Palco Principal – Anunciaram o lançamento de “Luna Park” para 2009. Contudo, não satisfeitos com o rumo que o álbum estava a tomar, optaram por adiar a sua edição, de forma a poderem compor novos temas. Foi um acto de coragem?
Blind Zero – Sim, de certa forma, foi. A ideia foi tentar não comprometer, de forma alguma, qualquer situação artística e qualquer criatividade artística, em nome do timing. Era essencial conseguirmos fazer exactamente aquilo que queríamos. É evidente que não é agradável anunciar um disco para determinada altura e acabar por editá-lo um ano depois, mas sentimos que ainda não tínhamos as músicas que queríamos. Tínhamos um punhado de canções que gostávamos e outro punhado de canções que não nos satisfazia por inteiro. Portanto, foi, sim, um acto de coragem, mas, sobretudo, um acto de consciência. Antes de qualquer outra pessoa, tínhamos que agradar a nós próprios.
PP – Pode dizer-se que atravessaram um impasse criativo?
BZ – Sim, foi isso que aconteceu.
PP – Perante um impasse criativo tão prolongado, chegaram a pôr em casa a continuidade do grupo?
BZ – Claro, era inevitável. Acho que, à excepção dos primeiros tempos, onde, tal como nas relações humanas, parece que tudo está condenado a existir para sempre, o fim é algo que se cogita. Lidamos diariamente com o espectro da vida e com a certeza da morte. E lidamos com isso de forma muito suave, muito calma, muito plácida. Não temos nenhum problema nessa matéria. Quando os impasses criativos se somavam – nós tínhamos um enorme prazer em tocar ao vivo mas depois íamos para a sala de ensaio e não se passava nada de especial – o fim era algo sobre o qual se falava abertamente. Mas tivemos o condão – porque somos todos amigos e porque gostamos todos muito uns dos outros – de esperar e as coisas acabaram por acontecer. Agora, sinto que estamos prontos para fazer um novo disco.
PP – Como viriam a ultrapassar o impasse? Algum «ingrediente» determinante?
BZ – O ingrediente principal foi o facto de nunca nos termos enganado a nós próprios: não pensarmos que andávamos a fazer um disco que, na realidade, não andávamos a fazer. Estávamos, sim, a tentar fazê-lo – o que é muito diferente de o estar, efectivamente, a fazer. Decidimos, então, fechar-nos um bocadinho, estabelecer prioridades e deixar que esse trabalho nos trouxesse alguma criatividade e algum «juntar de pontas». Deitámos algumas canções fora, aproveitámos outras, chegámos ao conceito do “Luna Park” – que também, de alguma forma, nos guiou um bocadinho – e, passados alguns meses, tínhamos um disco. A partir de então, as coisas aconteceram muito naturalmente…
PP – Em 1996, editaram um EP em parceria com os Mind da Gap. Algo experimental, de fusão. Não ponderaram, aquando do impasse criativo, embarcar novamente numa experiência do género?
BZ – Não ponderámos, sequer, essa hipótese, até porque sempre tivemos a noção que tínhamos que unir as nossas pontas sozinhos. Não é à toa que este é um disco que conta com muitas poucas colaborações: apenas a de Miguel Ferreira e de Paulo Mesquita. É um disco muito fechado sobre nós mesmos, fechado sobre uma banda à procura dum novo rumo, à procura de sentir-se feliz outra vez. Mas estaremos sempre abertos a colaborações. Gostamos muito de trabalhar com pessoas diferentes, pessoas que não tenham, até, uma relação óbviacom osBlind Zero, é muito estimulante.
PP – Entretanto, já tinham lançado o primeiro single, Slow Time Love. Arrependeram-se de o terem lançado precocemente? Se não o tivessem feito, o tema estaria, hoje, incluído no álbum?
BZ – Não nos arrependemos, de todo. O Slow Time Love vinha, supostamente, anunciar um disco que iria sair uns meses depois. Acabou, contudo, por anunciar um disco que saiu um ano depois. Mas, a verdade é que acabou por fazer um percurso connosco, e acabou por ser muito importante para nós, na medida em que nos deu um feedback positivo da nossa música. Foi um mega êxito, um mega êxito inesperado. De repente, um tema que tínhamos lançado, sem haver um disco, sem que a letra estivesse na Internet, sem estar à venda, sem nada mais, tornou-se um mega êxito e é evidente que isso nos deu força. Sentimos que estávamos a comunicar com as pessoas.
