzido inteiramente por si. Ao fim de quase 40 anos de carreira e de mais de 20 álbuns editados, compor e interpretar já não são suficiente para a sua realização artística e profissional?
Djavan – Eu comecei a arranjar e a produzir já há alguns anos atrás, numa tentativa de tornar a minha ideia musical íntegra, uma vez que o arranjo e a produção são etapas muito importantes. Se você dá uma música para uma pessoa fazer os arranjos, por mais belo que o arranjo seja, se ele não for adequado à música, é difícil – e isso já aconteceu comigo algumas vezes. E é na produção que o produtor leva o disco para onde ele quer, para o lado que bem entender – e eu também já sofri com isso. Então, eu passei, há alguns anos, a produzir, e também a musicar, para que a minha ideia musical se tornasse íntegra, natural, inteira, total. Além de que eu gosto muito de fazer isso. Sinceramente, tenho dificuldade, sempre tive dificuldade em receber interferências no meu trabalho. Nunca consegui, nunca aceitei. Em todos os lugares – gravadoras, etc. -, a primeira coisa que eu colocava no contrato era que eu iria fazer exatamente o que queria – artisticamente, claro. Gosto de fazer tudo exatamente como desejo, como eu penso. Como o meu trabalho é muito pessoal, acho que as interferências me atrapalham e sempre as evitei.
PP - Ficou alguns anos sem compor, na medida em que em “Aria” se limitou a interpretar temas compostos por outros artistas. Esse tempo afastado da composição tornou o regresso à mesma mais difícil ou, por outro lado, mais fácil, face ao material possivelmente acumulado?
D – Eu pensava que ia ter grande dificuldade em voltar a compor, porque fiquei, para fazer o “Aria”, sem compor durante dois anos, pois, se eu compusesse durante esses anos, não conseguiria fazer um disco não autoral, tal como eu queria. O projeto “Aria” era um projeto antigo que eu nunca tinha conseguido fazer, pois ia fazendo uma música, depois outra, e mais outra, e, de repente, já tinha 12 canções e acabava por fazer, mais uma vez, um disco autoral. Então, fiquei dois anos sem compor radicalmente. Depois saí em tournée e fiquei mais dois anos sem compor. Ao todo, fiquei quatro anos sem compor, o que para mim foi um sofrimento muito, muito grande. Nunca tinha ficado sem compor tanto tempo! Eu componho desde os 18 anos de idade – foi muito difícil para mim. Portanto, voltei a compor, achando que ia ter grande dificuldade. Mas não: compus todo o reportório do “Rua dos Amores”, que são 13 músicas, em três, quatro meses, sem o menos problema, graças a Deus.
PP - “Rua dos Amores” é um álbum quase conceptual, que tem como fio condutor o amor. Escrever e cantar o amor não acarreta uma maior responsabilidade, na medida em que são muitos os músicos que o abordam nas suas obras?
D – O “Rua dos Amores” não é um disco conceptual, pelo menos intencionalmente. Eu comecei a escrevê-lo aleatoriamente e, a dada altura, percebi que estava usando o amor como elo para falar de sensações, como o medo, a insegurança, a incompatibilidade, o amor platónico, o não amor, o amor na adolescência, o amor maduro… Na verdade, o amor não é, para mim, um tema – o amor é vida. Não há vivente neste mundo que não passe por esse sentimento, que não se envolva com esse tipo de situação, porque isso é a vida. Mas sim, é um tema muito difícil, porque você pode tornar-se banal. Mas eu adoro desafios, os desafios são o que me move, o que me instiga, o que me impulsiona para a frente. Gosto de correr riscos. E não tenho medo de ser piegas, de ser banal – isso eu não vou conseguir ser, nem que eu queira. Tenho uma «gana» muito grande pelo não conhecido, gosto de penetrar terrenos que ainda não tenha penetrado. Pensa-se que ao falar de amor podemos correr o risco de nos tornarmos banais, mas não: o amor é como a própria vida – você tem um universo inteiro para caminhar sobre ele. Quando um sujeito é banal, ele vai ser banal fazendo qualquer coisa, escrevendo sobre qualquer coisa. Quando ele não é banal, não vai ser banal fazendo seja lá o que for. Então, esse temor eu jamais tive, pelo contrário. Exatamente por ser um fio ténue sobre o qual você tem que caminhar o tempo todo, eu fiz isso com alegria e, modéstia à parte, sem medo.
PP - No meio de tanto amor, surge um tema sobre política, “Pode Esquecer”. Porquê este intruso?
D – Precisamente. No momento em que estava compondo para o álbum, estava acontecendo no Brasil o Mensalão, que foi um momento jurídico de grande repercussão. E eu, envolvido com o quotidiano, e por haver ali pessoas que o Brasil inteiro conhece, acabei fazendo um tema político no álbum, até para quebrar um pouco a coisa de relação humana, do amor. Na verdade, a minha intenção era fazer uma sátira política, mas acabei por fazer uma premonição, porque o que escrevi acabou acontecendo.
PP - Além de compor, interpretar, arranjar e produzir, o Djavan tem também, quase há dez anos, a sua própria gravadora. Hoje em dia, ter a sua própria gravadora gera mais alegrias, devido a toda a liberdade que proporciona, ou preocupações, devido às fracas vendas generalizadas?
D – Eu criei a minha gravadora, que é a Luanda Records, em 2004, e a imprensa veio toda para cima de mim, para saber o seguinte: “como é que você está abrindo uma gravadora, quando as outras gravadoras estão fechando?”. O mercado estava em declínio, por causa da pirataria, por causa da Internet e tal… Mas eu abri a minha gravadora com a intenção, mais uma vez, de gerir o meu trabalho à minha maneira. Já tinha editora, já tinha produtora, já tinha escritório funcionando, já tinha estúdio, faltava-me apenas uma gravadora, para eu poder gerir de maneira total a minha vida artística, e, com isso, a minha vida pessoal também. Então abri uma gravadora, também pelo facto de adorar o novo, de adorar o desconhecido, por querer, igualmente, penetrar no universo executivo, para saber como funcionava. Sabia, claro, que era um desafio muito grande, porque o Brasil é um continente, e a parte da distribuição independente no Brasil torna-se quase impossível. Mas eu fiz e não me arrependi. Este disco foi lançado em parceria com a Luanda e a Universal Music e foi ótimo.
PP - Regressa a Portugal para atuar em nome próprio, mas também num festival, numa noite dedicada à Música Popular Brasileira, em que também subirá ao palco Maria Gadú. Considera esta artista, à sua semelhança, um exemplo do que melhor se faz dentro do género?
D – Acho a Maria Gadú uma artista promissora, talentosa. Ela tem tudo para fazer uma carreira muito boa, é uma artista nova, tem quatro, cinco anos, no máximo, de carreira, acho que é uma pessoa de talento que vai gerar ainda muitos bons frutos. Eu torço por ela!
PP - Podemos esperar algum tipo de parceria em palco?
D – Não tenho a certeza, mas, se houver essa possibilidade, vai ser ótimo. A gente se gosta e, se tiver a chance de fazer uma parceria em palco, vai ser muito divertido, vai ser muito legal.
PP - É presença assídua nos palcos do nosso país, o qual já deve conhecer minimamente bem. Quais serão os pontos obrigatórios de passagem nesta sua próxima vinda a Portugal?
D – Eu amo a arquitetura do Porto, eu amo a arquitetura de Lisboa. Também amo a botânica. Aliás, a arquitetura e a botânica são as minhas duas grandes paixões. E não, a música não é apenas a minha paixão – é a minha vida. Eu amo a arquitetura e a vegetação de Portugal, além da comida e do povo. Eu gosto muito quanto estou em Portugal. Sempre fui muito feliz em Portugal. E irei aos lugares onde tiver chance de ir, porque Portugal tem esse defeito, digamos assim: para onde você se vira, é lindo. Então, onde eu for, está bom.
PP – Não há, portanto, nenhum local em concreto que queira repetir?
D – Quero ir a um lugar onde se come sardinha fresca, a melhor de Portugal. Também vou atrás do bacalhau, que eu amo – sou louco por bacalhau. Esteja ele onde estiver – e graças a Deus ele vai estar em qualquer lugar do país. Também gosto dos doces portugueses, gosto do Fado… Vou ver se tenho chance de ver algum Fado em algum lugar, e passear e admirar essa arquitetura maravilhosa que vocês têm aí.
Sara Novais
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