PP – Motivou-vos, de certa forma, a terminarem o álbum?
BZ – Foi uma motivação extra, sem dúvida. Mas também veio adensar a nossa responsabilidade perante o que estávamos a fazer. Acabou por revelar-se uma dose extra de motivação e responsabilidade.
PP – Consideram que Slow Time Love representa o disco?
BZ – Não representa o disco, representa, sim, uma parte do disco. É uma espécie de introdução às diversões que nós criámos de forma metafórica, uma espécie de engodo à entrada do parque. É uma canção que, não representando o disco todo, representa uma parte das emoções que podem estar presentes num parque de diversões como o Luna Park. Acho que é um belíssimo cartão de visita.
PP – O segundo single, Snow Girl, foi também muito bem recebido, muito consensual. Podemos afirmar que estamos perante um álbum – digamos – mais comercial?
BZ – Não diria comercial. Se um disco comercial for um disco que vende, há muita gente na música clássica e no heavy metal – só para tocar em extremos – a vender bem mais do que nós. Diria que é um disco mais Pop e, normalmente, a música Pop acaba por ter um apelo mais forte para outros públicos. É um disco que se dirige de forma mais simples às pessoas, não necessariamente mais fácil, mas mais simples. Tem aquele apelo da melodia, do ritmo, diz coisas com uma aparência de felicidade, o que levará, certamente, as pessoas a aproximarem-se mais do disco. Mas é um álbum que, por outro lado, não espantou nada os nossos fãs mais antigos. Pelo contrário, respeitaram-no imenso, agradou-lhes o nosso sentido de mudança. Numa banda com 16 anos de carreira, é, aliás, fundamental a reinvenção, a mudança, a progressão.
PP – Foi uma mudança, uma reinvençãointencional? Ou surgiu naturalmente?
BZ – Tão intencional quanto natural. Era nossa intenção mudar. Depois de termos estipulado o rumo a seguir, tudo o resto surgiu com muita naturalidade. Mas, atenção, nunca tivemos a intenção de, com este álbum, chegar a novos públicos. Houve uma intenção de o fazer assim, diferente, mas nunca uma intenção de o fazer assim tendo em vista um objectivo. Fizemo-lo assim porque, artisticamente, era assim que o queríamos fazer. Não houve nenhum objectivo com este disco, a não ser o de fazermos exactamente aquilo que queríamos fazer, aquilo que nos estimulasse. Fazer um disco que repousasse nos padrões do passado era redundante e ia esgotar-se, para nós próprios, ao fim de algumas semanas de audição.
PP – Esta mudança vai ter continuidade nos próximos álbuns dos Blind Zero? Ou voltarão à vossa faceta mais sombria?
BZ – Ainda não consigo responder a essa questão. O “Luna Park” é, ainda, muito recente. Em relação aos próximos álbuns, só espero, neste momento, que demorem menos a ser feitos, que não surjam impasses criativos. Em relação ao caminho que vai seguir, ainda não sei. Mas com certeza iremos novamente fazer aquilo que queremos, sem nenhuma particular restrição, sem cedências, com prazer, e não porque o mercado assim o exige.
PP – Esta mudança, vai, na vossa opinião, auxiliar-vos na transposição do álbum para os palcos?
BZ – Sim, já sentimos isso, até. Os nossos espectáculos mudaram. Estas músicas chegam a mais gente. Mesmo pessoas que não nos conhecem e que não conhecem o disco conseguem estar num espectáculo e juntar-se às músicas. E isso é um sentimento algo novo para nós. Sentimos que, com este disco,comunicamos mais facilmente com as pessoas – o que não é bom nem mau, apenas é o que este disco permite.
PP – Quais as expectativas para o concerto no Hard Club?
BZ – É um concerto muito importante para nós, o qual estamos a preparar com muito cuidado, pois representa o retorno a uma casa mítica. Comemorámos no Hard Club o nosso 7º aniversário, por exemplo. Temos muito boas recordações do espaço, tanto das vezes que lá tocámos, como dos muitos concertos que lá vimos. Temos muito gosto em estar na primeira quinzena de programação do Hard Club. Vai ser um espectáculo muito especial: vamos tocar muito tempo, tocar temas que nunca tocámos, tocar músicas que já não tocámos há muito tempo e também fazer uma versão nova de um tema de uma banda que gostamos muito. Vai ser um concerto muito especial, sem dúvida.
PP – Em “Luna Park” optaram por uma edição de autor. Sentiam-se, de alguma forma, constrangidos pela editora com que trabalhavam?
BZ – Nunca nos sentimos constrangidos. Simplesmente não havia interesse da nossa última editora – a Universal – em continuar connosco, pois não vendíamos discos suficientes. Na verdade, não havia interesse de nenhuma das partes em continuar o percurso. Nós próprios sentimos que estava na altura de sermos nós a editar o nosso próprio disco. Foi quase uma evidência. Temos, no entanto, muito respeito pelas pessoas que trabalharam connosco no passado. Nunca sentimento nenhuma pressão. Penso, aliás, que isso é, muitas vezes, mais um mito do que, propriamente, uma realidade. Nunca aconteceu connosco, mas também nunca nos pusemos a jeito…
PP – Lançaram, recentemente, nas redes sociais, uma iniciativa que permitia aos vossos fãs escolher o 3º single do disco. Como é a relação dos Blind Zero com as redes sociais?
BZ – Temos, actualmente, um facebook muito activo. O facebook é, para nós, neste momento, um meio privilegiado de comunicação, um meio privilegiado para actualizar a agenda, para promover passatempos, para fomentar contactos, para recolher opiniões. É muito importante para nós mantermos esta ligação com os nossos fãs, até porque foram eles que nos mantiveram vivos, que nos incentivaram, que nos estimularam a fazer coisas novas. Foram, no fundo, um ombro amigo que nos permitiu, hoje, estar aqui a fazer o que estamos a fazer. Nutrimos por eles um sentimento de enorme gratificação, devemos-lhes muito, quanto mais não seja porque permitem que os Blind Zero façam parte da sua vida.
PP – Paralelamente à sua carreira como vocalista dos Blind Zero, o Miguel trabalha na Gestão dos Direitos do Artista. Na sua opinião, a luta contra a pirataria já começou a dar frutos?
Miguel Guedes– Luto pelo respeito, pelos direitos de quem faz e de quem cria. As pessoas devem ser remuneradas pelo trabalho que fazem. É essa, aliás, uma das conquistas de Abril. Custa-me muito pensar que a música é considerada quase como um bem cultural, onde não é necessário remunerar os seus criadores, os seus autores, os seus produtores. A música, tal como defende uma campanha que está, actualmente, na rua, não cresce das árvores. Nós, sim, crescemos a ouvir música. Como tal, acho legítimo que as pessoas que a fazem consigam sobreviver dela. Só assim conseguirão manter-se independentes artisticamente, não dependendo de marcas, de patrocínios, ou do «diabo a quatro». E, portanto, custa-me um bocadinho que a pirataria atinja os níveis que hoje em dia tem atingido.
PP – Os Blind Zero vivem, actualmente, da música? Ou mantêm actividade paralelas à banda?
MG– A manutenção de actividades paralelas vem, também, da personalidade das pessoas. Eu, por exemplo, gosto de fazer muitas coisas simultaneamente, se calhar até demasiadas. Só assim me sinto feliz. Mas, obviamente, que, se os Blind Zero vivessem só da música, não viviam em pleno, sobreviviam apenas. É, aliás, no patamar na sobrevivência que a esmagadora maioria das bandas deste país vivem. Muitas pessoas, vendo as revistas e vendo televisão, podem pensar que a maior parte das bandas deste país é privilegiada. Não é verdade, é uma falsa imagem, uma ilusão. É um bocadinho como olhar para alguns dos clubes da primeira divisão de futebol e pensar que todos os jogadores têm o mesmo tipo de rendimento. Muito poucas bandas e artistas em Portugal vivem, única e exclusivamente, da música – o que é uma pena, porque os músicos devem concentrar-se o mais possível na sua actividade.
PP – Que projectos – nacionais e internacionais – têm atraído a sua atenção, nos últimos tempos?
BZ – Gosto de muitas coisas que estão a acontecer, no que respeita as bandas portuguesas. Por exemplo, tenho ouvido muito a Jigsaw, que é uma banda de Coimbra de que gosto particularmente. Mas há muitas bandas novas a fazer coisas boas, actualmente. A nível internacional, tenho ouvido o nosso álbum dos Arcade Fire e o novo disco dos The National, que é extraordinário, à semelhança do anterior.
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